Como se não bastasse ser chamado de “preto do cabelo podre e fedido”, a polícia ainda comprou a versão do agressor
Quando o músico e estudante de audiovisual Fábio Roberto Lira aguardava para comprar um lanche na Perini do Iguatemi, na última quarta-feira, não imaginava que seria mais uma vítima do crime de injúria racial. “Eu estava na fila quando um cidadão tomou a minha frente. Quando fui dizer que ele estava invadindo o meu lugar ele me agrediu verbalmente e disse que eu era um preto do cabelo rasta, podre e fedido“.
Logo depois das injúrias raciais, o músico, vocalista da banda de pop reggae Soul Negro, disse que procurou a segurança do shopping para formalizar uma denúncia contra o agressor, que responde pelo prenome de Michel e supostamente trabalha na Agência do banco Itaú do mesmo shopping.
Ao ganhar uma negativa dos seguranças, que disseram que ‘o problema era da polícia’, Fábio foi atrás do agressor que tentou se esconder em uma loja de informática. Ao falar com o Michel, uma nova cena de intolerância se deu: “ele empurrou o meu rosto e me agrediu verbalmente de novo, daí os seguranças do shopping resolveram chamar a polícia”, contou.
‘Polícia comprou versão’
No entanto, a chegada da polícia não se traduziu na resolução do caso para Fábio, pois, de acordo com ele, os seguranças do local compraram a versão de Michel, o acusado de cometer racismo, e disseram aos policiais que Fábio tentou agredir o homem. Aí, começa mais uma cena desfavorável para o músico: “eles não me deram oportunidade de falar nada, nem a meus dois amigos, que testemunharam tudo. Simplesmente nos jogaram na mala do carro, como se fóssemos criminosos, e Michel seguiu para a delegacia na frente, como a vítima da situação”, relatou inconformado.
De acordo com o advogado de Fábio, José Raimundo dos Santos Silva, a ação dos policias é questionável, uma vez que eles não deram o direito de seu cliente se defender. Já na delegacia, mais uma confusão põe em dúvida o destino do processo: “Não tivemos acesso ao boletim de ocorrência, nem ao termo de circunstanciado, que é onde consta quem é o autor, a vítima e o artigo do código penal do processo”, informou o advogado. De acordo com Silva, a próxima atitude é abrir um processo no Ministério Público para apurar o que houve de errado na ação policial e no procedimento da delegacia.
O delegado plantonista da 16ª delegacia, no bairro da Pituba, Fábio Melo foi procurado pela reportagem, mas não estava de plantão nesta segunda; seu colega, o delegado Alberto Xirame, disse que só ele poderá esclarecer os motivos de não ter apresentado o registro da ocorrência. “Este é um procedimento comum, dever ter acontecido alguma queda de sistema ou problema com a impressora”, argumentou.
Fábio, que também atua como educador em um projeto para presidiários e é militante da campanha do movimento negro “Reaja ou será morto. Reaja ou será morta”, disse que sente o racismo vivo em Salvador todos os dias, mas que nunca tinha sofrido uma ação direta como esta: “é insustentável uma situação destas ainda acontecer. Não posso deixar isso se perder, temos que correr atrás da justiça”, assegurou o jovem.
Protesto no Iguatemi
Por conta da postura da segurança do shopping, Fábio decidiu, através do Facebook, convocar os amigos e colegas de militância para chamarem atenção para a situação. O protesto aconteceu na tarde de segunda-feira (30) e contou com o apoio de aproximadamente 50 pessoas, que fizeram uma apitaço e empunharam faixas contra o racismo em frente à loja da Perini.
No entanto, de acordo com a assessoria do Iguatemi, os seguranças do shopping não tomaram partido de nenhum dos clientes, até porque “eles não presenciaram o fato” e não poderiam testemunhar. “Eles apenas esperaram a viatura policial chegar, a partir daí a condução do caso é uma responsabilidade da polícia”, justificou a assessoria, informando que, caso o Iguatemi seja solicitado judicialmente para ceder as imagens das câmaras do circuito interno do shopping, o fará sem problemas.
Fatos recentes
Denúncias de racismo não são novidade em Salvador que, embora seja a cidade mais negra do mundo fora da África, expõe dados de intensa desigualdade racial, de acordo com dados do censo do IBGE 2010.
Recentemente, dois fatos ganharam repercussão na imprensa local e nacional. O primeiro terminou com a prisão da agressora e aplausos das testemunhas. Já o segundo, também envolve uma ação desastrada da força policial e terminou com a vítima no hospital e sem a visão de um olho.
Surreal – Músico sofre humilhante agressão racial e pode ter sido autuado como acusado