Hoje, na seção Mulheres pelo Mundo, você vai ler um dos textos mais lindos que já passaram pelo Mulher 7×7. Renata Neder, da ONG Internacional Action Aid, nos conta de uma tragédia da Guatemala – que, infelizmente, é a tragédia de muitos povos.
Cidade da Guatemala, 4 de abril de 1985, Semana Santa. Rosário sai de casa para ir ao supermercado comprar fraldas com seu filho Augusto e seu irmão Maynor. Eles reaparecem apenas um dia depois, mortos. Foram capturados, torturados e brutalmente assassinados. Nem o bebê, de apenas 2 anos, escapou da brutalidade da tortura.
Rosário era casada com Carlos Cuevas, desaparecido desde 1984. Em uma manhã de maio daquele ano, Carlos saiu de moto e nunca mais voltou. Foi capturado pelas forças de segurança do Estado e desapareceu. Foi então que Rosário embarcou na busca desesperada pelo marido. Visitou hospitais, necrotérios e prisões. Foi assim que ela conheceu o recém formado Grupo de Ajuda Mútua (GAM), ao qual se juntou na busca pelos desaparecidos e na luta por justiça. E foi por embarcar nesta luta que Rosário foi assassinada.
Ruth Molina de Cuevas, mãe de Carlos, escreve na abertura do livro “E me vestiram de luto”:“Nesses 27 anos, a violência da guerra me lançou em um caminho que eu não esperava percorrer. Uma experiência que me levou a converter a dor em passos, o pranto em voz, a própria existência em uma causa por justiça. Meu filho, não pude chorar teu cadáver. Você ficou no coração da sua mãe e em alguma parte da Guatemala… Mas o tempo não diminuirá teu corpo de montanha… nem fechará os teus olhos”.
Essa é a história de uma tragédia pessoal que é parte de uma tragédia nacional. Essa história familiar é apenas o “eco da dor de muita gente”.
A Guatemala viveu 36 anos de uma violenta guerra civil que resultou em 200 mil mortos e 45 mil desaparecidos forçados. A injustiça, o fechamento dos espaços políticos, o racismo e a discriminação foram alguns fatores que levaram à explosão do conflito armado no país.
Os grupos indígenas foram os que mais sofreram. “O exército pegava as crianças e espancava. Pegava as mulheres grávidas e cortava sua barriga. Pegava os homens e esquartejava, espalhando os pedaços por aí. As mulheres que não estavam grávidas eram estupradas e depois penduradas pelas pernas”, conta uma mulher indígena de Choatalún.
Depois da assinatura dos Acordos de Paz, em 1996, e como parte do processo de reconciliação, foi acordado que deveria haver o reconhecimento dos crimes cometidos durante a guerra. Para isso, todas as partes envolvidas deveriam tornar públicos seus arquivos. No entanto, o exército e a polícia nacional negaram ter qualquer tipo de informação.
Mas, em 2006, um arquivo foi encontrado com milhões de documentos da Polícia Nacional e das forças de segurança contendo informações cruciais sobre assassinatos, desaparecimentos, tortura e muitas violações de direitos humanos durante o período da Guerra Civil. Isso abriu novas possibilidades para as investigações dos crimes cometidos e também para a localização de valas clandestinas e a identificação dos 45 mil desaparecidos forçados.
Hoje, pesquisadores, familiares, organizações de direitos humanos trabalham neste processo de identificação. É um caminho longo e difícil, mas que deve ser percorrido. Motivada pela descoberta do arquivo, Ana Lucía Cuevas, irmã de Carlos, retomou a busca pela identificação de seu irmão. O resultado desses últimos anos de pesquisa, investigação e entrevistas foi o belíssimo filme chamado “O eco da dor de muita gente”.
Na minha última viagem à Guatemala, eu tive a oportunidade de assistir a uma exibição do filme com a presença da família Cuevas e de muitas outras famílias que até hoje buscam seus filhos e filhas, irmãos e irmãs, maridos e mulheres. Poucas experiências foram tão marcantes na minha vida e, embora o assunto seja bastante duro, eu quis muito falar sobre isso aqui.
Eu quis falar sobre isso porque a dor da Guatemala é também o eco da dor de muita gente. É a dor de Darfur, de Ruanda, da Iugoslávia, do Camboja, da Nicarágua e de muitos outros lugares no mundo inteiro. Essa é a dor da injustiça, da violência, da opressão, do preconceito, da intolerância, da falta de democracia. E a gente tem que falar dessa dor para não esquecer nunca de lutar diariamente pela justiça, a democracia e a igualdade
http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2012/02/11/o-eco-da-dor-de-muita-gente/. Enviada por José Carlos.