Raquel Rolnik*
Na última quinta-feira (16), moradores da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, entregaram ao prefeito Eduardo Paes uma proposta de urbanização que demonstra não haver incompatibilidade entre a construção do futuro Parque Olímpico do Rio, a existência da comunidade e a preservação ambiental da Barra da Tijuca, onde esta está localizada. Por conta dos Jogos Olímpicos, a Prefeitura pretende remover as cerca de 500 famílias que moram no local há mais de 40 anos e reassentá-las em um conjunto habitacional a ser construído com recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Conhecido como “Plano Popular da Vila Autódromo”, o projeto foi desenvolvido numa parceria entre a Associação de Moradores da comunidade e professores e alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). No processo de elaboração foram realizadas três oficinas, seis assembleias, e diversas reuniões com os moradores.
Tecnicamente, o plano está dividido em quatro programas: habitação; saneamento, infraestrutura e meio ambiente; serviços públicos; e desenvolvimento cultural e comunitário. O programa habitacional, por exemplo, prevê unidades de tamanhos variados, algumas com possibilidade de ampliação, o que permite levar em conta as especificidades de cada família.
As questões ambientais, muito usadas como argumento para a remoção da comunidade, também foram incluídas no plano, que prevê, entre outras coisas, uma área de recuperação ambiental da Faixa Marginal da Lagoa de Jacarepaguá e da Beira de Córrego de 23 mil m². Com relação aos serviços públicos, a plano propõe a inclusão da comunidade no programa Saúde da Família e a construção de uma creche e de uma escola municipal. Também foi planejada a criação de novas áreas de esporte e lazer.
Para os moradores, o plano mostra que, tanto do ponto de vista técnico como financeiro, é possível manter a comunidade no local, sem qualquer prejuízo para a realização dos megaeventos esportivos. Financeiramente, inclusive, o plano é bem mais vantajoso do que a proposta de reassentamento da Prefeitura. Enquanto a proposta da comunidade está orçada em R$ 13 milhões, a da Prefeitura custa R$ 38 milhões.
Então por que insistir na remoção? Quais são os argumentos que a justificam? Infelizmente, o prefeito Eduardo Paes não se comprometeu nem com a proposta apresentada, nem com a permanência da comunidade, tampouco apresentou justificativas para a remoção. Ele apenas disse que encaminharia o plano às secretarias competentes, mas que nada seria feito antes dos 45 dias que correspondem ao período eleitoral para que não haja uso político da situação. Qual poderia ser o possível “uso político” da situação?
A Prefeitura do Rio tem em mãos um projeto que, se adotado, poderia servir de modelo para vários casos semelhantes não apenas no Brasil, mas no mundo. E mostraria que, no Brasil, os megaeventos não precisam, necessariamente, atender apenas aos interesses do mercado e de seus patrocinadores, podendo se transformar em oportunidade de enfrentamento de dívidas sócio-ambientais acumuladas há décadas em nossas cidades. Sem dúvida, esta atitude seria aclamada pelos moradores e por todos que lutam pelo direito à moradia. A pergunta então é: o que o prefeito perderia – em momento eleitoral – ao afirmar e reconhecer estes direitos?
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*Urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.