CRM-MG vai negar registro para que médicos estrangeiros atuem no estado

"Eu não vou assinar isso, vai contra meus princípios. Se tiver que largar meu cargo, eu largo", disse o presidente do CRM-MG
“Eu não vou assinar isso, vai contra meus princípios. Se tiver que largar meu cargo, eu largo”, disse o presidente do CRM-MG

Presidente de conselho admite renunciar se for obrigado a acatar decisão que obriga entidade a aceitar profissionais graduados no exterior. Ministério já entrou com 31 pedidos em Minas

Tiago de Holanda e Sandra Kiefer – O Estado de Minas

O presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), João Batista Gomes, disse ontem que não vai conceder registros provisórios para profissionais graduados no exterior selecionados pelo Mais Médicos. Apesar de a Justiça Federal ter derrubado decisão que desobrigaria o órgão de emitir os documentos, Gomes não pretende cumprir o prazo de 15 dias para aceitar os pedidos já feitos pelo Ministério da Saúde, conforme define a medida provisória que instituiu o programa federal. Ele considera a possibilidade de renunciar ao cargo.

“Eu não vou assinar isso, vai contra meus princípios. Se tiver que largar meu cargo, eu largo”, disse o presidente do CRM-MG, em entrevista ao Estado de Minas. Gomes defende que os bolsistas formados em outros países revalidem seus diplomas e apresentem certificado de proficiência em língua portuguesa, requisitos inexistentes no programa. O mandato do dirigente se encerra no fim deste mês. “Coincidentemente, meu mandato está acabando, mas minha posição seria a mesma se estivesse começando”, afirmou.

O ministério já protocolou o pedido de registro para 31 dos 44 participantes vindos de fora que trabalharão em Minas, segundo informações do CRM-MG. No dia 5, foram feitas 13 solicitações, que deveriam ser atendidas até o dia 19. Outras 18 foram formalizadas na quarta-feira e teriam de ser acatadas até o dia 25.

O juiz titular da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, João Batista Ribeiro, recusou-se em agosto a conceder antecipação de tutela que daria ao CRM-MG o direito de não emitir o registro antes de ser julgado o mérito da ação civil pública ajuizada pelo órgão. A Advocacia-Geral da União (AGU) afirma que preparou mandado de segurança preventivo contra o conselho e planeja acionar a Justiça caso o órgãos se recuse a conceder o registro dentro do prazo.

Fiscalização

João Batista Gomes promete abandonar o cargo, caso o CRM-MG seja prejudicado por sua decisão de não conceder os registros. “Com certeza, o ministério vai entrar na Justiça. Se for contra minha pessoa, assumo. Mas, se a ação for contra o conselho, eu renuncio e o 1º vice-presidente pode assumir o meu lugar. Não posso colocar a entidade em risco, não posso prejudicá-la. Só posso me colocar em risco”, afirma. Segundo ele, sua posição foi anunciada na sexta-feira, em reunião com conselheiros e integrantes da diretoria do órgão.

O presidente do CRM-MG cobra também que o Ministério da Saúde informe os locais onde os bolsistas trabalhão e os nomes de seus supervisores e tutores. “O conselho não perdeu o direito de fiscalizar esses médicos. Para fazer isso, precisamos desses dados”, diz Gomes. O órgão enviou ontem pedido formal para que a pasta federal envie as informações solicitadas.

Parecer da AGU suspende revalidação de diploma
Em parecer publicado ontem no Diário Oficial da União, a Advocacia-Geral da União (AGU) voltou a sustentar que os conselhos regionais de Medicina não podem cobrar a revalidação dos diplomas para conceder registros provisórios aos bolsistas graduados no exterior. A AGU alega que a medida provisória (MP) que criou o programa prevê como “condição necessária e suficiente” para o registro a declaração oficial de que o profissional participa do programa.

