No Assentamento Zumbi dos Palmares, 7 dos 22 concessionários originais permanecem no local

As famílias que chegaram depois pouco ou nada produzem

Maria Clara Prates

Manhã de quinta-feira, 9 de fevereiro. Um caminhão-tanque transportando leite deixa o assentamento de trabalhadores rurais Zumbi dos Palmares, às margens da BR-365, a 20 quilômetros de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. A cena se repete todos os dias e passa uma falsa impressão. O assentamento, uma área de 492 hectares, equivalente a quatro Vaticanos, perdeu seus concessionários originais e teve o destino adulterado. Com 13 anos de existência, o Zumbi dos Palmares é um conjunto de lotes subutilizados para a agricultura e a pecuária, e abriga hoje uma confortável casa de quatro quartos com campo de futebol.

Dos 22 trabalhadores rurais sem-terra que receberam do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) o Contrato de Cessão de Uso (CCU), apenas sete permanecem no assentamento. No grupo dos que ficaram está Aparecida de Fátima Queiroz, de 58 anos, que já vivia na fazenda que se transformaria no assentamento Zumbi dos Palmares um ano antes da desapropriação do terreno pelo governo federal para reforma agrária. “Estava aqui no corte da cerca”, diz. A expressão é usada pelos trabalhadores sem-terra para se referir àqueles que estavam entre os primeiros a ocupar uma propriedade. Aparecida, hoje, é empregada doméstica da casa suntuosa com campo de futebol construída no assentamento.
Na divisão da área desapropriada, cada assentado recebeu terrenos com 18 a 20 hectares. Conforme o planejamento para criação do Zumbi dos Palmares, parte da propriedade foi transformada em área de proteção ambiental. No terreno que recebeu, Aparecida chegou a produzir farinha de mandioca e a criar algumas cabeças de gado. O rendimento ajudava na manutenção da família: a mãe, de 94 anos, o marido, três filhos, um genro, duas noras e 10 netos distribuídos em quatro casas construídas no lote.
Para ampliar a produção de farinha, Aparecida vendeu as vacas e comprou dois fornos. Há três anos ambos furaram e a produtora rural ficou apenas com a pequena lavoura de mandioca. A queda no faturamento obrigou-a a procurar um emprego. E encontrou dentro do próprio assentamento. Aparecida passou a trabalhar como empregada doméstica de Iracilda Alves Franco, de 62, que nunca foi produtora rural. Há quatro anos, com a ajuda dos filhos que trabalham em Uberlândia e no Mato Grosso, Iracilda comprou um dos lotes do assentamento, onde construiu a casa de quatro quartos, uma grande varanda e um campo de futebol society. Iracilda paga salário de R$ 750 mensais à funcionária.

Eucaliptos Ao lado da casa, em cerca de 16 hectares do terreno, Iracilda plantou eucaliptos, uma cultura muito mais comum em terrenos de grandes empresas fornecedoras do setor de siderurgia do que em um assentamento de sem-terra. “Fomos aceitos pela comunidade”, diz Iracilda. A moradora do assentamento afirma ter adquirido o terreno por R$ 15 mil. “Pagamos apenas pela benfeitoria (uma pequena casa e um curral), já que o terreno é do Incra”, diz. Conforme as regras do instituto, ao ser assentado o sem-terra recebe apenas o CCU. A escritura do terreno é fornecida somente depois de 15 anos de uso da área.

A família de Iracilda chegou ao Zumbi dos Palmares depois de ler um anúncio no jornal. “Meus filhos viram que uma pessoa queria se desfazer da terra em um outro assentamento. Lá a negociação não deu certo. Mas achamos esse, onde construímos a casa”, conta.

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uberlândia (STRU) culpa o Incra pela debandada de sem-terra do Zumbi dos Palmares. Afirma não haver assistência técnica nem crédito para os produtores. “Enquanto a reforma agrária não for uma política de Estado, e não de governo, nada vai mudar”, afirma o assessor do sindicato para o assunto, Django Alves da Silva.

Saiba mais…

Vigilante O lote em que a casa de Iracilda foi construída era usado por José Rosa Filho, 57, o segundo a comprar o terreno depois de o sem-terra original decidir deixar o assentamento. Ficou apenas um ano no local, em meados dos anos 2000, e vendeu a benfeitoria para a família de Iracilda depois de um problema na coluna vertebral que o impedia de continuar trabalhando na terra, diz. Hoje, mora em uma pequena casa improvisada a 10 metros da rodovia. O local faz parte da área total do Zumbi dos Palmares e, conforme o projeto inicial do governo, seria usada para construção de lojas onde seria vendida a produção do assentamento. José atualmente trabalha como vigilante noturno de máquinas das empresas responsáveis por obras na BR-365.

É às portas de José que o caminhão para transporte de leite acessa a estrada que liga a BR-365 ao Zumbi dos Palmares. O veículo faz uma única viagem por dia, para coletar a produção de apenas uma propriedade – uma rotina que, a julgar pela atual situação do assentamento e dos seus ocupantes, tende a prosseguir por muito mais tempo.

Retomada

O superintendente do Incra/MG, Carlos Calazans, disse que o instituto já está promovendo a retomada dos lotes vendidos à revelia da lei. Segundo ele, vários proprietários já foram notificados e será intensificada a fiscalização. Levantamento do Incra indica que entre 2001 e 2011 o instituto excluiu do Programa Nacional de Reforma Agrária 2.019 beneficiários em Minas. Há, atualmente, no estado 266 assentamentos criados pelo Incra com cerca de 15 mil famílias. O instituto informa que, em 2011, das 379 famílias assentadas em Minas Gerais, 295 foram em lotes retomados.

http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2012/02/12/interna_politica,277505/no-assentamento-zumbi-dos-palmares-7-dos-22-concessionarios-originais-permanecem-no-local.shtm

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