Justiça Eleitoral apura troca de água por votos no semiárido do Nordeste

Durante uma semana, o UOL passou por cidades do semiárido de quatro Estados nordestinos (Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe), visitou comunidades e conversou com sertanejos. Todos relataram um cenário desolador, que começa a ser percebido a pouco mais de 100 km do litoral. Na viagem, aos poucos a paisagem verde vai dando lugar à terra seca e rachada

Carlos Madeiro Do UOL, em Maceió

Órgãos fiscalizadores e entidades representativas no Nordeste estão preocupados com um problema antigo, mas que ainda assombra a região: o uso eleitoral da água em épocas de seca no semiárido. Com surgimento das primeiras denúncias de suposta troca de votos por ajuda emergencial, investigações e campanhas foram lançadas nos últimos dias com intuito de alertar sertanejos e candidatos sobre os crimes previstos em oferecer vantagem indevidas a eleitores em período de campanha eleitoral.

Se em outros anos a preocupação já existia, em 2012 ela é maior, pois pelo menos 1.000 municípios nordestinos decretaram situação de emergência por conta da seca, que é considerada por especialistas a maior nas últimas três décadas. Não chove em muitos municípios desde setembro de 2011.

No Piauí, onde 155 municípios estão em emergência, uma denúncia de uso eleitoral da distribuição de água no município de Picos (a 308 km de Teresina), na semana passada, levou o procurador Regional Eleitoral, Alexandre Assunção e Silva, a expedir uma recomendação aos promotores pedindo fiscalização rigorosa da execução de programas emergenciais.

“Façam o acompanhamento da execução financeira e administrativa de todo o processo de distribuição gratuita de água à população, por parte da administração pública municipal, nos casos de calamidade pública e estado de emergência decorrentes da seca, a fim de evitar a prática da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, bem como que comuniquem, imediatamente, à Procuradoria Regional Eleitoral, qualquer indicio de crime de corrupção eleitoral (pelo uso de água potável como moeda de troca por votos) envolvendo prefeito”, diz a recomendação da Procuradoria endereçada a todos os promotores de zonas eleitorais de municípios atingidos pela estiagem.

Segundo informou o procurador ao UOL, a distribuição de água com fins eleitoreiros pode resultar na cassação do registro ou do diploma do acusado. “Também pode caracterizar crime de corrupção eleitoral”, complementou.

Campanha

A mesma preocupação com uso eleitoral da água tem a ASA (Articulação do Semiárido), organização que congrega cerca de 750 entidades no sertão nordestino e de Minas Gerais que lutam por políticas de convivência com a seca.

Segundo a ASA, com as constantes denúncias de uso político da água em períodos eleitorais, um alerta foi dado este mês aos sertanejos.

“Muitos políticos aproveitam as medidas de emergência e socorro às vítimas da estiagem, tais como carros-pipa, distribuição de alimentos, distribuição de sementes, para comprarem votos e manterem-se no poder”, diz o mote de uma campanha lançada pela organização, que alerta para o uso eleitoral da água.

Cartazes foram distribuídos e spots estão sendo veiculados em rádios comunitárias no interior de todos os Estados atingidos.

“Fizemos orientações às organizações, e estamos com campanha sobre isso, identificando os problemas. Nós fizemos também um programa de rádio para que isso seja difundido. A gente sabe costume no semiárido usar o direito do cidadão como uma forma de comprar os votos, e devemos estar precavidos para que não ocorra essa utilização por políticos”, disse ao UOL o coordenador da ASA, Naidison Batista.

Segundo Batista, outras instituições também estão tentando alertar os sertanejos sobre os seus direitos. “Os conselhos nutricionais também estão fazendo o debate com seus membros, para que eles multipliquem a informação nos locais onde eles atuem. A ajuda de emergência que os sertanejos recebem na seca não são doação, não são bondade. Utilizar isso eleitoralmente é crime.

Na Bahia, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado também distribuiu carta alertando sobre a necessidade da sociedade de fiscalizar o uso da água e da ajuda emergencial do governo aos 254 municípios em situação de emergência pela estiagem.

“Alertamos, no entanto, que a necessidade de prestar assistência por meio de ações emergenciais, deve ser acompanhada por uma constante vigilância, para que não se reproduza expedientes que, em outras épocas, subjugou a população do semiárido à indústria da seca e às relações de dominação política. Neste sentido, enfatizamos a necessidade das instâncias de controle social e do conjunto da sociedade civil organizada destes municípios mais penalizados com a longa estiagem, se envolverem no processo de seleção e distribuição destes alimentos”, diz carta.

Em Pernambuco, onde 112 municípios são afetados, para evitar o desvio da água para redutos eleitorais de prefeitos e vereadores, o governo do Estado instalou mais de 600 GPS em caminhões-pipa que distribuem água em comunidades rurais. Com o equipamento, o trajeto definido é fiscalizado pelos conselhos de desenvolvimento dos municípios, Instituto Agrônomo de Pernambuco e Exército, que verificam se houve cumprimento ou desvios no trajeto.

http://eleicoes.uol.com.br/2012/noticias/2012/08/01/procuradoria-apura-troca-de-agua-por-votos-no-semiarido-do-nordeste.htm

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