Carta enviada por Wellington de Jesus Bomfim* para autoridades federais, para a Secretaria de Direitos Humanos de Sergipe e para Combate Racismo Ambiental:
“No dia 04 de agosto do corrente ano um crime de homicídio ocorreu na comunidade quilombola Brejão dos Negros (Brejo Grande / SE). Um jovem de 24 anos (Moises Gomes dos Santos) foi assassinado a tiros. O pai da vitima (Benito dos Santos) foi com a filha à Delegacia do município prestar queixa e o atendente não lhe emitiu o Boletim de Ocorrência.
No dia 21 do mesmo mês conduzi o quilombola, que precisava do BO para ser inserido no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania, de onde fomos com o Ouvidor da Secretaria ao INCRA para convidarmos o Ouvidor deste órgão para nos dirigirmos à Secretaria de Segurança Pública.
Fomos atendidos pelo secretário que, mediante a falta de cumprimento da emissão do BO, solicitou a sua assessoria, o qual lhe fora apresentado em 5 minutos em sua mesa. O secretário declarou que o inquérito precisa(va) ser instaurado…
O quilombola e pai da vitima relatou o acontecido e ficou na expectativa de andamento do processo.
Voltando à comunidade no dia 24 e 25 do mesmo mês fui informado que até a referida data nenhum policial do município de Brejo Grande, nem o delegado, apareceram na localidade, se quer para saber onde foi o acontecido. Nenhuma pessoa – nem da família – ainda foi chamada para depor.
Enquanto isso, o principal suspeito, morador da localidade, integrante do grupo que apresenta um histórico de ameaças e ações contra os quilombolas; sabendo de minha presença na área, na qual é impedido pela justiça de adentrar, pois foi comprovada sua participação nas avarias das cercas das lagoas usadas pelos quilombolas para o plantio de arroz, o referido suspeito desrespeita as deliberações judiciais e acompanhado de três capangas transita de forma debochada pela área dos quilombolas, passando pela frente da casa do pai da vitima.
Questionei a um quilombola que me acompanhava se não estaria ocorrendo uma transgressão das deliberações judiciais. Confirmando, acrescenta com outras informações acerca das coisas do local. O suspeito também é suspeito de mais dois crimes de homicídios ocorridos na área, sem que até hoje saibam quem foi o autor dos crimes.
As suspeitas são transitadas na localidade, pois, ambas as vitimas apareceram mortas depois de desentendimentos com o mesmo. E em nenhum dos casos existiu inquérito… tudo foi encerrado como relata meu interlocutor: “não deu em nada!”.
Essas mortes não tiveram testemunhas – e talvez se tivesse de nada adiantaria -, no entanto, os casos de agressões orais (morais) e físicas, sim. Foi-me relatado que quatro pessoas foram vítimas de agressões físicas, seja dos filhos, genros ou mesmo do próprio. Até uma jovem caiu na “farra” do poder local. A jovem, filha de um pescador local, foi agredida, pois, reclamava a agressão (“surra”) que seu irmão sofrera. Um senhor também sofreu nas mãos destas pessoas, sendo agredido na frente de todos. O mesmo acontecendo com um rapaz que ainda tentou reagir contra o filho do mesmo, mas seus cunhados e demais parentes entraram na “briga” que na verdade foi quase um linchamento.
Tendo em vista que aparentemente no caso do jovem Moises se quer fora instaurado o inquérito, estamos diante do poder local. É isso que acontece quando o poder do Estado não se faz presente, sabemos muito bem.
Seja como for, a verdade é que a sensação de impunidade domina essas pessoas que continuam espalhando o medo e mandando nas coisas da região. Não precisa de muito esforço por parte da policia, basta um pouco de boa vontade, se deslocar para a área, convidar algumas pessoas para depor (cumprindo seu papel em instaurar os inquéritos para apurar os crimes), e talvez essa movimentação impeça que o “reinado” do vaqueiro cresça como vem acontecendo nos últimos anos.
Atenciosamente,
Wellington de Jesus Bomfim
Membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos – Sergipe”.