Imagem e movimento reafirmam identidade de povos tradicionais

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Mar da Prainha do Canto Verde: território dos pescadores artesanais

Câmeras de vídeo ou fotográficas são expressões de existência nas mãos de grupos étnicos no Ceará

Por Melquíades Júnior, em Diário do Nordeste

Fortaleza – Vai ter sempre uma vida na beira do mar, um grito, vaia e sorriso no meio da aldeia. As cores da luta e a alegria de viver são registrados em vídeos e fotografias pelos povos tradicionais do Ceará. Potencializam o próprio olhar na criação audiovisual. Mais do que um registro para a memória, instrumento de resistência – “sim, existimos, estamos aqui. Vê?”.

Nos mais de 500km de zona costeira, o Ceará tem belas praias, mas, antes das ondas, tem meninos e meninas saltitantes, pessoas. Um cachorro perambulando sem corda, um pássaro que voa, criado sem gaiola. No meio do sertão, à beira de uma lagoa, índios fazem uma fogueira, pintam o rosto. Lutam pela demarcação das terras, por respeito, ou, pelo simples direito de dizer que também existem. O resto vem. Eles mesmos gravam e fotografam. Tomaram a pena de Pero Vaz Caminha.

Enquanto as primeiras produções audiovisuais na região Norte do País traziam à tona os hábitos dos povos indígenas, como uma afirmação de característica do povo brasileiro, no Ceará, a câmera na mão é instrumento de luta pela reafirmação dessa identidade. Assim, cinema e fotografia são muito mais do que retratos de uma história. Fazem parte dela.

Demarcação

Seis etnias indígenas interditaram, no dia 16 de junho, as duas vias da BR-222, na região Norte, que liga Ceará ao Piauí. Queriam audiência com o governador do Estado, Cid Gomes. O motivo era pedir apoio e agilidade na demarcação de terras. Um pedido de pressa que já tem três décadas. Lá estavam, com câmeras na mão, João Neto e Rogério Tapeba. E, com a palavra, todos os outros: “a terra indígena está muito desprezada. Estamos nessa luta há mais de 30 anos, foram feitos estudos, e os posseiros ganham caso. Outro estudo dão o prazo para demarcação”, afirma Lúcia Tapeba.

Foram várias outras atividades: protesto em frente ao Fórum de Justiça, Vara de Justiça Federal, Palácio-sede do Governo do Estado. No último dia 26 foi publicado, finalmente, no Diário Oficial da União (DOU), a determinação pela demarcação dos Índios Tapeba. Está lá, tudo registrado pelos índios, assim como fizeram 17 anos atrás, quando a pajé Raimunda Tapeba não fez cerimônia para pedir justiça social: “esse povo que ´se acha tudo´ aqui nessa Câmara de Vereadores, que faça um jeito das terras dos povos indígenas ser demarcada para que eles tenham a sua moradia, a sua sobrevivência preservada, sem nenhuma discriminação. Queremos o que é direito, que é nosso”.

Nas últimas duas décadas, a luta indígena por direitos é “televisionada” por eles próprios.

Vida

“Oi pisa, oi pisa, oi vamos pisar, pisa na Jurema, do Rei do Orubá…”. Ao contrário deste, muitos cânticos indígenas se perderam em séculos de história. Não mais: o toré e o torém, brincadeiras, danças e rituais sagrados, não passam despercebidos pelos olhos atentos do ´cinegrafista´ tremembé, tapeba, ou tapuia-kariri, que são tantos.

O mar do Ceará tem mais olhos desde que se precisou dizer que, antes de turismo, existe tradição. Até que a tradição virou atração turística. No assentamento Coqueirinho, em Beberibe, no Litoral Leste do Ceará, tem um núcleo de produção audiovisual. A comunidade registra tudo o que faz e, assim, dá o exemplo pedagógico para as novas gerações.

Povos do mar, sertão ou floresta, o cearense transforma a imagem em movimento em instrumento de mobilização social. Um grito alegre de existência.

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