Ruben Siqueira – CPT Bahia
O encontro ocorrido em Salvador, de 26 a 29 de setembro de 2011, tinha este título e este objetivo: Diálogos e Convergências – Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania Alimentar, Economia Solidária e Feminismo. Doze organizações o convocaram e nove das principais redes e articulações do país o promoveram: Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Grupo de Trabalho de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), Rede Alerta contra o Deserto Verde (RADV) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Delas vieram os cerca de 300 participantes, de todas as regiões do país.
Além da abrangência, a iniciativa inovou também na metodologia, que partiu de territórios e de experiências concretas e buscou associar sempre a denúncia crítica, a resistência e a construção de alternativas.
Um processo preparatório de dois anos incluiu três etapas regionais chamadas de “Oficinas Territoriais de Diálogos e Convergências” realizadas no Pólo da Borborema, na Paraíba; no Planalto Serrano da Serra Catarinense, no município de Lages; e no Norte de Minas Gerais, na região de Montezuma. A escolha destes territórios se deu porque vivem quatro processos integrados de inovação e transformação: resistência popular propositiva, agroecologia e relações mais harmônicas entre homens e mulheres e com o meio ambiente. Outras experiências foram trazidas a Salvador para dialogarem com estas e enriquecerem a aprendizagem e a articulação.
Cinco “Diálogos Temáticos” trataram de reforma agrária, direitos territoriais e justiça ambiental; mudanças climáticas – impactos, mecanismos de mercado e a agroecologia como alternativa; agroenergia – impactos da expansão dos monocultivos para agrocombustíveis e padrões alternativos de produção e uso de energia no mundo rural; defesa da saúde ambiental e alimentação saudável e o combate aos agrotóxicos e transgênicos; direitos dos/as agricultores/as, povos e comunidades tradicionais.
Uma oficina tratou do tema “conhecimento, informação e poder” tendo como eixo a construção do Intermapas (http://www.fbes.org.br/intermapas/) e de estratégias de comunicação. Houve também “Mostra de Saberes e Sabores”.
Eros e Tánatos
Ainda que muitas das entidades envolvidas e o próprio encontro contassem com financiamento público, não se fez disso um limite ou um viés distorcivo para os diálogos e convergências. Nem pareceu que se repetisse a prática tão comum na política de “fazer dificuldade para vender facilidade”… Obviamente, não construiria nem se queria unanimidade, mas conseguiu-se convergir para uma básica unidade crítica na compreensão do processo atual do país, suas raízes, equívocos e perspectivas preocupantes, e na proposição de alternativas e alterativas populares.
A carta final não deixa dúvidas: “Ao alimentar esse padrão de desenvolvimento, o governo Dilma inviabiliza a justa prioridade que atribuiu ao combate à miséria em nosso país. Tendo como eixo estruturante o crescimento econômico pela via da exportação de commodities, esse padrão gera efeitos perversos que se alastram em cadeia sobre a nossa sociedade. No mundo rural, a expressão mais visível da implantação dessa lógica econômica é a expropriação das populações de seus meios e modos de vida, acentuando os níveis de degradação ambiental, da pobreza e da dependência desse importante segmento da sociedade a políticas sociais compensatórias”.
Na sessão de encerramento estava o secretário-geral da Secretaria Nacional de Articulação Social da Presidência da Republica, Paulo Maldos. Ex-assessor do CIMI, ele tinha estado pela manhã numa audiência na sede regional do INCRA sobre a violência em Monte Santo – BA (cinco lavradores assassinados em três anos, em conseqüência de conflitos de terra). Psicólogo, disse ter lá vivido Tánatos, o deus grego da morte, e aqui encontrava Eros, o do amor… Sua fala visou minimizar a contundência da carta, ao dar uma descaracterizada no encontro ou nos seus participantes, como se representassem apenas setores médios da sociedade. Reconheceu a importância da iniciativa, mas criticou o não reconhecimento do “governo em disputa”, notou uma ausência dos indígenas e quilombolas no documento e sugeriu que os diálogos e a alianças deveriam incluir os trabalhadores do campo e da cidade…
Em tempos de cooptações e tentativas de disciplinamento e mesmo esvaziamento do movimento social, o encontro significou novidade. Não só pela metodologia construtiva e participativa e pela pertinência temática. Também pela afirmação de autonomia e compromisso maior com a causa impostergável do poder e da soberania popular. Estes ainda são ideal e prática, via única da construção de um outro modelo de sociedade, de estado e de mundo, verdadeiramente democráticos, livres e justos. Uma inflexão na conjuntura sócio-política; a apontar novos rumos?