
Lojistas da Savassi cobram providências imediatas da prefeitura para levar moradores de rua para abrigos. Mas retirada depende de consentimento e muitos são usuários de crack
Paula Sarapu e Sandra Kiefer, em EM
A sensação de que a população de rua está aumentando na cidade, principalmente devido à maior presença de dependentes de crack, fez a Câmara de Dirigentes Lojistas da Savassi pedir reunião de emergência, ainda nesta semana, com o prefeito Marcio Lacerda, representantes da Regional Centro-Sul e dirigentes de entidades civis. Um dos pontos a serem abordados é a liminar expedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em julho que impede o estado e a prefeitura de recolherem pertences pessoais de moradores de rua. O coordenador do Conselho CDL/Savassi, Alessandro Runcini, diz é um problema que não se resolve com liminar, é preciso apresentar propostas para encaminhar moradores de rua aos abrigos da cidade.
Ontem, a prefeitura recolheu barracas de papelão, lona e madeira sob viadutos do Complexo da Lagoinha e na Avenida Antônio Carlos, perto do conjunto IAPI. Dezessete barracas foram retiradas pela manhã, sob alegação de que ferem o Código de Posturas ao obstruir vias. Equipes de fiscalização e abordagem social conversaram com cerca de 40 pessoas que perambulavam pela região e carregaram dois caminhões com o material das barracas. À tarde, houve nova tentativa de instalar as lonas sob o viaduto Nansen Araújo, no acesso ao Centro, e as equipes voltaram às ruas. Outros quatro barracos, feitos pelos mesmos moradores, foram removidos.
Os consultórios de rua, ligados à Secretaria Municipal de Saúde, fizeram 5.500 abordagens este ano na regionais Nordeste, Leste e Centro-Sul, mas, como o processo passa por convencimento, só 370 são acompanhadas.
“Nem debaixo da ponte temos direito mais de ficar”, disse Carlos Augusto, de 43 anos, usuário de crack e morador da área há 20 anos. Uma cadeira e um carrinho de supermercado com cobertores amontoados foi o que ele conseguiu segurar diante do que chamou de operação limpeza.
Izabela, filha dele, ajudaou a recolher o que sobrou em meio à poeira e aos homens da limpeza. “Eles avisaram que iriam tirar tudo e tiraram mesmo. Meu pai está sem as muletas porque eles levaram”. Carlos é deficiente físico e diz que depende de doação para sobreviver. “As muletas foram uma esmola. Tudo o que temos é esmola. E agora dizem que querem levar a gente para os abrigos, mas lá é mais perigoso do que na rua. Prefiro ficar na rua”.
Coordenador do Colegiado da Saúde Mental do SUS/BH, Paulo César Machado Pereira diz que a maioria das pessoas nas ruas faz uso de álcool e drogas. “São abordagens incansáveis. Eles podem querer acompanhamento hoje, mas amanhã, não.”
Segundo o Comitê de Acompanhamento de Políticas para a População de Rua, há 1.174 moradores de rua, mas o censo é de 2005. A Pastoral do Povo da Rua fala em mais de 2 mil.
“É indigno retirar apenas os pertences dos moradores de rua, sem oferecer uma solução a eles, encaminhamento para um programa social”, criticam os agentes da Pastoral de Rua José Coelho e Claudenice Rodrigues Lopes, presentes no local.
O número crescente de barracas chamava a atenção de quem passava na Antônio Carlos. Em dois meses de acompanhamento, desde que um lote vago onde eles se aglomeravam foi cercado, o serviço especial de abordagem social tentou estabelecer contato com pessoas em situação de rua e usuários de drogas que montaram lonas nas calçadas, oferecendo atendimento e melhores condições em abrigos e albergue. Dentro do terreno cercado por arame, há três novos barracos de lona.
GRUPO DE TRABALHO
Coordenadora do Comitê de Acompanhamento de Políticas para a População de Rua, Soraya Romina diz os grupos de moradores de rua e de usuários de crack se misturam, o que aumenta a percepção dos belo-horizontinos de abandono. Ontem, depois que agentes da prefeitura passaram, os usuários se reuniram numa mata do entorno do IAPI e voltaram a circular pela Lagoinha, com mochilas, sacolas e pertences em carrinhos de feira.
