Comunidade Guarani que a mais de 30 anos vive em uma faixa de domínio público, reocupa sua terra tradicional

Acamp_MybyaPor  Matias Benno Rempel, em Gapin-Grupo de Apoio aos Povos Indígenas/Cimi

O dia de quinta-feira, 14 de novembro, voltou a nascer diferente para grande parte dos Guarani Mbya que a décadas estão acampados em uma pequena faixa de domínio da BR-290, km 299, no território do Irapuá, localizado entre os municípios de Caçapava do Sul e Cachoeira do Sul no Estado do RS.

O som incessante da “cachoeira de carros” que cruzam dia e noite a BR-290 em uma das extremidades do acampamento e que impossibilita os Guarani a terem noção do que significa a palavra “silêncio”, foi substituído pelo belo barulho das águas correntes do rio Irapuá e pelos cantos e revoadas dos pássaros que partiam e chegavam de cima das árvores. Em sequência a este despertar, o som que pode se ouvir nestas novas manhãs foi o das crianças que, não mais presos entre a rodovia e a cerca de uma propriedade privada, correram livres pelo campo e pelos vales sendo acompanhados e educados pelos velhos e velhas da comunidade. Segundo o cacique Silvino Benites que caminha por esta área específica desde o ano de 1970, “dava até para ouvir o som de um sorriso”.

Os Guarani do Irapuá, mais uma vez cansados da esperar a decisão dos órgãos responsáveis, voltaram a erguer algumas casas improvisadas constituindo um novo núcleo de aldeia no coração desta área que jamais deixaram de ocupar. Desta forma decidiram reocupar em caráter permanente a sua terra, inclusive demarcada pela FUNAI, com mais de 30 anos de estudo e que indiscutivelmente é de ocupação imemorial. Em julho deste ano os indígenas  haviam construído pequenas barracos de lona em partes da terra demarcada  e que foram criminosamente incendiados.

Não se trata de uma grande extensão de terra, mas sim de um pequeno recorte de 222 hectares que se estende ao longo de uma faixa de mata nativa próxima do rio Irapuá. Sobre a área não existem propriedades nem benfeitorias, e até o episódio da queima dos barracos não havia sequer lavouras ou áreas agricultadas no espaço delimitado aos indígenas. Hoje, cientes da discussão acerca de possíveis indenizações em caso de ocupação indígena, lamentavelmente os proprietários do entorno passaram a avançar com plantações sobre a já pequena área Guarani.

Neste contexto, os Guarani receberam o procurador Pedro Sacco, do Ministério Público Federal de Cachoeira do Sul, em seu precário acampamento, não para tratarem de conflitos envolvendo terras indígenas ocupadas por agricultores ou fazendeiros, como desenhado em outras regiões do estado, mas para cobrarem empenho do procurador no sentido de ajudar a combater as propostas desviantes do estado do Rio Grande do Sul e das prefeituras locais e sobretudo a negligência da FUNAI e as práticas inconstitucionais do Ministério da Justiça que vem se negando a concluir o procedimento de demarcação e regularização de uma área  desocupada e já demarcada. A postura omissa da Funai e a negligência do Ministro da Justiça acabam por manter os Guarani sob condições desumanas de vida e a incitar o preconceito e outras formas de violência dos moradores do entorno contra a comunidade indígena.

Nas palavras do representante do MPF, ficou clara a preocupação com a não demarcação do território por motivos advindos do cenário político atual onde existe grande pressão pela paralisação dos processos demarcatórios, e que essa realidade tende a se intensificar com a proximidade do período eleitoral. Porém, o Procurador garantiu aos indígenas que não se omitirá de suas atribuições e buscará de todas as maneiras possíveis medidas que visem o cumprimento dos direitos constitucionais do povo Guarani.

O procurador Pedro Sacco ao ser questionado pela comunidade indígena sobre o resultado e ou respostas ao documento enviado por ele, no dia 04 de julho, ao Ministério da Justiça, oportunidade em que descreveu ao ministro José Eduardo Cardozo a situação do território em questão e cobrou do mesmo a continuidade do processo demarcatório, o procurador referiu que até agora a resposta foi o silêncio. Coube aos representantes Guarani lamentarem o fato de tudo depender de uma assinatura de Cardozo e do fato de que esta assinatura poderia dar fim a um processo de décadas de sofrimento.

Os Guarani foram firmes em sua decisão de continuar a reocupar a área que denominam de Taquaí ty e anunciaram ao procurador que irão de forma definitiva constituir sobre este território sua nova aldeia. Rechaçaram tentativas de ofertas de pequenas área por parte do estado, que segundo a comunidade serve apenas para tirar o foco dos indígenas da terra que de fato os pertence imemorialmente.

Sobre as políticas de moradia ofertadas pela FUNAI, e em relação à saúde e educação que têm sido improvisadas pelo Estado e município, os Guarani agradeceram o empenho do Ministério Público lembraram: “Podemos ter tudo aqui em cima (na beira da estrada) que não teremos ainda assim quase nada, nossa saúde está naquela terra, nossa educação está naquela terra, queremos nossa moradia lá, queremos que nos crianças cresçam e morem lá”.

Os líderes indígenas manifestaram, ao final da conversa com o procurador da República, preocupação com a segurança, em especial das crianças e dos mais velhos uma vez que já sofreram muita pressão e ameaças dos moradores na última vez que construíram seus barracos sobre a área. Solicitaram ao MPF que acione a FUNAI e as instâncias necessárias para que garantam proteção e fiscalização na área e que responsabilize o Ministro da Justiça por qualquer dano pela vida ou integridade dos membros da comunidade.

Sobre a terra de Irapuá não há edificações, moradores e nem moradias, portanto a terra é nua, por isso não se justifica a demora na conclusão da demarcação. Não dá para entender o porquê que um procedimento demarcatório, de uma pequena porção de terras de apenas 222 hectares, esteja há décadas paralisado no Ministério da Justiça.

Os Guarani sugerem que o Procurador da República interpele judicialmente o ministro José Eduardo Cardozo por omissão, negligência e por submeter a comunidade a situação de vulnerabilidade.

Lamentavelmente este é mais um dos casos, em nosso país, em que um povo e suas comunidades tenham que ficar à margem e submetidos a todo tipo de violências e desrespeito as seus direitos humanos em função de interesses políticos e econômicos.

Santa Maria, RS, 17 de novembro de 2013.

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