O presente de grego da transposição do Rio São Francisco, por João Abner Guimarães Junior

João Abner Guimarães Jr*

O rio São Francisco, patrimônio nacional, encontra-se seriamente ameaçado pela implantação na sua margem de um dos maiores sistemas de bombeamento do mundo – com vazão de 127 m³/s, capaz de abastecer mais de duas vezes o consumo da grande São Paulo, que será instalado num rio super explorado, que sistematicamente tem secado. Nos últimos seis meses, a Barragem de Sobradinho, um dos maiores reservatórios do Brasil e pulmão do Rio, que controla suas águas no seu curso final, reduziu em 85% o seu armazenamento de água, mesmo após encher em abril último, repetindo o que aconteceu em 2000, 2001 e 2004.

O projeto de transposição inaugura a guerra pela água no Brasil. O rio São Francisco é vital para o Nordeste e principalmente para o povo da sua bacia; 80% das suas águas produz praticamente toda a energia consumida na Região, restando, portanto, apenas 20% para o consumo de 13 milhões de moradores de cinco estados (MG, BA, PE, AL e SE), incluindo regiões metropolitanas, assim como sustenta o maior pólo de irrigação do Brasil, além de contar com um uso crescente de água nos afluentes da sua bacia.

O protesto do Bispo de Barra, Dom Cappio, contra o projeto não é à toa. Todos nós, moradores do Nordeste, temos uma grande dívida com os povos ribeirinhos do Rio São Francisco, que nos últimos 50 anos pagaram um alto preço pelo nosso desenvolvimento, com várias cidades sendo inundadas por grandes barragens e milhares de famílias expulsas de suas casas. Esses mega projetos transformaram um verdadeiro oásis numa das regiões com maior exclusão social e violência do Brasil. Portanto, é natural que a população da bacia doadora reaja contra um projeto com altíssimo potencial de agravar os seus problemas, principalmente porque se encontra na contramão da história.

A propaganda oficial não enxerga as profundas transformações que a Região vem atravessando, remete-se, por isso, sempre a um passado distante. Durante os últimos 100 anos, o Governo Federal desenvolveu na região receptora o maior programa de açudagem do mundo: são 400 grandes barragens com capacidade de acumulação de 37 bilhões de m³ da água, em todos os estados. Essa extraordinária infraestrutura, por si só, sem contar as tradicionais captações de águas subterrâneas, tem capacidade comprovada de atender plenamente todas as demandas regionais, mesmo nos períodos de seca extrema, faltando para isso construir uma infraestrutura integrada de acesso a essas águas, de alto custo e prioritária frente à polêmica obra de transposição que, na prática, vai criar uma dependência da região com as águas do Rio, jogando por terra todos os esforços de inúmeras gerações de garantir a nossa sonhada autossustentabilidade, reproduzindo em grande escala a lógica da Indústria das Secas, que tem como norma ampliar o problema para vender falsas soluções.

O projeto de Transposição é um presente de grego para a região receptora: as águas distribuídas em cada estado serão poucas – apenas 1/5 da capacidade de bombeamento do sistema é garantido -, serão conduzidas para os maiores reservatórios e passarão distantes dos locais mais secos. Seu custo proibitivo para as atividades econômicas será bancado, em subsídio cruzado, pelos consumidores urbanos das grandes cidades sem precisão e, portanto, apesar do enorme volume de recursos envolvidos, as demandas por medidas emergenciais governamentais de combate aos efeitos das secas serão perpetuadas.

AQUI REAFIRMO QUE COM A TRANSPOSIÇÃO O ACELERAMENTO DO CRESCIMENTO NO RN SERÁ ZERO.

*Engenheiro Civil e Professor da UFRN

Enviada por José Carlos.

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