“A Constituição fala do direito de ir e vir, mas não de ficar, como ocorre na Savassi e em outros pontos da cidade”, diz Alessandro Runcini. “Queremos montar um grupo de trabalho para tentar derrubar a liminar e discutir essas questões. Não é só a presença de moradores de rua que incomoda, mas o fato de que muitos são usuários de drogas, usam a rua como banheiro e muitas ainda cometem furtos e pequenos roubos para alimentar o vício.”
O encontro sugerido pela CDL ainda não tem data confirmada, mas Runcini espera tratar o tema em conjunto rapidamente; “Queremos marcar até quinta-feira. A ideia é fazer boas proposições do ponto de vista social para ambos, mas não vamos resolver o problema impedindo as forças de segurança de recolher os pertences dessa população, mas sim levando-os para abrigos, onde teriam melhores condições de higiene e alimentação”, afirmou.
Presença incômoda
Nas proximidades do conjunto IAPI, a população aprovou a retirada de barracas. “Fizemos muitas reclamações. A preocupação maior dos moradores é o crack, mas há outros problemas, eles tomavam banho de balde na calçada, pediam dinheiro no ponto de ônibus, cercavam fiéis na saída das igrejas e faziam sexo a qualquer hora do dia”, conta a promotora de eventos Tatiana Morais Vaz Mello, de 34 anos.
Enfermeira do Hospital Municipal Odilon Behrens, Fernanda Rodrigues, de 26, tinha receio em dias de plantão noturno: “A gente não sabe que reação pode ter quem usa droga. O taxista Jairo Gonçalves, de 44, trabalha no ponto do IAPI há muitos anos e sempre ouve reclamações dos passageiros. Ele também perdeu a conta de quantas vezes testemunhou dependentes de drogas quebrando vidro de carros: “Eles trocam qualquer coisa por droga. Os moradores reclamam muito, principalmente à noite. Mas essa retirada das barracas é situação de momento. Faltam políticas públicas e daqui a pouco isso aqui está cheio de novo”.
Segundo a coordenadora do Comitê de Acompanhamento de Políticas para a População de Rua, Soraya Romina, que participou da retirada das barracas, as estruturas instaladas nos passeios e sob viadutos eram usadas para moradia e consumo de drogas. Havia pessoas alcoolizadas, mas não houve flagrante de uso de droga. Ela diz que a prefeitura fará novo censo este ano. Neste novo trabalho, a ideia é trabalhar também com os usuários e separá-los, para traçar melhor as políticas públicas.
“Encontramos ontem pessoas que desistiram da vida, homossexuais expulsos de casa e um casal do Rio que veio tentar a vida aqui. Mas também tinha gente que ia lá para passar o dia usando drogas. É um fenômeno complexo. Sabemos pelas abordagens que pessoas com nível superior também circulam por lá, inclusive a filha de uma pessoa pública”, informou.
DEPOIMENTOS
COMO RESOLVER O PROBLEMA DOS VIADUTOS OCUPADOS POR USUÁRIOS?
“Fizemos a desobstrução. A lei determina que o viaduto não pode ser usado por particulares, que inclusive correm risco de ser atropelados ao atravessar a via”
Gilmar Evangelista da Silva, gerente de acompanhamento de fiscalização da PBH
“É equivocado pensar que todos vão sair do viaduto e morar em albergues. Parte deles vai reatar o vínculo familiar, fazer tratamento para abuso de álcool e drogas ou ser encaixaa em programas de emprego. A questão é que o fenômeno do crack é maior do que a resposta oferecida”
Warley Silva, gerente de abordagem social da PBH
“A sociedade só quer saber da limpeza da praça e de expulsar pessoas debaixo dos viadutos. Quem vai dar emprego para alguém que não tem documentação, residência fixa e que, por causa da droga, tem passagem pela polícia?”
P., de 36 anos, usuário de crack e ex-funcionário público concursado de Pirapora
“O Ministério Público avalia se a conduta da prefeitura é correta ao permitir que morador de rua com transtorno mental que está morrendo pelo uso de crack e que tenha indicação de internação, ainda que não seja do desejo dele se tratar, permaneça sob viadutos”
Bruno Alexander Vieira Soares, promotor de Justiça de Defesa da Saúde de BH
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.