“Tudo que consegui com agrotóxicos foi me intoxicar e fazer dívida em banco”

luiz_1Por José Coutinho Júnior, da Página do MST

“Os agricultores da minha geração nasceram praticamente dentro de uma lata de veneno. Eles não conheceram agricultura antes do agrotóxico”. Aos 50 anos e após sofrer duas intoxicações por agrotóxicos que quase tiraram sua vida, o agricultor e amigo do MST Luiz Bueno, natural da Lapa, no Paraná, acabou por descobrir a agroecologia e começou a plantar alimentos saudáveis.

Com sua vivência, garante: “o veneno não tem nada de bom para nos oferecer. Fui agricultor que usei veneno. Com o uso do veneno o que consegui foi me intoxicar e fazer dívida em banco”.

Luiz se define como “fruto do êxodo rural”. Seus pais eram agricultores, mas venderam suas terras e foram viver como operários na cidade na década de 1960, em busca de melhores condições de vida. Morou na cidade até seus vinte anos, quando adquiriu uma propriedade de 20 hectares e decidiu trabalhar como agricultor tradicional. 

Sua produção inicial se baseava no cultivo de batata e feijão de maneira convencional, utilizando grandes quantidades de agrotóxicos e fertilizantes fornecidos pelo pacote tecnológico.

Ele sonhava em ficar rico por meio de seu trabalho. queria ganhar muito dinheiro e ter pelo menos dois carros zero quilômetro na garagem. Ao invés disso, o que ganhou com o uso intensivo de agrotóxicos foram duas intoxicações, que por pouco não acabaram com sua vida.

A segunda vez que se intoxicou, plantava feijão com o agrotóxico Furadan. O veneno é líquido, mas vira um pó depois que se mistura com a semente. Quando Luiz colocou esse saco dentro da plantadeira do feijão, o pó levantou e ele respirou tudo. Os sintomas apareceram de imediato.

“Comecei a babar, ter ânsia de vômito e ansiedade. Veio uma chuva bem na hora da intoxicação, e fui obrigado a abrir os vidros do carro porque a ansiedade não me deixava ficar em ambiente fechado. É uma lembrança muito viva na minha memória, apesar de todos esses anos, e acredito que até hoje estou intoxicado com esses produtos. Se passar hoje numa lavoura com o princípio ativo do veneno, consigo perceber o cheiro dele e me sinto mal”.

A intoxicação não foi o único problema sofrido por Luiz em seus tempos de lidar com a agricultura convencional. Alguns acidentes no manejo do agrotóxico fizeram com que ele derrubasse baldes de veneno em um rio próximo à sua propriedade, e o endividamento que teve com o Banco do Brasil por conta do crédito foi muito grande.

“A minha dívida no banco quando trabalhava com batata dava para comprar três carros zero. Somando os sintomas do veneno com essa dívida, desenvolvi uma depressão e por muito pouco não cometi suicídio, revela”.

Produção agroecológica

Ao perceber que a agricultura acabaria com sua vida, Luiz decidiu abandonar o ofício e resolveu abrir uma loja que vendia insumos e ração. Algum tempo depois, foi convidado pelo Sindicato dos trabalhadores rurais da região, com quem tinha fortes ligações, a participar de um dos encontros de agricultores familiares na associação Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA).

Após este primeiro encontro, viajou para o Rio Grande do Sul onde participou do seu primeiro curso de agroecologia. Ao descobrir uma nova forma de produzir, as esperanças de Luiz na agricultura se reanimaram e, ao voltar para casa, resolveu aplicar o que tinha aprendido e banir os agrotóxicos de sua forma de produção.

Luiz realiza ao longo de mais de 20 anos a produção agroecológica em sua área. Além de não usar agrotóxicos, a diversidade de produtos na área agroecológica, de apenas 1,5 hectares, é muito grande. A propriedade tem cerca de  46 produtos diferentes, como acelga, alface, almeirão, repolho, rúcula, cheiro verde, couve, uma grande quantidade de hortaliças, pepino, abobrinha, batata doce, mandioca, milho, feijão e frutas como pêssego e maçã.

Por meio de uma agroindústria que abriu com alguns sócios, ele também produz vinho e vinagre de maçã orgânicos. Os produtos de Luiz são comercializados pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além de feiras agrárias na região.

Os outros hectares da propriedade são utilizados para a criação de animais, que geram o adubo para a horta, garantindo a alimentação do solo natural. “Você fecha um ciclo: o esterco vira alimento novamente. É uma forma de garantir nossa independência como agricultor, pois não precisamos buscar adubo químico das multinacionais. Isso é importante principalmente para os movimentos sociais, que combatem tanto as práticas dessas empresas, pois ao usar adubo delas sustentamos nosso maior inimigo, que ganha em cima do nosso trabalho”, afirma.

Educação

Luiz só estudou até a sétima série, mas o seu interesse pela agroecologia foi tanto que realizou diversos cursos e especializações na área. A busca pelo conhecimento, aliada à vivência com a terra, mudou a sua visão de como entender e lidar com ela.

“A visão que tenho hoje é um amadurecimento de vida, durante esses 20 anos de trabalho com a agroecologia. Antes eu via a terra apenas como ferramenta para gerar dinheiro. Pensava só no lucro, achava que o solo era morto, e que servia só para eu pôr o adubo e tudo que vinha do pacote tecnológico, algo que nos foi imposto a partir da segunda guerra como a única forma de produção.”

Entretanto, atualmente o agricultor enxerga a terra de outra forma. “É preciso respeitar a terra, ou ela vai ser um recurso finito, e não vai ter mais solo para as gerações futuras produzirem. Se você tem dois hectares, tem a missão de cuidar dessa terra, e se cuidamos mal, contaminamos a terra e acabamos com a vida do planeta. Só meu lote não vai resolver os problemas do mundo, mas se todo mundo fizer sua parte a gente consegue realizar uma mudança concreta”.

Para Luiz, o agrotóxico é um dos principais causadores da degradação do solo, e não traz nenhum efeito positivo. “Falo com segurança, como agricultor, de que o veneno não tem nada de bom para nos oferecer. Com o uso dos agrotóxicos tudo que consegui foi me intoxicar e fazer dívida em banco”.

Critica ainda o fato de muitos agricultores familiares terem “um pensamento de fazendeiro”, que tendo pouco hectares de terra já plantam soja e usam venenos. “Não herdamos a terra dos nossos pais, pegamos emprestada dos nossos filhos e netos. Se entregarmos essa terra pior do que pegamos, estaremos explorando as geração futuras”, afirma.

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