Mateus Parreiras, em EM
Arinos, Bonfinópolis de Minas, Buritis e Urucuia – A estiagem que atinge Minas Gerais está prestes a ultrapassar a seca de 2007, considerada a mais dura já enfrentada pelo estado. De acordo com o meteorologista Ruibran dos Reis, do Instituto Climatempo, isso se deve ao fato de a estação chuvosa, que vai de outubro a abril no estado, ter sido praticamente interrompida entre dezembro de 2012 e janeiro deste ano, o que representou um impacto de 40% menos precipitações no acumulado do período. Por causa disso a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil já registra o maior número de reconhecimentos de decretos de situação de emergência de todos os tempos. Até ontem, eram 137 os municípios nessa situação por causa da estiagem, já superando 2007, quando 132 prefeituras pediram socorro oficial por causa da falta de chuvas. No Noroeste de Minas, onde a seca e os processos de degradação progrediram nos últimos anos, sete municípios decretaram emergência no ano passado. Neste ano já são cinco, o que contribuiu para agravar a situação do estado.
Os decretos servem para que os municípios possam receber auxílio do Estado, com envio de cestas básicas, contratação de caminhões-pipa com recursos federais, para atender as comunidades atingidas, além da possibilidade de os produtores renegociarem suas dívidas com bancos e de as prefeituras conseguirem verbas mais facilmente para obras e projetos de prevenção. Mas um dos incentivos mais importantes aos pequenos produtores só está disponível para municípios que fazem parte da área mineira da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) – a qual a Região Noroeste não integra –, que é a venda de milho pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) com isenção de ICMS.
O meteorologista Ruibran dos Reis destaca que as mudanças climáticas tornaram o solo do Noroeste de Minas mais suscetível aos efeitos devastadores da seca, tais como os processos de desertificação. “As precipitações antes eram mais constantes e menos intensas. Isso permitia uma absorção mais eficiente da água das chuvas pelo solo. Hoje temos a formação de temporais, que despejam muita água em menos tempo, criando erosões e déficit hídrico na região, com o ingresso das águas diretamente nos rios”, afirma.
Outras situações que agravam a seca e dificultam a recuperação natural dos solos são os incêndios e desmatamentos feitos para a fabricação de carvão. Para ter uma ideia da intensidade desses processos, a média anual de focos de incêndio em Minas na última década, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi de 40.545. No ano passado, o índice aumentou em 15%, chegando a 46.683. Em 2007, ano da grande seca, a média foi superada em 33%, quando houve 53.976 focos.
No Noroeste de Minas, a média anual é de 4.753 focos, marca superada no ano passado em 17%, quando foram registrados 5.566 pontos de calor pelos satélites do Inpe. Mas o índice nunca foi tão alto quanto em 2007, quando houve 8.632 registros, um crescimento de 55% em relação à média.
Os técnicos do instituto fazem questão de frisar que os satélites não distinguem incêndios em matas de queimadas provocadas por agricultores, pecuaristas e carvoeiros. Mas basta passar pelos municípios mais atingidos pelos processos erosivos para ver que atear fogo a áreas verdes continua sendo a técnica preferida dos produtores rurais do Noroeste do estado. Bonfinópolis de Minas por exemplo, uma das áreas em avançado processo de desertificação apontadas pelo levantamento do Comitê da Bacia Hidrográfica (CBH) do Rio Urucuia, com aproximadamente 9,3 quilômetros quadrados – três vezes o tamanho do Parque das Mangabeiras, em BH –, é cercada de áreas cobertas de cinzas, onde a vegetação que sobreviveu ao fogo ficou toda estorricada.
Depois das labaredas, erosão e aridez
A prática é tão disseminada que até adolescentes são incumbidos de atear fogo às áreas e de controlar as chamas, abrindo clareiras para cercar o fogo, chamadas aceiros. O que não afasta o risco de que as chamas fujam do controle e se alastrem para outras propriedades, florestas de parques, espaços de preservação permanente, matas ciliares, nascentes e veredas.
Com apenas 16 anos, N. foi incumbido pelos pais de queimar uma área de capim seco na propriedade rural da família, no município de Arinos, enquanto a mãe e o pai trabalham no município vizinho, de Urucuia. Desde os 13 anos o garoto desempenha a tarefa, usando apenas uma foice para controlar as labaredas. “Não tem perigo de o fogo escapar, não. É só ficar esperto para cercar e ver para onde o vento está soprando. A gente precisa fazer isso para poder plantar a roça de milho”, disse.
O solo degradado por incêndios e outras atividades predatórias no Noroeste de Minas sofrem erosão tão intensa que onde o processo de desertificação se instalou, a água das chuvas, cada vez menos frequentes, já não penetra na terra e nenhuma planta consegue mais brotar. “Há um entendimento errado de que o fogo é bom para o cerrado e faz também o capim brotar mais rápido. Na verdade, quando os capins exóticos que existem na região pegam fogo, produzem calor muito mais intenso do que o solo pode aguentar”, afirma o coordenador do CBH do Rio Urucuia, o engenheiro-agrônomo Julio Ayala.
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“As precipitações antes eram mais constantes e menos intensas. Hoje temos temporais, que despejam muita água em menos tempo, criando erosões e déficit hídrico na região”. Ruibran dos Reis, meteorologista
Proteção só no papel
O ecossistema de veredas é protegido em Minas Gerais pela Lei Estadual 9.682/1988, sancionada pelo governador Newton Cardoso, e que em 12 de outubro faz 25 anos. A medida não foi capaz de garantir que as nascentes fossem preservadas. O ressecamento das veredas afeta diretamente rios e ribeirões formados pelo encontro desses oásis do sertão.
Multa para desmate
Levou menos de uma semana para que o cerrado em uma propriedade do lugarejo de Brejo, em Arinos, fosse derrubado sem permissão, deixando só uma fachada de vegetação, voltada para a estrada, para camuflar o crime. O proprietário ergueu fornos e resolveu fazer carvão, mas a Polícia Militar do Meio Ambiente descobriu e embargou a atividade. “O fazendeiro não pôde vender o carvão e pessoas que passaram roubaram tudo”, conta uma vizinha.
A seca de cada dia
Ontem
Tida como um dos celeiros do estado, por ser a região em que mais se produz grãos, o Noroeste de Minas sofre com calamidades típicas do semiárido, como mostrou o Estado de Minas na primeira reportagem da série “A nova fronteira da sede”. A estiagem rigorosa impulsiona o efeito mais devastador da seca, que são os processos de desertificação.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.