Em 9 de novembro passado recebi pelo Facebook uma mensagem privada que discorria sobre o nióbio brasileiro. O texto veio com um link para assinar uma petição da Avaaz. org com o título de Valorização do nióbio brasileiro.
“Mas isso não faz o mínimo sentido! Petição para definir “preço” internacional do nióbio? Foi isso que entendi do objetivo da petição? Eu não quero que o nióbio seja explorado porque significa alimentar milhares de indústrias poluentes, bélicas e, principalmente, destruir ecossistemas e UCs e minerar em Terras Indígenas. A petição deveria ser no sentido de proibir e fiscalizar a retirada do nióbio. Se estamos combatendo a mineração na Amazônia e nos outros biomas como é que vamos assinar algo cujo objetivo é criar normas para mais mineração. Que história é essa de “lastro da nossa moeda”? Todo mundo pirou?”
“Eu quero que se dane a fabricação de naves espaciais, aviões, mísseis, centrais elétricas, etc. Eles que arrumem outra tecnologia que não seja a de explorar a vida dos biomas brasileiros!”
“Não vivemos até agora sem o 98% do Nióbio? Então é o momento de o Brasil mostrar sua soberania e dizer para o resto do mundo que daqui não sai esse metal para fortalecer nações que exploram países emergentes. Desenvolvimento sustentável é outra coisa!”
Vamos acordar minha gente!
E ainda tem gente que assina petições de tudo que é tipo, veiculadas por grandes organizações que pretendem ser a voz da sociedade para “salvar”o mundo. A Avaaz está fazendo uma campanha para “regulamentar” a exploração de nióbio brasileiro? Para quem?
Felizmente, em bom momento, um milagre aconteceu e o jornalista de ciência Norbert Suchanek escreveu esse brilhante artigo esclarecedor sobre o “nosso” nióbio, publicado hoje no portal EcoDebate. (Telma Monteiro)
Eis o artigo:
O nióbio é ‘nosso’ e os resíduos radioativos/tóxicos também, artigo de Norbert Suchanek
O câncer é nosso!
Um dia o homem do Brasil vai acordar e descobrir que nióbio não é para comer: Uma polêmica sobre a febre de nióbio no Brasil e os riscos dos resíduos radioativos e a concorrência com o Canadá.
“O nióbio é nosso!” Vários websites, blogs e tweets estão fazendo nesta fase de final de ano uma campanha para um metal pesado que antigamente foi chamado “Columbinum”, uma homenagem a um genovês famoso que viajou com uma caravela da Espanha para o Oeste.
Os textos brasileiros de hoje falam: Nióbio, é uma riqueza que o povo brasileiro desconhece. Mas que o Brasil está vendendo por centavos. Os textos criticam que um contrabando de nióbio estaria financiando a Rede Globo Minas com a venda subfaturada de nióbio. E no youtube circula atualmente um filme com o título “Acorda Brasil! Nióbio: Brasil 98 X Canadá2?, porque o nosso país produz 98 porcento do nióbio do mercado mundial e o Canadá somente 2 porcento.
É verdade que o Brasil é o maior produtor e exportador de nióbio e também dono das maiores jazidas do mundo. E também é a verdade que vários países industrializados, como China, EUA, Japão, Alemanha e Coréa dependem das importações deste metal pesado, extraído atualmente do subsolo de Minas Gerais e Goiás. Este metal pesado e raro é um componente fundamental dos aços de alta resistência, usados na fabricação de automóveis, aviões, foguetes, na construção civil e na indústria naval. Ele também é especialmente importante para a indústria de petróleo na construção de plataformas de petróleo e na produção de tubulações de óleo e gás. Mais de 30 porcento de todo nióbio produzido mundialmente está sendo usado só para fabricar dutos!
É muito claro: sem nióbio, a indústria do petróleo – o grande vilão do meio ambiente – terá problemas. Mas “o nióbio é nosso!” Com este quase-monopólio do Brasil na produção de nióbio e a forte demanda, as empresas brasileiras poderiam pedir qualquer preço no mercado mundial.
Mas a situação é uma outra. Já por um bom tempo as duas minas de nióbio em operação são privadas e multinacionais. Quase dez porcento da produção de nióbio do Brasil está diretamente na mão da empresa chamada Anglo American, proveniente da África do Sul. “Por meio da Mineração Catalão, Anglo American é uma das maiores produtoras de nióbio do mundo, com operações nos municípios de Catalão e Ouvidor em Goiás“, escreve a mineradora poderosa que está no Brasil desde a ditatura militar, em 1973.
Mas a maior mina de nióbio do Brasil e do mundo está localizada em Minas Gerais perto da cidade de Araxá. A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) é dona desta mina que produz 90 porcento do nióbio do Brasil. No website da CBMM está escrito: “A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, do Grupo Moreira Salles, é uma empresa nacional que extrai, processa, fabrica e comercializa produtos à base de nióbio.” Mas isto só tem menos de 50 % de verdade. Já por um bom tempo o nióbio de Araxá está multinacionalizado. 45 porcento da CBMM pertence à empresa de petróleo da Califórnia Unocal que é parte da grande concorrente da Petrobrás, Chevron. Isto faz sentido porque uma empresa de petróleo depende de dutos e plataformas que precisam de nióbio. Agora desde 2011, outros 30 porcento da CBMM foram vendidos para empresas da China, Japão e Coréa. A família Moreira Salles ganhou quase 4 bilhões de dólares com esta venda.
E o que ganha a população de Araxá? Alguns postos de trabalho e provavelmente um banho de radiação elevada e um alto risco de câncer.
