“A Universidade que cresce com inovação e inclusão social”. Esse é o slogan da Universidade Federal do Maranhão, adaptado aos tempos das gordas verbas do Reuni, liberadas desde que a autonomia seja deixada de lado e a adesão a tudo que determina o Ministério da Educação, sem discussão com a Comunidade Universitária, esteja na ordem do dia.
A propaganda ruiu de vez nesta terça-feira, dia 27, quando o estudante Josemiro Oliveira acorrentou-se ao prédio que seria destinado à Residência Universitária localizado dentro do Campus do Bacanga – campus que, após a reforma e construção de vários prédios (entre outras obras, muitas delas inacabadas após estourarem os prazos de conclusão), a Administração da Universidade quer chamar de “Cidade Universitária”, ao passo que, contraditoriamente, nega a essa “urbe” a população que lá deveria estar: os estudantes oriundos de outras cidades, tanto do interior do Maranhão quanto do restante do país e de outras nações, que disputam as poucas vagas nas estruturas carentes das residências universitárias no centro de São Luís, ou são abrigadas na casa de parentes ou conhecidos.
Nos campi do interior do estado a situação é pior, com a inexistência de residências universitárias. O movimento deflagrado pelos alunos, que culminou com o acorrentamento de Josemiro ao prédio onde deveria funcionar a Residência Universitária (Reufma) e o início de sua greve de fome nesta terça-feira, requer, além da destinação das instalações para a residência em São Luís, residências universitárias nas instalações da UFMA nas demais cidades do Maranhão.
Greve de Fome denuncia desvio de finalidade das instalações destinadas à Residência Universitária no Campus da UFMA
Josemiro Oliveira, natural da cidade de São José dos Basílios, interior do Maranhão, é filho de camponeses: sua mãe, dona Magnólia, é quebradeira de coco, e seu pai, Clodomir, lavrador. Para a família, Josemiro é tido apenas como “Nenezinho”, e os pais não escondem o orgulho de ver o filho frequentando a universidade. Atualmente, ele é aluno do curso de Ciências Sociais na UFMA (onde ingressou através do Programa de Ações Afirmativas, por ser oriundo do escola pública), e morador da Residência Universitária da UFMA. Não fosse a residência universitária, ele não teria como manter seus estudos na capital.
A opção da Administração Superior pela mudança de destinação das instalações da casa do estudante no Campus dificulta a vida dos alunos que precisam dela, gerando, por exemplo, gastos diários com transporte até a Universidade para os estudos e desenvolvimento das atividades relacionadas. O caso de Josemiro é exemplar também nesse sentido. Ele é membro do Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (Gedmma), no qual é bolsista de Iniciação Científica. Horácio Antunes, professor, coordenador do Gedmma e orientador do estudante, refere-se a ele como “excelente aluno, esforçado, dedicado, comprometido com suas atividades”.
Descaso e burocracia – Além da distância das atuais residências em relação à UFMA e a dificuldade de acesso à própria universidade, as instalações das atuais casas demonstram o descaso com os estudantes, os quais tem a instituição obrigação de abrigar com o mínimo de decência e dignidade. Josemiro conta, por exemplo, que os banheiros da casa estão sem luz. Problemas similares são remetidos à Prefeitura do Campus, através de ofício, e esta, por vezes, demora em atender as necessidades dos alunos. Não é raro faltar gás de cozinha para que os moradores preparem seus alimentos. Assim, “a Casa acaba se virando com os recursos da própria Casa [recursos dos estudantes]”, diz.
Além de chamar atenção para o problema com que os moradores da Reufma convivem diariamente, a manifestação que culminou com a greve de fome do estudante joga luz sobre um assunto sério, que deve ser apurado por quem de direito e sobre o qual a Universidade tem a obrigação de se pronunciar. O prédio no qual acorrentou-se Josemiro Oliveira estava, desde 2005, destinada à Residência. Os primeiros recursos com essa finalidade foram liberados no final daquele ano, quando ainda era reitor o professor Fernando Ramos. De lá para cá, com recursos contingenciados, as obras foram sendo tocadas, com a placa na qual podia-se ver que construção era aquela e para que deveria servir à sua frente. Já sob a reitoria do professor Natalino Salgado, atual reitor da UFMA (em segundo mandato), as obras prosseguiam, bem como as demais que sua administração iniciou – algumas inauguradas (a exemplo da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, que contou inclusive, na inauguração, em outubro último, com a presença do ministro de Ciência e Tecnologia, Antônio Raupp, sem que até hoje tenha sido liberada para a Comunidade Acadêmica, sob reclamações de que falta o essencial numa biblioteca: os livros; e o pórtico que dá acesso ao Campus, que custou quase meio milhão de reais e estourou todos os prazos previstos para inauguração) e outras que até hoje não foram encerradas, como o Centro de Convenções, que deveria ter sido entregue em 2012, para a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, que aconteceu naquele ano em São Luís.
