Plataforma Dhesca Brasil: sobre as ameaças de fazendeiros contra a vida dos indígenas Guarani-Kaiowá

Nota: A carta abaixo foi enviada a Paulo Maldos, Secretário Nacional de Articulação Social, e a Nilton Luis Godoy Tubino, Coordenador-Geral de Movimentos do Campo e Territórios, ambos vinculados à Secretaria-Geral da Presidência da República; à Secretaria de Direitos Humanos, com cópia para a Polícia Federal; ao Ministério da Justiça; ao Ministério Público Federal e ao MPE de Mato Grosso do Sul; à Defensoria Pública da União; e à Funai.

Ref.: Ameaças de fazendeiros contra a vida dos indígenas Guarani-Kaiowá, que reivindicam direitos sobre a Terra Indígena Arroio-Korá, localizada no município de Paranhos, sul de Mato Grosso do Sul, região de fronteira com o Paraguai.

A Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Plataforma Dhesca Brasil – vem, por meio de suas Relatorias do Direito Humano à Terra, ao Território e à Alimentação e do Direito Humano ao Meio Ambiente, solicitar das autoridades responsáveis a urgente intervenção no grave e violento conflito que se estabeleceu no estado do Mato Grosso Sul desde o dia 10 de agosto do ano corrente. Segundo notícias e informações amplamente divulgadas, o conflito entre os Guarani-Kaiowá e os fazendeiros locais se acirrou quando, na manhã desse dia, cerca de 400 indígenas – homens, mulheres, crianças e idosos – ocuparam pacificamente parte da terra já reconhecida como sua.

Ressalte-se que Arroio-Korá foi homologada pelo Presidente Lula em Dezembro de 2009 e, embora haja cerca de 700 hectares ainda em litígio, a parte retomada já é inquestionavelmente Território Indígena. Não obstante, a terra continua sendo ocupada por fazendeiros. Nesse contexto, os indígenas reivindicam celeridade na solução do conflito e garantia de seus direitos, reconhecidos pela Constituição Federal e pelos pactos internacionais que versam sobre o tema; e dos quais o Brasil é signatário, dentre os quais destacamos a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Segundo depoimentos, os Guarani-Kaiowá foram violentamente reprimidos por pistoleiros contratados pelos fazendeiros, tendo ficado pelo menos quatro horas (das 8:00 às 10:00 e das 14:00 às 16:00) do dia 10 de agosto cercados, sob o fogo de espingardas e tendo que se esconder nas matas. Tal violência resultou na morte de uma criança de dois anos no dia 13 do mesmo mês e no desaparecimento de um homem, que desconfia-se, tenha sido assassinado, além do clima de terror e tensão que permaneceu entre homens, mulheres, jovens, idosos e crianças indígenas.

Desde então a situação só piorou. Os indígenas denunciam que a Polícia Federal, já acionada, não tem feito todos os esforços necessários para proteger suas vidas. Notícia divulgada pelo Jornal Eletrônico Midiamaxnews, no dia 18 de Agosto de 2012, dá conta do tom de ameaça e hostilidade dos fazendeiros, aliado a evidentes expressões racistas sobre os povos indígenas. Em depoimento ao Jornal Eletrônico, disponibilizado em vídeo no Midiamaxnews e no Youtube, o fazendeiro Luis Carlos da Silva Vieira, conhecido como “Lenço Preto,” chega a fazer afirmações que desafiam a autoridade do próprio Governo Federal:

Se o Governo quer guerra, vai ter guerra. Se eles podem invadir, então nós também podemos invadir. Não podemos ter medo de índio não. Nós vamos partir pra guerra, e vai ser na semana que vem. Esses índios aí, alguns perigam sobrar. O que não sobrar, nós vamos dar para os porcos comerem” (…) “A maioria dos fazendeiros está comigo. Arma aqui é só querer. Eu armo esses fazendeiros da fronteira rapidinho, porque o Paraguai fica logo ali, e na guerra não tem bandido” (grifo nosso).

Diante dessas declarações públicas, diretas e objetivas de que partirão para violência, e que para isso dispõem de meios ilícitos, contra os indígenas, que por sua vez reivindicam suas terras de forma pacífica, o que agrava o risco de massacre generalizado — o Estado brasileiro não pode se omitir, e imediatas medidas precisam ser tomadas. Fato é que a omissão do Estado e de suas autoridades significará a conivência com a violência, agravada, por um viés racista e etnocêntrico que repete em pleno século XXI as mesmas práticas de genocídio que historicamente massacraram os povos indígenas deste País, assassinando-os, dizimando suas culturas e se apropriando indevidamente dos territórios ancestrais, fundamentais para suas existências em condições dignas.

Esta Plataforma, através de sua Relatoria de Direito Humano à Terra, ao Território e à Alimentação, já dirigiu, quando do assassinato do Cacique Nísio, no acampamento Tekoha Guaviry, em Amambaí, ofício de 23 de Novembro de 2011, protestando e requerendo medidas urgente para os conflitos de Mato Grosso do Sul. Infelizmente, o que foi feito é absolutamente insuficiente para dirimir o conflito, além de ter sido realizado de maneira letárgica, o que implica a manutenção e o agravamento dos conflitos. Entendemos que aos Guarani-Kaiowá devemos garantir, de imediato, a posse de seus territórios tradicionais e que cabe ao Estado fazer com que a lei, os tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário, sejam cumpridos dentro dos parâmetros da justiça, da democracia e do comprometimento com a vida individual e a existência coletiva dos povos.

Certos de que as autoridades públicas tomarão finalmente as providências necessárias para que este conflito seja solucionado sem a prometida “guerra” e que aos indígenas sejam garantidos a integridade física, o bem estar psicológico e as condições materiais para viver de acordo com suas tradições ancestrais, requeremos atenção urgente para a questão e nos colocamos à disposição para maiores esclarecimentos, se necessários.

SÉRGIO SAUER
Relator Nacional para o Direito Humano à Terra, ao Território e à Alimentação
Plataforma Dhesca Brasil
Fone: (61) 9982 6303 – [email protected]

CRISTIANE FAUSTINO DA SILVA
Relatora Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente
Plataforma Dhesca Brasil
Fone: (85) 88377665 – [email protected]

MICHÈLE SATO
Relatora Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente
Plataforma Dhesca Brasil
Fone: (65) 3615 8431- [email protected]

ÉRICA LOBATO
Assessora da Relatoria Nacional para o Direito Humano à Terra, ao Território e à
Alimentação
Plataforma Dhesca Brasil
Fone: (61) 8179 1146 – [email protected]

FABRINA FURTADO
Assessora da Relatoria Nacional para o Direito Humano Humano ao Meio Ambiente
Plataforma Dhesca Brasil
Fone: (21) 81070991 – [email protected]

PLATAFORMA DHESCA BRASIL
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