Após violência no Piratini, indígenas e quilombolas dão prazo final para resolução de demarcações no Rio Grande do Sul

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GAPIN, CLAPA e CIMI – No dia 04/09/2013, em reunião realizada na sede do Ministério Público Federal, representantes do Governo do Estado, do Ministério da Justiça, Funai, Incra e o Ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ouviram de líderes indígenas e quilombolas que eles não se submeterão às propostas de reassentamento de indígenas e nem de criação de um grupo de diálogo.

A proposta apresentada pelo governo federal previa a criação de um grupo de diálogo composto por 06 representantes indígenas, produtores, autoridades federais e estaduais e Conselho Nacional de Justiça, objetivando discutir a demarcação das terras indígenas.

Além disso, as lideranças estabeleceram o prazo de um mês para que os governos assumam suas responsabilidades e resolvam as demandas represadas na Funai, Incra, Ministério da Justiça, Presidência da República e Governo do Estado do Ri o Grande do Sul, no que se refere às demarcações das terras indígenas, a titulação dos territórios quilombolas e o pagamento das indenizações aos agricultores. A espera pelo cumprimento das últimas promessas feitas por autoridades estaduais e federais passa de 90 dias. Na foto ao lado, acampamento Guarani, tekoha Mato Preto.

A reunião foi realizada após o fatídico episódio ocorrido em frente ao Palácio Piratini, na última sexta-feira, 30 de agosto, quando indígenas e quilombolas foram atacados pela Tropa de Choque da Brigada Militar. As lideranças apenas reivindicavam um posicionamento do Governo do Estado quanto aos encaminhamentos e promessas de que constituiria grupos de trabalhos para buscar soluções aos impasses em torno da demarcação e titulação de suas terras. A reunião, portanto, tomou caráter de uma síntese do conflito e na ausência de uma resposta concreta por parte dos governos Federal e Estadual, os líderes indígenas exigiram a presença do MPF, da Funai, do Incra e do Ministério da Justiça.

Na reunião ocorrida no MPF, o procurador Regional da República, Dr. Domingos Sávio Dresch da Silveira, abriu os trabalhos e passou a palavra para Ricardo Zamora. O Chefe de Gabinete do Governador Tarso Genro repudiou a presença de representantes do Gapin, do Cimi e do Caik naquela reunião, em função da divulgação de notas onde as entidades denunciam as ações anti-indígenas do governo do Estado do Rio Grande do Sul. Os representantes do governo do Estado do Rio Grande do Sul alegam não ter qualquer responsabilidade frente às demandas indígenas, que pretendem apenas auxiliar e intermediar os conflitos. Mas se as lideranças decidirem que o governo deva sair das negociações eles o farão.

Em tom afinado, os representantes dos governos Federal e Estadual apresentaram, sob nova roupagem, a mesma proposta já rechaçada pelos povos indígenas e quilombolas: reassentamento inconstitucional dos indígenas em outras áreas que não as tradicionalmente ocupadas. Foi anunciada uma oferta de 6.400 hectares de terras pelo governo estadual, que se encontram espalhados em pequenas áreas descontínuas, para assentar tanto agricultores quanto indígenas, desconsiderando áreas que passam por procedimentos demarcatórios.

Foi admitido pelos próprios anunciantes da proposta, em especial pelo Chefe de Gabinete do Governador, Ricardo Zamora, que as áreas ofertadas “não são lá grande coisa”. São terras, em sua maioria, desgastadas e que se encontram hoje em desuso.

A proposta, considerada “igualitária” pelos governos por falsamente buscar a resolução de conflitos entre agricultores e indígenas, é mais um exemplo de proposição de “igualdade aos desiguais”, pois fere, em essência, os direitos específicos, constitucionais e originários dos povos indígenas.

Na concepção dos povos indígenas, para além de áreas produtivas, seus territórios tradicionais constituem-se em espaços sagrados: áreas onde persiste a memória coletiva e ancestral nas quais se perpetuam as condições para preservar e manter a especificidade do modo de ser de cada povo tal qual está previsto na Constituição Federal. Portanto, não é admissível qualquer tipo de proposta tendo em vista o reassentamento para áreas isoladas, fragmentadas e espalhadas pelo Estado, como também não se admite nenhum tipo de negociação de direitos.

Aos indígenas e quilombolas só restou repudiar a proposta e sugerir que estas terras sejam destinadas aos agricultores, como forma de encaminhar o cumprimento das promessas já realizadas pelo Governador Tarso Genro: a demarcação e titulação das terras, baseada na tradicionalidade prevista na Constituição Federal de 1988 e a indenização plena (benfeitoria e terras) dos agricultores.

Os governos, articulados com a Funai, propuseram a formação de um grupo de diálogo nos moldes do que ocorre em Mato Grosso do Sul (MS), alegando que a metodologia utilizada naquele estado teria supostamente alcançado êxito. Esta proposta foi unanimemente rechaçada pelas lideranças, mencionando a incapacidade do grupo de trabalho frente às políticas governamentais desastrosas e das inúmeras violações aos direitos humanos denunciados pelos povos indígenas do MS.