Com as várias frentes de obra abertas (com muitas não encerradas) na universidade, não foi dada prioridade para a Casa do Estudante, revelando o vazio no discurso da preocupação com o “social”, presente no slogan da atual Administração. E, desde a primeira liberação de recursos, ainda em 2005, somente agora o prédio está prestes a ser concluído.
Entretanto, uma nova placa foi posta em sua frente, avisando que ali não mais seria a casa do estudante, mesmo que todos os recursos lá dispendidos tenham sido separados para essa finalidade. O novo anúncio, do prédio já quase pronto, dizia: “Obra: complementação dos serviços de adaptações no Núcleo de Assistência ao Estudante da Cidade Universitária da UFMA”.
Com isso, os estudantes deflagraram o movimento que reivindica a devolução do prédio à sua finalidade, denunciando o desvio pretendido pela reitoria. Até agora a Administração não se pronunciou sobre o assunto, e a única ação que tomou em relação ao caso foi retirar a placa que atesta o desvio de finalidade de frente do prédio, fato que foi gravado pelos manifestantes e que já está percorrendo as redes sociais (veja vídeo aqui). O silêncio da Administração, sem dar resposta objetiva ao pleito, põe em risco a vida do estudante que iniciou a greve de fome, já que ele atesta que somente deixará a greve caso haja alguma sinalização em relação à situação dos que precisam de moradia estudantil e que não contam com a devida assistência por parte da UFMA. Assim, além de ter de se explicar sobre o que ocorreu com a mudança na destinação das instalações da Reufma, a Administração da Universidade passa a ser responsável pelo que vier a acontecer com o estudante Josemiro Oliveira: “A decisão fica na mão dele [do reitor], que não dialoga. E já que não dialoga, fomos buscar outra forma de diálogo”, diz o grevista.
Talvez com a situação dramática, a UFMA faça valer a frase que utiliza, e se lembre que não apenas de construções se faz uma universidade pública, mas com a devida assistência à Comunidade Universitária, inclusive com as condições básicas: não são raras, por exemplo, as reclamações de alunos, muitas delas destacadas em redes sociais, sobre a falta de professores para ministrarem as aulas das disciplinas nas quais estão inscritos.
Silêncio da Administração, apoio da comunidade Acadêmica
Ao contrário do silêncio incômodo da reitoria sobre um grave assunto que lhe diz respeito diretamente, outros setores da comunidade universitária fazem coro ao protesto dos estudantes, apoiando a mobilização e exigindo que a instituição dialogue para que se ponha termo à situação extrema. Vários estudantes, professores e militantes sociais dirigem-se ao local do protesto para externar apoio. O Diretório Central dos Estudantes também acompanha e participa da mobilização, e dá informes diários sobre a situação. A Associação de Professores (Apruma) emitiu nota de apoio e publicou em seus meios de informação várias matérias dando conta do protesto, inclusive detalhando como foi desviado de sua finalidade inicial o prédio da residência estudantil (veja via Facebook aqui). A chefia do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade, Desoc, também emitiu nota, assinada pelas professoras Joana Coutinho e Ilse Gomes. Centros Acadêmicos na capital e no interior também têm se posicionado ao lado daqueles que querem ser realmente incluídos pela Universidade.
Até mesmo a grande mídia maranhense, geralmente leniente para cobrir assuntos que não agradam a empresários, autoridades e congêneres, vem dando cobertura ao assunto (como exemplo, veja matéria da TV Mirante/Globo aqui). Entretanto a reitoria da UFMA e os canais de comunicação da instituição por ela controlados seguem como se tudo estivesse normal no Campus do Bacanga.
A greve de fome de Josemiro, a falta de livros nas bibliotecas, de professores em salas de aula, os estouros de prazos (e, consequentemente, de orçamento) nas entregas das inúmeras obras na Cidade Universitária (que sem a população formada pelos moradores da Reufma pode ser considerada fantasma), a falta de luz no banheiro da atual casa do estudante, o sumiço da placa que atesta terem razão os manifestantes e o próprio silêncio da Administração indicam que, ao contrário, a normalidade talvez não passe de aparência. Tal como a inclusão social cravada na propaganda da reitoria.
—
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Claudio Castro.