“Os conselhos regionais de Medicina não poderão exigir quaisquer outros documentos que não estejam elencados na medida provisória”, diz o parecer. A MP define que a declaração de participação do bolsista, fornecida pela coordenação do programa, deve ter cópias do diploma expedido por instituição estrangeira e de documento comprovando a habilitação para exercício da profissão em outro país. “Logo, por essa imposição legal, não poderá ser exigida, em qualquer outra norma infraconstitucional, a revalidação”, diz a AGU.

O parecer contesta nota divulgada em agosto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), segundo a qual tutores e supervisores seriam corresponsáveis por erros dos médicos e poderiam ser alvo de processos de caráter ético e profissional, civil e criminal. “Não há na medida provisória qualquer dispositivo legal que trate da responsabilidade solidária”, que “deve decorrer de texto expresso de lei”, afirma a AGU. O bolsista “responderá por suas ações ou omissões que caracterizem atos ilícitos”, salienta.

Responsabilidade

Em nova nota, o CFM não menciona a reivindicação para que os diplomas sejam revalidados, mas defende a tese da corresponsabilidade. “Quanto à atuação dos gestores públicos e médicos tutores/supervisores vinculados, salienta-se que eles são corresponsáveis pelas orientações dadas aos seus pós-graduandos ou supervisionados”, ressalta. E acrescenta: “Na existência de fato concreto que justifique a abertura de sindicância ou processo, será feita análise caso a caso”.

Luiza Diegues é formada em medicina geral e já trabalhou na Guatemala
Luiza Diegues é formada em medicina geral e já trabalhou na Guatemala

‘Queremos ajudar’, diz cubana

No primeiro dia em Belo Horizonte, os 26 médicos cubanos que chegaram no fim de semana para trabalhar em 21 municípios mineiros participaram de oficinas de apresentação da rede atenção à saúde em Minas. Duas médicas da ilha caribenha conversaram com a reportagem do Estado de Minas no local onde estão hospedadas, na Região de Venda Nova.

Luiza Balbina Perez Diegues, de 48 anos, e Natacha Romero Sanchez, de 44, foram designadas para falar em nome do grupo pela assessoria do Ministério da Saúde, que fez questão de acompanhar toda a entrevista. As profissionais de Cuba disseram estar felizes pela recepção na capital, mas admitiram desconforto com críticas por parte de alguns médicos brasileiros.

“Em outros países, os médicos tiravam o sombrero (chapéu) quando chegávamos. Os médicos locais vinham nos consultar, quando queriam tirar dúvidas”, disse Luiza Diegues. Antes de aceitar participar do programa brasileiro, a médica cubana atuou na Guatemala por 25 meses como chefe da Higiene Epidemiológica, em convênio incentivado pela Organização Panamericana de Saúde (Opas).

“Viemos ao Brasil para ajudar a melhorar os indicadores de saúde, equiparando-os aos de Cuba. Não viemos tirar o emprego de ninguém nem viemos por outros interesses, como dinheiro. Só queremos ajudar”, afirmou Luiza, formada há 24 anos em medicina geral, com especialização em nefrologia comunitária. Em Cuba, era chefe de um hogar materno, equivalente a uma maternidade voltada para gestações de alto risco. Na ilha caribenha, a mortalidade infantil é de quatro para cada 1 mil nascidos vivos, taxa equivalente à de países desenvolvidos.

Adaptação

Mãe de um adolescente de 16 anos, desta vez ela deixou o filho e o marido em Cuba até terminar de se instalar no Brasil e verificar as possibilidades de trazer a família. Ela conta ser casada com um maquinista, que atualmente trabalha como chofer do diretor de saúde da província (equivalente no Brasil ao estado) onde moram. “Em Cuba, não há divisão de classes. Não se exercem títulos e diplomas dentro de casa, onde basta apenas amor”, diz. Luiza afirma ter gostado da comida brasileira, parecida com o arroz, o feijão e a carne de porco comuns na ilha. Também aprovou o pão de queijo. “Em Cuba, temos pão de manteiga, pão de cebola.”