Os indígenas ressaltaram que, assim como no MS, até este momento, todos os representantes dos agricultores legitimados pelo governo representam setores ruralistas alinhados à defesa dos grandes latifúndios, engajados na promoção de políticas anti-indígenas em âmbito nacional.

Na visão das lideranças a formação de um novo grupo de diálogo, assim como as contínuas reuniões que não trazem nenhum avanço prático, representam um retrocesso em relação às pautas já apresentadas pelos indígenas aos governantes. Há mais de 30 dias, foi entregue uma relação de áreas que estão em processo demarcatório. O governo se comprometeu, frente às lideranças, em apresentar respostas e elaborar um cronograma prático de trabalho para concluir os processos de demarcação e indenizações que vem se arrastando há anos.

A cobrança dos indígenas e quilombolas em relação aos governos é simples, direta e baseia-se na consciência de que seus direitos não são negociáveis. Ao invés de organizar grupos de trabalho para revisar os problemas de terras a serem demarcadas, todas já de ciência pública, cabe ao Governo Federal colocar em prática os processos indenizatórios e demarcatórios com os quais já se comprometeu.

As lideranças indígenas anunciaram de maneira aberta que perderam a confiança nas antigas promessas realizadas pelo Estado e pela União e, com base no funcionamento destes grupos de trabalho em outros estados, rechaçaram a proposta no formato apresentado.

Aos agentes governamentais, os líderes indígenas e quilombolas reapresentaram uma proposta baseada em suas próprias pautas. Foi dado um prazo de um mês (com encerramento no dia 07/10) para que estes, de maneira conjunta, União e Estado, concluam os procedimentos de demarcações, desintrusões e indenizações baseadas nos documentos e demandas já explicitadas pelos povos tradicionais e originários ao Governo Federal no dia 01 de agosto. Os indígenas deixaram claro que somente depois de respondidas estas demandas poderão sentar com os representantes do governo para buscar novas soluções conjuntas.

Anunciaram ainda que se em 07 de outubro as respostas não forem dadas pelos governos, as aldeias indígenas passarão a tomar as medidas necessárias para que as demarcações ocorram. Foi atribuída aos representantes governamentais a responsabilidade pelos conflitos que porventura venham a ocorrer entre agricultores e indígenas.

No final da reunião, dezenas de indígenas que aguardavam do lado de fora do prédio do Ministério Publico cobraram de Ricardo Zamora, Milton Viário, e demais representantes do Governo do Estado, explicações em relação às violências praticadas no dia 30 de agosto em frente ao Palácio Piratini, contra indígenas e quilombolas. Na ocasião mulheres, crianças e idosos foram submetidas aos ataques virulentos da Tropa de Choque da Brigada Militar diante dos representantes do governo que assistiam a tudo pelas janelas do palácio. Os indígenas e apoiadores acusaram verbalmente o governo de ser responsável pelo atentado.

Lamentavelmente, neste contexto de conflitos e lutas, grande parte dos meios de comunicação apresentou informações distorcidas quanto ao histórico de espera dos indígenas frente à negligência governamental. O governo é apresentado como conciliador e aquele que busca soluções justas, ao invés de demonstrar suas relações com o agronegócio e as elites agrárias financiadoras de muitas campanhas eleitorais. Esta posição reforça o falso debate de que a essência do conflito se dá entre pequenos agricultores e indígenas, o que mais de uma vez foi desconstruído pelas lideranças e pequenos agricultores que reivindicavam o direito a justa indenização e com isso desocupar as áreas tradicionais onde foram assentados.

As lideranças indígenas são descritas de forma superficial, como violentas e intransigentes ao não aceitarem as tais propostas. Não se reconhece que os povos indígenas, ao longo da história, estão sendo violados e suas terras arrancadas, tomadas e reduzidas através de políticas governamentais e que, na condição de sobreviventes de inúmeras políticas de genocídio, sofrem agora novos ataques organizados por políticos e ruralistas contra seus direitos constitucionais.

As práticas de redução e extermínio dos povos indígenas foram e são tão violentas que hoje, a soma de todas as áreas indígenas do Estado do Rio Grande do Sul resulta na absurda e desumana porcentagem de 0,38 do território gaúcho. Logicamente os problemas relativos à produção não se devem a este diminuto percentual de terra, apesar de ser este uma dos falsos problemas apontados para paralisar os processos de demarcação nacionalmente.

A postura displicente dos governantes acobertada pela mídia prejudica tanto indígenas quanto pequenos agricultores. Ambos esperam uma definição quanto à problemática das demarcações. Porém, a falta de resolução por parte dos governos implica em sua responsabilização diante do conflito que dela decorre. Cabe às diferentes esferas governamentais cumprir com suas atribuições constitucionais e evitar os conflitos. O prazo foi lançado.

Santa Maria, 05 de setembro de 2013.

  • GAPIN – Grupo de Apoio aos Povos Indígenas.
  • CLAPA – Coletivo Livre de Apoio aos Povos Ameríndios.
  • CIMI – Conselho Indigenista Missionário.

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