No Vale do Ribeira, Defensoria Pública defende comunidades tradicionais contra corrupção e mercado de carbono

Tania Pacheco*

“Posto diante de todos estes homens reunidos, de todas estas mulheres, de todas estas crianças (sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra, assim lhes fora mandado), cujo suor não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de contrição, quis mudar o seu nome para um outro mais humano. Falando à multidão, anunciou: “A partir de hoje chamar-me-eis Justiça”. E a multidão respondeu-lhe: “Justiça, já nós a temos, e não nos atende”. Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito”. E a multidão tornou a responder-lhe: “Direito, já nós o temos, e não nos conhece”. E Deus: “Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito”. Disse a multidão: “Não necessitamos de caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite”. José Saramago (Prefácio à obra Terra, de Sebastião Salgado).

O trecho acima foi retirado de uma peça jurídica. Um mandado de segurança com pedido de liminar impetrado no dia 6 de junho pelos Defensores Thiago de Luna Cury e Andrew Toshio Hayama, respectivamente da 2ª e da 3ª Defensorias Publicas de Registro, São Paulo, contra o Prefeito de Iporanga, região de Lageado, Vale do Ribeira. Seu objetivo: impedir que, seguindo uma prática que vem se tornando constante no estado, a autoridade municipal expulse comunidades tradicionais e desaproprie vastas extensões de terras, transformando-as em Parques Naturais a serem transacionados no mercado de carbono.

Para ganhar dinheiro a qualquer custo, não interessa investigar se nessas terras há comunidades tradicionais, quilombolas e camponeses. Não interessa se o Direito à Consulta Prévia e Informada estipulado pela Convenção 169 da OIT foi respeitado. Não interessa, inclusive, se, caso audiências públicas tivessem sido realizadas, as comunidades teriam condições de entender plenamente o que estava sendo proposto e decidir se seria de seu interesse abandonar seus territórios, suas tradições, suas gentes, uma vez que nesse tipo de unidade de conservação integral não pode haver moradores. Em parcerias com empresas e ONGs fajutas, o esquema é montado; de uma penada decretado; e o lucro é garantido e dividido entre os integrantes das quadrilhas.

Mas não foi bem assim que aconteceu em Iporanga. A Defensoria Pública agiu, e agiu pela Justiça e pelo Direito, de forma indignada, culta, forte, poética e, sempre, muito bem fundamentada nas leis. E coube ao Juiz Raphael Garcia Pinto, de Eldorado, São Paulo, reconhecê-lo em decisão do dia 11 de junho de 2012.

Este Blog defende intransigentemente a “democratização do sistema de Justiça”. E tanto no mandado como na decisão é um exemplo disso que temos presente: da prática da democracia pelos operadores do Direito. Por isso fazemos questão de socializá-los, não só como uma homenagem aos Defensores Thiago de Luna Cury e Andrew Toshio Hayama (e também ao Juiz Raphael Garcia Pinto), mas também como um exemplo a ser seguido Brasil afora, como forma de defender as comunidades e honrar a tod@s nós.

Para ver o mandado de segurança clique AQUI. Para ver a decisão clique AQUI. Boa leitura.

* Com informações enviadas por Luciana Zaffalon.

Comments (4)

  1. Obrigada, Maria. Mas a gente continua na luta, com certeza. E vocês têm dois grandes DPs lutando junto!

  2. Parabéns pela página… precisamos de instrumentos sérios de divulgação e formação… Está batalha de Iporanga está ganha, mas inicia outra pela garantia de direitos dessas comunidades…

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