Três semanas depois da onda de manifestações de rua que sacudiu o país do Oiapoque ao Chuí, o que se vê são os políticos levando a temática da mudança para seus interesses eleitorais
Por Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa
O recado das ruas foi dado, mas como acontece em todo processo político, alguém terá que dar continuidade ao clamor por mudanças, expressado em cartazes, pichações, slogans e mensagens via redes sociais.
Mas, menos de três semanas depois da onda de manifestações de rua que sacudiu o país do Oiapoque ao Chuí, o que se vê são os políticos levando a temática da mudança para seus interesses eleitorais. Em vez de discutir como uma consulta popular contribuiria para uma mudança política no país, eles priorizam filigranas jurídicas e casuísmos como a dificuldade em adaptar a urna eletrônica para uma votação na base do “sim” ou “não”.
Por seu lado, a presidente da República está isolada no Palácio do Planalto porque sua comunicação com os manifestantes é feita exclusivamente pela mídia convencional, que está alinhada com os interesses eleitorais e obviamente enquadra as declarações de Dilma Rousseff dentro do seu projeto editorial. O programa de rádio da presidente tem traço de audiência.
A presidente teria a seu dispor a redes sociais para uma comunicação direta, mas isso a obrigaria a uma mudança radical de comportamentos e valores, porque inevitavelmente teria que enfrentar uma legião de desafetos, nem sempre cordiais. Uma alternativa seria a escolha de um interlocutor palaciano nas redes sociais, mas isso também exigiria um senhor jogo de cintura para lidar com o ambiente caótico do mundo político digital.
Neste quadro, fica patente a orfandade política dos milhares de pessoas, em sua maioria da classe média, que foram às ruas. Antes dos protestos, a ausência de canais de representação já existia e foi um dos principais motores das manifestações. Mas para os jovens com menos de 25 anos, a ida às ruas foi uma explosão de esperança, cunhada no grito “o gigante acordou” saído de muitas gargantas.
A esperança está cedendo lugar à frustração e os estudantes começam a se dar conta de que estão mais uma vez órfãos de representação política porque as emoções manifestadas nas ruas acabaram distorcidas pela mediocridade e corporativismo de deputados e senadores, com o apoio de governadores e prefeitos, de todos os partidos.
Esta situação pode criar as condições para o que meu colega Luciano Martins Costa chamou, neste Observatório, de segunda onda de protestos. O problema é que muitos participantes da primeira onda seguramente trarão muitos ressentimentos quando – e se – voltarem às ruas. A frustração por terem visto suas reivindicações distorcidas e manipuladas. O caso da reforma política é exemplar.
Os que foram às ruas em junho deixaram claro sua exigência de uma mudança nos comportamentos políticos, especialmente de deputados e senadores. Pois bem: Dilma Rousseff colocou a questão da reforma política na agenda oficial por meio da desajeitada proposta de plebiscito. Os membros do Congresso foram, no entanto, mudando o caráter da discussão e agora já se dá como quase certo de que no máximo se pode esperar mudanças cosméticas, caso a reforma acabe sendo decidida pela via parlamentar.
Preocupados apenas com as próximas eleições, os políticos e governantes estão brincando com fogo, pois alimentam a frustração não só dos jovens mas também de uma classe média cujo medo de perder conquistas sociais e econômicas é um elemento inédito da política brasileira. Historicamente, os protestos políticos no país sempre foram alimentados pelo sentimento de injustiça e opressão. Agora é diferente – e os tomadores de decisão parecem não ter entendido as consequências deste novo comportamento político.
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