No último dia da Audiência Pública que discutiu o papel das igrejas durante a ditadura, promovida pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), no Rio de Janeiro, terminou no fim da tarde de ontem após uma homenagem ao militante Herbert de Souza, o Betinho, e ao advogado e ex-deputado federal do MDB, Lysâneas Maciel, cassado pela ditadura militar e ex-membro do Conselho Mundial de Igrejas
Comissão Nacional da Verdade – Regina Maciel, esposa do ex-deputado, relembrou fatos marcantes da vida do marido, que foi procurado diversas vezes para ajudar famílias que procuravam por amigos ou parentes que desapareceram durante o período, como foi o caso do sumiço do filho do general Pedro Celestino Pereira.
“A esposa do general, Cecília, foi até a nossa casa e pediu a ajuda do Lysâneas para encontrar o filho. Ela disse que já tinha batido em todas as portas e ele era a última esperança. O jovem foi encontrado, diferente do caso do filho do advogado Edgard Machado. Lysâneas nunca esqueceu daquele crime que ele não pôde evitar. Outra família que nos procurou foi a de Stuart Angel. Sua mãe, Zuzu Angel, desejava, pelo menos, encontrar o corpo do filho. Ela afirmava que iria até o fim para fazer justiça”, disse Regina.
Quem também participou da homenagem foi a esposa de Betinho, Maria Nakano, e o amigo Cândido Gribowski. “O trabalho da Comissão é muito importante já que faz a reconstituição desse período. Não é porque é a nossa história, mas é algo que deve ser contado. Deixo aqui uma frase que ele gostava muito: ‘solidariedade não se agradece, se alegra'”, declarou.
DEPOIMENTOS – Na parte da manhã, a Audiência Pública contou com dois testemunhos. A historiadora Jessie Jane, ex-presa política, passou nove anos presa por ter participado de uma tentativa de sequestro de um avião, nos anos 70, junto com o marido. Ela destacou que, toda semana, dom Waldyr, bispo emérito de Volta Redonda, ia visitá-la, em Bangu, assim como o padre italiano, Renzo Rossi, que chegou ao Brasil em 1964.
“Sobre as mulheres sempre recaía uma fúria especial”, afirmou Jane sobre como era o tratamento dado às presas políticas. Ela afirma ainda ter muita dificuldade em falar sobre o assunto, apesar do passar dos anos. “Para eles (militares da repressão), todas nós éramos prostitutas. Era assim que eles nos tratavam ao falar com a tropa. Era assim que o Adir Fiuza de Castro, comandante do Doi-Codi-RJ, se referia a nós. A experiência de ser mulher nessa condição era muito difícil”, afirmou, emocionada.
O outro depoimento foi do Padre Geraldo Lima, que lembrou da luta da Diocese de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, contra a ditadura. O padre falou também sobre a participação do bispo Adriano Hipólito na defesa dos fugitivos políticos. “Dom Adriano Hipólito não escondia o apoio que ele dava a todos que pediam ajuda. E esse era o posicionamento de toda a diocese”, afirmou.
À tarde, houve a apresentação do depoimento de Don Waldyr, que teve seu relato pré-gravado, em virtude de seu estado de saúde. O bispo relembrou a sua atuação na defesa de presos políticos, como quando foi até o quartel onde havia a suspeita de que paroquianos estariam presos no local. “Eu disse que, se essas pessoas tivessem sido detidas por trabalharem comigo, eu também ficaria por lá”. Veja o vídeo no Youtube da Comissão da Verdade.
Último a depor, Paulo Ayres, bispo da Igreja Metodista, afirmou que não é possível fazer julgamentos categóricos sobre as Igrejas. Segundo ele, cada instituição contém diferentes forças, disputando uma hegemonia. “Eu era professor do Colégio Bennett, e fui demitido por causa da denúncia de um pastor Metodista. Ao mesmo tempo, nós tivemos uma extrema ajuda dos evangélicos e protestantes nos Eua e Europa. Essa ambivalência não podemos ignorar. É por isso que podemos ter Dom Eugênio (Salles, ex-cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, que apoiou a ditadura em sua fase inicial) e Dom Waldyr”.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.