Projetos hidrelétricos têm os mesmos impactos, mas recebem tratamento diferenciado do Ibama. Em um caso a licença ambiental é indeferida devido à inviabilidade do empreendimento, em outros, apesar da inviabilidade, as licenças são concedidas.
Por Telma Monteiro
No dia 10 de setembro de 2013 o Ibama indeferiu a Licença Prévia da hidrelétrica Pai Querê, que seria construída no rio Pelotas, RS. O processo de licenciamento estava correndo no Ibama desde 2001. Como tem acontecido em outros processos de licenciamento de hidrelétricas, foram constatadas muitas falhas no Estudo de Impacto Ambiental e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Pai Querê.
A Engevix era então a responsável pela elaboração dos estudos ambientais. Foi um longo caminho trilhado até agora e que acabou bem para o meio ambiente: indeferida a licença ambiental. Vitória da resistência da sociedade civil e da participação do ministério público que empreenderam um trabalho consistente de reforçar os impactos mal dimensionados, lacunas e insuficiências no EIA/RIMA.
Nesse processo que saiu vitorioso nada diferiu dos demais processos de licenciamentos de hidrelétricas na Amazônia. Ao analisar os documentos de praxe da UHE Pai Querê, como pareceres técnicos dos analistas do Ibama, chamou-me a atenção a similaridade com outros pareceres nos processos da UHE Belo Monte, no rio Xingu, UHE Teles Pires, UHE São Manoel, no rio Teles Pires e UHE Santo Antônio e UHE Jirau, no rio Madeira, que apontaram as mesmas deficiências nos estudos.
Então, a que se deve o fato de se conceder licença em todos os outros casos e não conceder para o projeto de Pai Querê? Que fique bem claro: foi muito acertada a decisão do Ibama em não conceder a licença ambiental diante dos graves impactos previstos nos estudos, como a usência de alternativas locacionais; as peculiaridades dos ecossistemas da área afetada com alto grau de endemismos e populações de espécies ameaçadas que colocam a região como de extrema importância e prioritária para a conservação da biodiversidade; a qualidade da biota que torna a área afetada insubstituível; impactos cumulativos e sinérgicos de outros empreendimentos previstos na bacia. Só para citar alguns.
Até as complementações pedidas no EIA/RIMA foram similares às das demais hidrelétricas em processo de licenciamento na Amazônia.
Curioso como, em síntese, os problemas detectados são os mesmos apontados nas hidrelétricas Belo Monte e Teles Pires, em construção e São Manoel e Foz do Apiacás, ainda em processo de licenciamento. Essas contam, ainda, com outros agravantes que por si só deveriam pesar no indeferimento da Licença Prévia, como a proximidade de terras indígenas, a presença de índios isolados e que afetam diretamente unidades de conservação.
Por que será que a condução desses processos de licenciamento das hidrelétricas em rios amazônicos, pelo mesmo Ibama, levam à concessão das licenças ambientais, um tratamento completamente diferenciado da UHE Pai Querê?
Acredito que Pai Querê teve um tratamento diferente porque há um TAC assinado pelo consórcio comprometendo-se a criar UC em área semelhante a alagada por Barra Grande. A única área viável para manter a condicionante é a área de Pai Querê. Essa amarração com a justiça certamente deve ter sido o principal motivo, além de que a capacidade de geração de energia seria muito baixa comparando com as da Amazônia.