Andrea Fama Cecilia Anesi* – Folha Online
Um projeto de produção de alimentos em Moçambique, com financiamento do Brasil, vem recebendo críticas de pequenos agricultores e entidades do país do leste africano, ex-colônia portuguesa.
Com a ambição de ser um celeiro de alimentos para um dos países mais pobres do mundo, o ProSavana planeja revolucionar a produção agrícola no Corredor Nacala, uma área fértil no norte de Moçambique com 14,5 milhões de hectares de terras (área equivalente ao Ceará).
As características da região, parecidas às do cerrado, facilitaram o envolvimento do governo brasileiro.
O objetivo é aumentar a produção de alimentos para o mercado interno e exportar o excedente, mas Brasil e Japão (outro financiador do ProSavana) vêm recebendo criticas por estarem interessados apenas em promover o cultivo de produtos para exportação e biocombustíveis –o que os dois países negam.
Em maio deste ano, 23 entidades religiosas, agrárias e de direitos humanos moçambicanas, além de 43 organizações internacionais, enviaram uma carta aberta à presidente Dilma Rousseff, a seu colega moçambicano, Armando Guebuza, e a Shinzo Abe, premiê do Japão.
Nela, as entidades apontam risco de “séria e iminente ameaça de usurpação de terras das populações rurais e remoção forçada de comunidades de áreas que atualmente ocupam”. Elas reclamam da falta de debate e transparência quanto aos objetivos do projeto.
Outra grande experiência brasileira em Moçambique, a da mineradora Vale, na região de Tete, colabora para a desconfiança. Moradores reclamam de terem sido retirados de suas casas e dizem não terem recebido indenização adequada.
No caso do ProSavana, o receio é de que multinacionais do agronegócio tomem áreas para promover monoculturas de milho, soja, algodão e cana de açúcar, entre outras, aniquilando pequenas lavouras de subsistência e criando uma massa de trabalhadores sem terra.
Cerca de 70% da população moçambicana dependem da agricultura
“A sociedade civil foi ignorada até agora. O envolvimento de agricultores é fundamental, pois são a base do país. Se não há diálogo, não há solução para o problema”, diz Anabela Lemos, da organização moçambicana Justiça Ambiental.
O programa ainda está na fase inicial. Sua origem remonta a 2009, quando foi assinada uma parceria envolvendo Brasil, Japão e Moçambique de “assistência para produção agrícola” pelo pais africano.
O Brasil vivia então o auge de sua política externa de apoio à África, marca registrada do governo Lula.
Desde então, o governo brasileiro já investiu no projeto US$ 13,7 milhões, por meio da ABC (Agência Brasileira de Cooperação) e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). O Japão aportou outros US$ 23,8 milhões.
Mas o programa, que deveria estar operando neste ano, ainda não decolou.
Para os opositores do projeto, a grande ameaça é que seja criada uma situação de dependência dos pequenos agricultores com relação às grandes empresas.
O programa não prevê aquisições diretas de terra, mas esquemas de “cultivo por contrato”, em que agricultores receberiam empréstimos para produzir determinada cultura para exportação.
Entidades temem que produtores caiam numa espiral de endividamento e deixem de produzir alimentos vitais para sua subsistência, contribuindo para um ciclo de fome e pobreza.
“O ProSavana não vai alimentar os moçambicanos nem as comunidades do corredor de Nacala. O objetivo é explorar a terra e impulsionar exportações. Isso vai causar e já está causando conflitos sociais”, afirma Augusto Mafigo, presidente do sindicato dos produtores rurais de Moçambique.
Para João Mosca, economista da Universidade Politécnica de Maputo, “pode haver uma agenda invisível buscando objetivos que são diferentes dos declarados”.
Este artigo é parte do programa Innovation in Development Reporting, do European Journalism Centre. A pesquisa de campo foi conduzida por Andrea Fama, Cecilia Anesi, Jacopo Ottaviani e Isacco Chiaf.
*Colaboração para a Folha, em Moçambique
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.