“Fiz fotos hoje de uma fonte para enviar à minha família em Cuba”, contou Natacha Sanchez, também médica. Ela disse ter flagrado também monitos (micos) andando soltos pelo hotel, o que a surpreendeu. “São lindos. Em Cuba, só temos no zoológico”, comentou. Ela se formou em 1992 e é mestre em longevidade satisfatória, com especialidade em endoscopia de vias digestivas superiores, gerência em saúde, promoção de saúde, epidemiologia e saúde sexual e reprodutiva.

“Nosso programa exige estar muito bem preparado e atualizado. Somos todos especialistas, professores universitários e mestres. Mas eu penso que os médicos que se respeitam em todo o mundo estudam e se atualizam permanentemente”, concluiu Natacha, que deixou em Cuba o filho de 21 anos, estudante do terceiro ano de medicina, com o avô e a avó.

Professores aceitam supervisão

Apesar de a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ter se recusado a aderir ao Mais Médicos, ao menos dois professores do curso já aceitaram o convite para atuar como supervisores de bolsistas do programa. Eles têm dúvidas sobre como será o trabalho. O Ministério da Educação (MEC) ainda não tinha definido, até ontem, quando os docentes começariam a atuar nem quantos acompanhariam os selecionados para Minas.

Professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da faculdade, Geraldo Cunha Cury diz ter sido convidado pela Universidade Federal de São João-del Rei (UFSJ), uma das três escolas públicas mineiras que aderiram ao programa, ao lado das federais de Uberlândia e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, segundo o MEC. “Depois do convite, não foi feita nenhuma atividade. Não tenho ideia de como vai ser feita a supervisão”, afirma Cury.

Ele evita opinar sobre o fato de a Faculdade de Medicina da UFMG, por meio de sua congregação, ter se recusado a aderir ao programa. Ao aceitar ser supervisor do Mais Médicos, ele diz ter se baseado em declaração recente do reitor da instituição, Clélio Campolina. “Mesmo que a congregação não concorde com a formulação do programa, não podemos negar assistência, princípio elementar da área de saúde”, afirmou o reitor.

Ex-presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas (CRM-MG), o professor Geraldo Guedes, da UFMG, diz que recebeu informações preliminares sobre a supervisão. “Vou atuar em uma proposta pedagógica definida. Espero que o ministério passe isso a todos os supervisores. Aguardo que haja essa orientação devida. Confio que essas pessoas que estão me convidando vão me colocar uma proposta consistente. A princípio, o projeto não tem mistério. A gente está acostumado a fazer supervisão de alunos”, acrescenta.

Dúvida

Guedes não sabe se será supervisor de bolsistas selecionados na primeira ou na segunda etapa do Mais Médicos. “Ainda não tenho certeza. Devo começar essa atuação em outubro. A gente recebe informações parciais”, explica. Ele sabe que, em sua maior parte, a supervisão será a distância e vem tentando convencer colegas a contribuírem com o programa. “Qualquer atuação na área de saúde no sentido de atender os anseios e carências da nossa população, nós, professores e médicos, devemos ver com bons olhos.”

Uma vez por mês, segundo o MEC, os supervisores visitarão os bolsistas nos municípios onde estiverem atuando. Os médicos formados no Brasil já estão preenchendo questionários a serem entregues a seus supervisores, com perguntas sobre os atendimentos realizados nos primeiros dias de trabalho.

A exemplo da Faculdade de Medicina da UFMG, a Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) decidiu não aderir ao programa, ao menos em sua primeira fase. Segundo manifesto do conselho setorial da escola, ela tem posicionamento contrário à adesão a esta etapa do Mais Médicos. O texto, porém, afirma que a instituição mantém-se aberta ao diálogo e às propostas do governo federal. O manifesto declara apoio à realização do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira, mais conhecido como Revalida.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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