Racismo: país entra numa nova fase

Por Weden

Não há, no mundo, país sem racismo. É provável que este tipo de crime, infelizmente, nunca desapareça, como nunca deixará de haver homicídios, roubos etc. Mas a impunidade, como em todos os outros casos, só o alimenta.

O caso abaixo mostra que o país pode estar entrando na quarta fase da sua relação com o racismo.

Na primeira, o país praticava o racismo institucional – era o tempo da escravidão e de décadas posteriores; na segunda, a partir dos anos 30, o país quis acreditar na democracia racial e afastava toda e qualquer possibilidade de discussão sobre o tema.  Era um modo de perpetuar o “racismo cordial” – mas que, ao fundo, redundava em sofrimento e dor das víitimas.

Há alguns setores da sociedade que ainda acreditam nisso, mas vão se tornando minoria.

Na terceira fase, o racismo passa a ser discutido, até publicamente, mas sempre acompanhado de ressalvas e atenuantes a favor dos que praticavam e praticam atos de discriminação. Essa fase ainda perdura e, possivelmente, perdurará por muitos anos.

Na última década, no entanto, passamos a testemunhar algumas medidas corretivas.

Como sempre deixamos claro, não é a judicialização ou criminalização da sociedade que apoiamos, mas o cumprimento de uma lei, dentro dos princípios de um Estado de Direito: com oportunidade de defesa, julgamento racional e, punição, se ficar comprovado o dolo.

A matéria abaixo é muito exemplar: durante oito anos, a empresa faz vistas grossas para o que acontecia, sem se preocupar em advertir ou mesmo punir os praticantes. Pelo contrário: demite o reclamante.

Ao julgar a ação, em primeira instância, um juiz “naturaliza” a prática. Na instância superior, toma-se a decisão acertada.

FOLHA DE S.PAULO – Funcionário recebe R$ 20 mil de indenização por racismo durante 8 anos

Após sofrer oito anos de humilhação por racismo, um funcionário da fabricante de peças automotivas Santa Rita Indústria de Auto Peças, de Blumenau (SC), venceu processo que lhe garantiu uma indenização de R$ 20 mil por danos morais.

A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que manteve a condenação imposta pelo TRT-SC (Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região).

Segundo o TST, o trabalhador –um operador de máquinas hoje desligado da empresa– alegou que sofreu “um grande desrespeito” por mais de oito anos, entre piadas constantes, discriminação, brincadeiras e apelidos por parte de colegas e de seu superior direto.

Durante inspeção na empresa, o Ministério do Trabalho e Emprego chegou a encontrar, em portas e peças do banheiro, inscrições depreciativas com relação a negros.

O juiz de primeira instância havia negado o pedido de indenização, entendendo que não houve prática de racismo ou discriminação. “Os apelidos, mormente em um ambiente de operários, é perfeitamente aceitável e corriqueiro”, disse na sentença.

O TRT-SC, entretanto derrubou a decisão da 1ª Vara do Trabalho de Blumenau, afirmando que ela está “na contramão da história” ao considerar normal e tolerável “o que não pode ser admitido em nenhuma hipótese”.

“A leveza ou até o hábito pode afetar o balizamento da condenação, mas não excluir a ilicitude da conduta”, afirmou o TRT. O tribunal catarinense avaliou que foi comprovado, de forma irrefutável, prática discriminatória acintosa com o trabalhador, e que nem mesmo a discriminação de caráter velado ou generalizado pode ser tolerada.

“Cabe ao empregador, no uso de seus poderes diretivo, hierárquico e disciplinador, impedir que a dignidade humana dos trabalhadores seja arranhada”, defendeu o TRT.

‘MULHER NEGRA’

O TRT ainda considerou prova de “demonstração cabal” de discriminação racial os documentos usados pela empresa em sua própria defesa –segundo ela, o gerente acusado de fazer as ofensas era casado com um mulher negra, e por isso não teria porque demonstrar racismo.

A mulher, no entanto, não era negra, e sim descendente de italianos.

“É fato conhecido no Sul do Brasil, inclusive em Santa Catarina, que, no passado, os racistas mais radicais consideram ‘negros’ todos os que não são ‘arianos’, inclusive os italianos, colocando como virtude o fato do trabalhador ser ‘filho de colono alemão'”, avaliou o juiz em seu texto.

JUSTA CAUSA

Além dos R$ 20 mil por danos morais, o trabalhador ainda receberá mais R$ 5.000 por ter sido demitido por justa causa após ter aberto a reclação trabalhista, em 2008.

Para a Justiça, a demissão foi uma retaliação pelo ajuizamento da ação.

Para o tribunal regional, a empresa abusou do direito de demissão “da forma mais mesquinha e reprovável”, passando aos empregados a seguinte mensagem: “vou ofendê-lo e destratá-lo o quanto me aprouver e, se você reclamar, vai ainda perder o emprego”.

OUTRO LADO

Procurada pela Folha, a empresa informou que as supostas ofensas ocorriam no ambiente interno de trabalho, e que não tinha conhecimento delas.

O mesmo vale para as inscrições nos banheiros, que só foram descobertas junto às inspeções da Procuradoria.

“Eram piadas generalizadas, entre todos, e este funcionário se sentiu particularmente ofendido”, disse o advogado do grupo, Renato Pasquali. “Ficamos sabendo dos problemas apenas quando o processo teve início, e tomamos as providências para inibi-los.”

Entre as ações, a direção repintou os banheiros e informou aos coordenadores que seria dura com novos casos similares.

A decisão final foi dada pelo TST em março deste ano. A empresa não recorreu e, segundo Pasquali, a indenização já foi paga.

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/racismo-pais-entra-numa-nova-fase

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