A internet está cheia de artigos sobre o contrabando de nióbio, a sua venda subfaturada. Mas a mineração deste metal pesado também tem um lado muito mais escuro e irradiante no mesmo momento: resíduos radioativos e tóxicos! Uma pesquisa de 1993 feita pelo Instituto de Radioproteção e Dosimetria da CNEN no Rio de Janeiro concluiu:
“Contaminação interna com material radioativo de trabalhadores de mineração é um problema comum no Brasil. Isto é causado pela presença de urânio, de tório, e seu decaimento natural associado com o minério extraído. Os exemplos claros são os trabalhadores na mina de nióbio localizada no Estado de Goiás. O nióbio está associado com quantidades consideráveis de urânio e tório, mas a mina não é legalmente sujeita a requisitos de protecção contra as radiações.”
Esta pesquisa foi feita na mina de nióbio em Goiás. A mina de Araxá que é dez vezes maior do que a mina da Anglo American não fez parte desta pesquisa, mas o nióbio de Araxá é também associado com os mesmos minérios radioativos.
Durante o processo da mineração e da concentração do minério são produzidas toneladas de rejeitos radioativos que são depositados em barragens de resíduos. E isto apresenta um alto risco de contaminação ao meio ambiente e à saúde humana, podendo afetar não apenas os trabalhadores, mas também a população local. Até hoje apenas poucos autores falam sobre este risco no Brasil. Um dos poucos é o colunista Gilson B. Santos do Jornal “A Voz de Araxá“, uma publicação corajosa desta cidade mineira de Araxá com mais ou menos 95.000 habitantes.
“Câncer – Índice cresce em Araxá!
“Uma coisa é fato hoje em Araxá –MG, temos um número alarmante de pessoas com câncer e problemas respiratórios”, escreve Gilson e nomea também a causa: A mineração e processamento de nióbio. “Solo, água e ar contaminados resultam dos poluentes liberados da atuação mineradora da CBMM. Não é necessário ser médico ou especializado na área de saúde ambiental para chegar à conclusão de que dezenas de milhares de toneladas por ano de poeira abundante em suspensão de ferro, tório, chumbo, fosfato e demais minerais é deletéria à saúde. Agredida por tais minerais estranhos à normalidade do funcionamento do organismo humano e ambiental, a população apresenta aumento de doenças respiratórias juntamente com doenças degenerativas, demência assim como câncer.”
Em outubro de 2012, Gilson denunciou mais uma vez na Voz de Araxá: “Câncer – Índice cresce em Araxá! Chegou a hora de nós araxaenses criarmos vergonha na cara e exigir a verdade de nossas autoridades sobre os números reais de câncer em nossa cidade. Dados nos indicam que hoje já são mais de 10.000 casos na cidade, e até 2030 teremos uma media de mais de 40% da população com a doença em Araxá.”
Por causa deste alto risco de contaminação, os cidadãos, povos indígenas e ONGs de meio ambiente do Canadá estão lutando contra a mineração de nióbio neste país. O Canadá já por muito tempo poderia produzir mais nióbio. Mas desde 2003 os indígenas Mohawk e canadenses locais lutam contra uma nova mina de nióbio em Quebec. Os Mohawk não querem que as suas terras e águas sejam contaminadas com os rejeitos radioativos deste projeto da mineradora Niocan.
No Brasil a situação é ao contrário. Uma luta contra a mineração de nióbio é quase invisível, só uma luta a favor da mineração está divulgada em massa. Os lobies do nióbio querem ainda aumentar a mineração. Até as jazidas de nióbio nos territórios indígenas no Alto Rio Negro ou na Raposa Serra do Sol podem ser exploradas para enriquecer o povo do Brasil.
Mas economicamente falando – de um capitalista para outro – um aumento da produção de nióbio não faz sentido para o Brasil. Mais uma mina de nióbio significa só mais concorrência com o resultado de uma depreciação do preço do nióbio no mercado mundial. Só um idiota cria concorrência em sua própria casa. Também o Brasil já tem Araxá, a maior mina de nióbio da planeta com a capacidade de abastecer o mercado mundial para mais de 400 anos!
Claramente as forças internacionais, as mineradoras e a indústria internacional de aço e de dutos e da construção civil gostariam ter muito mais nióbio disponível, porque assim o preço seria mais barato no mercado. Mas isto não é a favor nem da economia e nem da saúde do povo do Brasil.
Resumo: Por enquanto a situação é assim: o nióbio do solo brasileiro é para a exportação e enriquecimento de poucos e o risco de câncer é para a população do Brasil.
“O lucro é deles, o câncer é nosso!”
Assim o nióbio não é muito diferente dos outros comodities como soja ou café. As frutas da terras do Brasil são para exportação, o que fica na terra e nas águas do Brasil são os pesticidas e adubos químicos, que também podem causar câncer além de outras doenças mortais. O Brasil é o maior consumidor de pesticidas no mundo, e muitos destes pesticidas são proibidos exatamente em países que são importadores destes produtos agrícolas brasileiros.
A maior riqueza do Brasil não são nióbio, soja ou urânio. A maior riqueza são os rios e as águas subterrâneas limpas, solos saudáveis e férteis, povos e pessoas tradicionais que ainda sabem usar a grande biodiversidade das florestas e outros biomas de forma sustentável e social. Mas tudo isto é uma riqueza em extinção por causa de uma indústria predatória, insustentável e sem pátria que precisa de elementos perigosos como o nióbio.
“O nióbio é nosso – deixamos este minério no solo!”
Norbert Suchanek*, Rio de Janeiro
*Correspondente e Jornalista de Ciência e Ecologia, é colaborador internacional do EcoDebate
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http://telmadmonteiro.blogspot.com.br/2012/12/o-niobio-e-nosso-e-os-residuos.html?spref=fb