
Brasileiros têm outro motivo para envergonhar-se. A maioria de nós jamais chegará aos pés da dignidade que Ambrósio alcançou em sua vida. Quem encara o olhar que ele nos legou?
Por Spensy Pimentel*, no Nota de Rodapé
Na noite de 1º de dezembro, o líder kaiowa Ambrosio Vilhalva, 53 anos, morreu depois de ser esfaqueado no acampamento onde residia, na Terra Indígena Guyraroka, em Caarapó (MS). Ambrosio tornou-se internacionalmente conhecido como o protagonista do filme Terra Vermelha, de Marco Becchis. No filme, como o cacique Nádio, ele interpretava sua própria vida de luta pela terra. Conheci pessoalmente o Ambrósio em 2009, logo que começava minha pesquisa de campo do doutorado. Foi pouco depois do sucesso de Terra Vermelha. Quase lhe pedi o autógrafo naquela Aty Guasu – a Grande Assembleia Kaiowa e Guarani – em Amambai. Era fascinante vê-lo falar em público, porque sua presença e discurso tinha mesmo algo de cinematográfico.
Na minha investigação, tentava entender melhor as figuras da política kaiowa e guarani. E sabe aqueles morubixabas dos quais ouvimos falar nas aulas de história, comandando esquadras de canoas em guerras intestinas nesse litoral entre São Paulo e Rio que hoje fica apinhado de turistas no verão? O sul de Mato Grosso do Sul está cheio de versões atualizadas desses personagens, tão imponentes como o Cunhambebe das aventuras de Hans Staden, mesmo que, aos nossos olhos, vistam andrajos e estejam cobertos de poeira vermelha. Em guarani, eles são chamados de mburuvicha. (mais…)