Carta de Petrópolis: Para um Futuro Livre de Substâncias Químicas Tóxicas

Durante a Assembleia Global da Rede Internacional de Eliminação dos Poluentes Orgânicos Persistentes (IPEN), realizada em Petrópolis (RJ-BR) entre 7 e 10 de junho de 2012, organizações provenientes de cinco estados brasileiros se reuniram para debater a realidade nacional sobreas consequências da cadeia produtiva de substâncias químicas tóxicas no Brasil e consideraram que um país que almeja ser referencia internacional em meio ambiente e desenvolvimento deve de fato liderar a efetivação de um projeto nacional e global de desenvolvimento sustentável com ampla participação social.

Como já manifestava a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Relatório Brundtland, 1987), a Terra é uma esfera frágil e pequena, dominada […] por um conjunto ordenado de nuvens, oceanos, vegetação e solos e o fato de a humanidade ser incapaz de agir conforme essa ordenação natural está alterando fundamentalmente os ecossistemas, acarretando ameaças à vida.

Neste contexto, foi lançada a ideia de desenvolvimento sustentável tendo como premissa fundamental o Princípio da Precaução, bem como, garantir que os processos humanos de produção e reprodução social atendam às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.

No entanto, passados vinte e cinco anos daquele diagnóstico, a poluição do ar, do solo e das águas se intensificou, vitimando as populações de territórios urbanos, rurais e áreas naturais.

A despeito dos processos multilaterais e dos tratados internacionais de governos, o modelo de desenvolvimento atual continua cotidianamente a utilizar e produzir substâncias químicas tóxicas em diferentes processos, contaminando territórios, afetando trabalhadores, a população em suas áreas de influência e a biodiversidade. Relatos de diferentes lugares registram os casos de vítimas individuais e coletivas no contato direto e indireto com tais substâncias, que interferem nos organismos dos seres vivos causando doenças, mutações genéticas, más formações congênitas, acarretando problemas familiares e sociais nas comunidades.

O Brasil ressente-se de uma política de Estado para substâncias químicas capaz de enfrentar questões fundamentais para a saúde pública e o meio ambiente. Os muitos casos de contaminação ambiental e humana em território brasileiro até hoje carecem de respostas e compromissos públicos, traduzidos em ações concretas por parte do Estado, que continua a licenciar e financiar empreendimentos cujos efeitos são, por exemplo, a emissão e disposição de efluentes e resíduos tóxicos destinados inadequadamente e de forma incompatível com os preceitos do desenvolvimento sustentável.

O mercúrio considerado uma substância extremamente tóxica não tem sido objeto de ações eficazes governamentais e do setor industrial, que visem eliminar seu uso apesar da recomendação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

A poluição por outros metais tóxicos, como o cádmio, o chumbo e o arsênio, causam danos de tal monta aos organismos humanos e ao meio ambiente, a exemplo dos desastres ambientais nas cidades de Santo Amaro (BA) e Adrianópolis (PR), como em outras cidades brasileiras, onde populações inteiras foram contaminadas irreversivelmente, as áreas nunca foram remediadas e as vítimas compensadas.

A despeito da existência da Convenção Internacional sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), da qual o Brasil é signatário, a mesma não é implementada, permitindo novos casos de danos socioambientais e de contaminação de trabalhadores nas cidades paulistas de Cubatão, Paulínia e Santo Antonio de Posse, e em muitas outras áreas industriais, rurais e urbanas em todo o país.

Como sabemos, a situação é agravada por legislações contraditórias que permitem a movimentação de resíduos de POPs, como o episódio da transferência de resíduos de hexaclorobenzeno do Estado de São Paulo para o Paraná e recentemente para a Bahia, transferindo o problema de um território para outro e ofendendo os princípios da Convenção da Basiléia.

O governo brasileiro é um dos poucos no mundo que ainda resiste em abolir o uso do amianto, uma substância cancerígena que vem implacavelmente levando a óbito centenas de trabalhadores no Brasil e milhares de vidas em todo planeta.

Os agrotóxicos continuam fazendo vítimas em toda a sua cadeia: os trabalhadores que os produzem, os agricultores que os utilizam, os cursos d’água, solo, ar, ecossistemas e os consumidores que se alimentam ou manuseiam os produtos contaminados por tais substâncias. Soluções como a agroecologia devem receber maior destaque na política econômica do Governo.

A disposição de rejeitos pela atividade mineradora continua a ser praticada sobre leitos de rios e a montante de importantes mananciais. O controle dos resíduos gerados e utilizados pela atividade, como o arsênio, o cianeto e outras substâncias e subprodutos capazes de causar mortandade e graves impactos ambientais e à saúde humana, no presente e no futuro, é subestimado pelas autoridades brasileiras.

E o Brasil ingressa agora em nova etapa de expansão de seu parque industrial químico, com a exploração do Pré-Sal e da biomassa, além do desenvolvimento nanotecnológico, sem que se processe o entendimento público necessário sobre os tipos, destinos e impactos dos processos produtivos e suas consequências para a sociedade.

Cientes de que uma política de desenvolvimento que proteja a população dos riscos das substâncias químicas tóxicas, em qualquer modelo de sociedade, só será eficaz mediante controle social, acompanhamento e participação consistente, com representação popular independente, crítica e tecnicamente capacitada;

Dispostos a buscar o estabelecimento de justiça social, ambiental intergeracional, pelo monitoramento e acompanhamento dos processos de recuperação de áreas contaminadas e pela preservação de territórios livres de atividades geradoras de substâncias tóxicas em todo o território nacional, e tendo como objetivos:

  • articular e fomentar a participação social;
  • congregar comunidades, organizações e entidades da sociedade para realizar ações legítimas e livres frente aos poderes e fóruns constituídos em nível nacional e internacional;
  • trocar conhecimentos e informações que subsidiem e fortaleçam a participação da sociedade civil brasileira nas políticas públicas, ações de defesa de interesses e enfrentamento dos problemas relacionados ao tema com vistas a alcançar um mundo livre de substâncias poluentes;

 As organizações brasileiras ACPO, AEIMM, APROMAC, ATESQ, AVICCA, MovSAM, RAPAL-BRASIL e TOXISPHERA, reunidas na Assembleia do IPEN em Petrópolis, após consulta a entidades parceiras em diferentes estados do país, decidem criar a REDE POR UM BRASIL LIVRE DE SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS TÓXICAS.

Enviada por MOPSAM SANTO AMARO.

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