CDL quer retirar moradores de rua da zona sul de Belo Horizonte

Carlos Augusto, de 43, usuário de crack, mora há 20 anos sob um viaduto na Lagoinha e ficou sem as muletas, que foram levadas pelo pessoal da limpeza, segundo a filha
Carlos Augusto, de 43, usuário de crack, mora há 20 anos sob um viaduto na Lagoinha e ficou sem as muletas, que foram levadas pelo pessoal da limpeza, segundo a filha

Lojistas da Savassi cobram providências imediatas da prefeitura para levar moradores de rua para abrigos. Mas retirada depende de consentimento e muitos são usuários de crack

Paula Sarapu e Sandra Kiefer, em EM

A sensação de que a população de rua está aumentando na cidade, principalmente devido à maior presença de dependentes de crack, fez a Câmara de Dirigentes Lojistas da Savassi pedir reunião de emergência, ainda nesta semana, com o prefeito Marcio Lacerda, representantes da Regional Centro-Sul e dirigentes de entidades civis. Um dos pontos a serem abordados é a liminar expedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em julho que impede o estado e a prefeitura de recolherem pertences pessoais de moradores de rua. O coordenador do Conselho CDL/Savassi, Alessandro Runcini, diz é um problema que não se resolve com liminar, é preciso apresentar propostas para encaminhar moradores de rua aos abrigos da cidade.

Ontem, a prefeitura recolheu barracas de papelão, lona e madeira sob viadutos do Complexo da Lagoinha e na Avenida Antônio Carlos, perto do conjunto IAPI. Dezessete barracas foram retiradas pela manhã, sob alegação de que ferem o Código de Posturas ao obstruir vias. Equipes de fiscalização e abordagem social conversaram com cerca de 40 pessoas que perambulavam pela região e carregaram dois caminhões com o material das barracas. À tarde, houve nova tentativa de instalar as lonas sob o viaduto Nansen Araújo, no acesso ao Centro, e as equipes voltaram às ruas. Outros quatro barracos, feitos pelos mesmos moradores, foram removidos.

Os consultórios de rua, ligados à Secretaria Municipal de Saúde, fizeram 5.500 abordagens este ano na regionais Nordeste, Leste e Centro-Sul, mas, como o processo passa por convencimento, só 370 são acompanhadas.

“Nem debaixo da ponte temos direito mais de ficar”, disse Carlos Augusto, de 43 anos, usuário de crack e morador da área há 20 anos. Uma cadeira e um carrinho de supermercado com cobertores amontoados foi o que ele conseguiu segurar diante do que chamou de operação limpeza.

Izabela, filha dele, ajudaou a recolher o que sobrou em meio à poeira e aos homens da limpeza. “Eles avisaram que iriam tirar tudo e tiraram mesmo. Meu pai está sem as muletas porque eles levaram”. Carlos é deficiente físico e diz que depende de doação para sobreviver. “As muletas foram uma esmola. Tudo o que temos é esmola. E agora dizem que querem levar a gente para os abrigos, mas lá é mais perigoso do que na rua. Prefiro ficar na rua”.

Coordenador do Colegiado da Saúde Mental do SUS/BH, Paulo César Machado Pereira diz que a maioria das pessoas nas ruas faz uso de álcool e drogas. “São abordagens incansáveis. Eles podem querer acompanhamento hoje, mas amanhã, não.”

Segundo o Comitê de Acompanhamento de Políticas para a População de Rua, há 1.174 moradores de rua, mas o censo é de 2005. A Pastoral do Povo da Rua fala em mais de 2 mil.

“É indigno retirar apenas os pertences dos moradores de rua, sem oferecer uma solução a eles, encaminhamento para um programa social”, criticam os agentes da Pastoral de Rua José Coelho e Claudenice Rodrigues Lopes, presentes no local.

O número crescente de barracas chamava a atenção de quem passava na Antônio Carlos. Em dois meses de acompanhamento, desde que um lote vago onde eles se aglomeravam foi cercado, o serviço especial de abordagem social tentou estabelecer contato com pessoas em situação de rua e usuários de drogas que montaram lonas nas calçadas, oferecendo atendimento e melhores condições em abrigos e albergue. Dentro do terreno cercado por arame, há três novos barracos de lona.

