- Carlos Ohara, direto de Maringá
O Ministério Público Federal (MPF) em Maringá, a 428 km de Curitiba, vai apurar em inquérito civil a origem e o armazenamento irregular de dezenas de tambores de um inseticida altamente tóxico utilizado no controle da dengue, que estavam estocados a céu aberto em uma área da secretaria estadual de Saúde do Paraná. O produto não tem registro na Agência Nacional de Saúde (Anvisa) e teria sido adquirido em licitação internacional pelo Ministério da Saúde. O coordenador do Observatório Ambiental de Maringá, Jorge Ulises Guerra Villalobos, que denunciou o caso ao MPF, levantou dúvidas ainda sobre a importação do produto.
Produzido na Dinamarca, o “Fyfanon ULV” tem como princípio ativo o malathion, inseticida organofosforado altamente tóxico que pode ser absorvido por via oral, inalatória, dérmica e mucosa, segundo descrição do rótulo do produto. O produto tem ação persistente na contaminação do meio ambiente e na cadeia alimentar e é bioacumulável, não sendo facilmente expelido pelo metabolismo dos seres vivos, aumentando a sua concentração nos organismos à medida que é ingerido ou inalado. No rótulo do produto, o fabricante orienta que o inseticida deva ser estocado em local com temperatura máxima de 25º C, em local seguro e seco.
Procurada durante a semana, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que a pessoa responsável para falar sobre a importação do produto estaria participando de um simpósio no Nordeste e solicitou que as questões fossem encaminhadas ao órgão por e-mail, que não foi respondido. A empresa Cheminova Brasil, que representa a fabricante dinamarquesa Cheminova, que produz o inseticida, informou que a compra do produto não foi realizada através da sucursal brasileira.
Sobre o armazenamento irregular, a assessoria do MS indicou o superintendente da Vigilância de Saúde do Paraná, Sezifredo Paz, para responder as perguntas. Logo após falar com o jornalista, o superintendente determinou a remoção dos tambores do inseticida para o interior do prédio da Seção Central de Apoio Logístico de Insumos e Equipamentos (Scali), em Maringá. Anteriormente, o órgão já havia sido notificado sobre o caso pelo Ministério Estadual do Meio Ambiente, que também apura o caso em procedimento preparatório, mas até o final da tarde de quarta-feira, o produto ainda se encontrava no pátio do local. A remoção ocorreu na sexta-feira, após a entrevista.
Estoque irregular
Em setembro, dezenas de tambores do “Fyfanon ULV” foram localizadas por Villalobos, que também é professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) no pátio da Seção Central de Apoio Logístico de Insumos e Equipamentos (Scali), no bairro Vila Nova, quando participava de um encontro técnico no local. O ambientalista constatou que o material, estocado a céu aberto, apresentava sinais de ferrugem nos tambores e estava em contato direto com o solo.
Apresentando vídeos e fotos do produto estocado, Villalobos denunciou o fato, no início de outubro, ao MP do Meio Ambiente do Estado, ao MP do Trabalho e à Procuradoria da República, questionando o controle do meio ambiente em razão da estocagem e a destino do descarte dos tambores. O professor também pediu a investigação sobre expedição de licenças ambientais para o local operar com a estocagem do produto em área urbana, próxima a um posto de saúde e residências. Na terça-feira passada, a procuradoria federal converteu a apuração inicial em inquérito civil público contra a secretaria estadual de Saúde. O promotor do Meio Ambiente estadual, José Lafaiete Barbosa Tourinho, instaurou procedimento preparatório e aguarda resposta do Instituto Ambiente do Paraná (IAP) sobre o licenciamento da área.
Em conversa com o Terra, o ambientalista lançou dúvidas sobre o processo de aquisição do inseticida pelo governo brasileiro. Segundo ele, ao rastrear o número do lote encontrado em Maringá, ele descobriu que lotes semelhantes foram desembarcados no porto de Callao, no Perú, em 2009. Villalobos disse que o Fyfanon ULV só teria registro no Paraguai e no Uruguai, na América do Sul. “É necessário explicar por onde chegaram estes tambores e porque está sendo utilizado no País já que o decreto 4.074/2002 determina que os agrotóxicos, seus componentes e afins, só poderão ser produzidos, manipulados, importados, exportados, comercializados e utilizados no território nacional se previamente registrados no órgão federal competente, atendidas as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores de agricultura, saúde e meio ambiente”, disse o ambientalista paranaense.
Resíduos
O superintendente de Vigilância em Saúde do Estado, Sezifredo Paz, disse que os tambores que estavam expostos estão vazios ou com restos do produto diluídos em água. Ele afirmou que o “Fyfanon ULV” é utilizado desde 2010 pelos chamados “carros-fumacê” em Londrina, Maringá e Foz do Iguaçu no controle da dengue, por determinação do Ministério da Saúde. Paz disse que técnicos do ministério diagnosticaram um aumento da resistência do mosquito, nestas áreas, em relação a outros inseticidas utilizadas anteriormente a base de piretróide.
Segundo ele, a utilização do produto está adequada com as normas do Ministério da Saúde, responsável pelo fornecimento do produto e compra, através de licitação com fabricantes internacionais. Paz esclareceu que o produto não precisa ter registro na Anvisa, citando a Lei 9872/99. Segundo o texto, a agência poderá dispensar de registro insumos estratégicos quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas.
Paz afirmou que a aspersão do produto por “carros-fumacê” é a última alternativa adotada pela Vigilância Sanitária. “Nosso trabalho é voltado para campanhas de prevenção, fiscalização e monitoramento. Só passamos o produto em casos extremos de infestação”, disse.
‘Razão Política’
De acordo com Paz, a secretaria de Saúde ainda não foi comunicada oficialmente sobre o inquérito da procuradoria federal e criticou o autor da denúncia. “Não sei se não há razão política. Como pode alguém ser convidado para um encontro, ir à casa do anfitrião e sair denunciando? Ele deveria primeiro nos comunicar”, afirmou.
O superintendente afirmou o produto foi removido para o interior do prédio da Scali e deverá permanecer no local até ser recolhido por uma empresa especializada no descarte final. “Estamos com uma licitação em andamento para isso”, disse ele. A Vigilância Sanitária informou na tarde de ontem que foram removidos 8 mil kg de embalagens, 7 mil l de malathion e 6,5 mil l de outros piretróides com o prazo de validade vencido que estavam depositados na área. Paz admitiu que o local não conta com as devidas licenças ambientais para armazenamento do produto, mas informou que “elas estão sendo requeridas junto aos órgãos oficiais”.
Veneno Potente
O malathion é definido como um potente veneno organofosforado eficaz no combate ao mosquito da dengue. Em 1996, o produto foi aplicado no interior de centro de Saúde de Carapina, no interior do Espírito Santo, para eliminar focos da dengue. Pelo menos 14 pessoas morreram e mais de 150 ficaram intoxicadas. Todos eram funcionários do posto de saúde e contratados pela Prefeitura Municipal da Serra, governo do Estado e pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
No organismo humano, o malathion afeta o sistema nervoso central, causa problemas no cérebro e outros órgãos vitais, contribui para o desenvolvimento do câncer, além de atrapalhar a formação do feto. A contaminação com o produto causa a superestimulação de terminações nervosas, tornando inadequada a transmissão de seus estímulos às células musculares, glandulares, ganglionares e do Sistema Nervoso Central (SNC). Os sintomas podem aparecer em minutos ou horas após a exposição, de acordo com o fabricante.
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