GRUPO DE TRABALHO

Coordenadora do Comitê de Acompanhamento de Políticas para a População de Rua, Soraya Romina diz os grupos de moradores de rua e de usuários de crack se misturam, o que aumenta a percepção dos belo-horizontinos de abandono. Ontem, depois que agentes da prefeitura passaram, os usuários se reuniram numa mata do entorno do IAPI e voltaram a circular pela Lagoinha, com mochilas, sacolas e pertences em carrinhos de feira.

“A Constituição fala do direito de ir e vir, mas não de ficar, como ocorre na Savassi e em outros pontos da cidade”, diz Alessandro Runcini. “Queremos montar um grupo de trabalho para tentar derrubar a liminar e discutir essas questões. Não é só a presença de moradores de rua que incomoda, mas o fato de que muitos são usuários de drogas, usam a rua como banheiro e muitas ainda cometem furtos e pequenos roubos para alimentar o vício.”

O encontro sugerido pela CDL ainda não tem data confirmada, mas Runcini espera tratar o tema em conjunto rapidamente; “Queremos marcar até quinta-feira. A ideia é fazer boas proposições do ponto de vista social para ambos, mas não vamos resolver o problema impedindo as forças de segurança de recolher os pertences dessa população, mas sim levando-os para abrigos, onde teriam melhores condições de higiene e alimentação”, afirmou.

Presença incômoda

Nas proximidades do conjunto IAPI, a população aprovou a retirada de barracas. “Fizemos muitas reclamações. A preocupação maior dos moradores é o crack, mas há outros problemas, eles tomavam banho de balde na calçada, pediam dinheiro no ponto de ônibus, cercavam fiéis na saída das igrejas e faziam sexo a qualquer hora do dia”, conta a promotora de eventos Tatiana Morais Vaz Mello, de 34 anos.

Enfermeira do Hospital Municipal Odilon Behrens, Fernanda Rodrigues, de 26, tinha receio em dias de plantão noturno: “A gente não sabe que reação pode ter quem usa droga. O taxista Jairo Gonçalves, de 44, trabalha no ponto do IAPI há muitos anos e sempre ouve reclamações dos passageiros. Ele também perdeu a conta de quantas vezes testemunhou dependentes de drogas quebrando vidro de carros: “Eles trocam qualquer coisa por droga. Os moradores reclamam muito, principalmente à noite. Mas essa retirada das barracas é situação de momento. Faltam políticas públicas e daqui a pouco isso aqui está cheio de novo”.

Segundo a coordenadora do Comitê de Acompanhamento de Políticas para a População de Rua, Soraya Romina, que participou da retirada das barracas, as estruturas instaladas nos passeios e sob viadutos eram usadas para moradia e consumo de drogas. Havia pessoas alcoolizadas, mas não houve flagrante de uso de droga. Ela diz que a prefeitura fará novo censo este ano. Neste novo trabalho, a ideia é trabalhar também com os usuários e separá-los, para traçar melhor as políticas públicas.

“Encontramos ontem pessoas que desistiram da vida, homossexuais expulsos de casa e um casal do Rio que veio tentar a vida aqui. Mas também tinha gente que ia lá para passar o dia usando drogas. É um fenômeno complexo. Sabemos pelas abordagens que pessoas com nível superior também circulam por lá, inclusive a filha de uma pessoa pública”, informou.

DEPOIMENTOS
COMO RESOLVER O PROBLEMA DOS VIADUTOS OCUPADOS POR USUÁRIOS
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“Fizemos a desobstrução. A lei determina que o viaduto não pode ser usado por particulares, que inclusive correm risco de ser atropelados ao atravessar a via”
Gilmar Evangelista da Silva, gerente de acompanhamento de fiscalização da PBH

“É equivocado pensar que todos vão sair do viaduto e morar em albergues. Parte deles vai reatar o vínculo familiar, fazer tratamento para abuso de álcool e drogas ou ser encaixaa em programas de emprego. A questão é que o fenômeno do crack é maior do que a resposta oferecida”
Warley Silva, gerente de abordagem social da PBH

“A sociedade só quer saber da limpeza da praça e de expulsar pessoas debaixo dos viadutos. Quem vai dar emprego para alguém que não tem documentação, residência fixa e que, por causa da droga, tem passagem pela polícia?”
P., de 36 anos, usuário de crack e ex-funcionário público concursado de Pirapora

“O Ministério Público avalia se a conduta da prefeitura é correta ao permitir que morador de rua com transtorno mental que está morrendo pelo uso de crack e que tenha indicação de internação, ainda que não seja do desejo dele se tratar, permaneça sob viadutos”
Bruno Alexander Vieira Soares, promotor de Justiça de Defesa da Saúde de BH

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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