Na Fiocruz, Stedile aborda os desafios políticos da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos

O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile (à direita), e pesquisador do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana Marcelo Firpo.

“A difusão do uso de agrotóxicos no Brasil não tem a ver com necessidade agronômica. Está totalmente relacionada à etapa atual do capitalismo, à qual a nossa sociedade está subordinada”, enfatizou o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, na palestra Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e o contexto político atual, realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), na segunda-feira (12/12).

O coordenador do MST ressaltou que nos últimos dez anos o uso de venenos no Brasil cresceu muito e há três anos ficou ainda pior. Atualmente, o país é apontado como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Stédile, que esteve na escola para divulgar a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, enfatizou que é possível produzir alimentos saudáveis sem utilizar agrotóxicos, utilizando a agroecologia. Após a palestra, Stédile encontrou-se com o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, para discutir a campanha e a participação da Fundação. A conferência de Stédile pode ser ouvida aqui.

Ao se reunir com o presidente da Fiocruz, Stédile agradeceu o apoio da Fundação em projetos nas áreas de saúde e de educação ambiental – como o Dicionário de educação no campo – que resultaram em produtos didáticos e na realização do documentário O veneno está na mesa, do cineasta Silvio Tendler. O coordenador do MST disse que “a Fiocruz é uma instituição militante em favor do povo brasileiro” e afirmou que o engajamento e a participação da Fundação contribuíram para dar maior dimensão e força à campanha nacional contra os agrotóxicos. Ele também solicitou o auxílio da Fiocruz para a organização, em 2012, de um seminário sobre o tema que reúna pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Gadelha afirmou que o tema é prioritário para a Fundação e que fará parte do pacote de projetos e iniciativas com os quais a instituição se fará presente na Rio+20, a conferência da ONU que debaterá os desafios planetários ao ambiente e à saúde.

Ao lado do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e do diretor da Ensp, Antônio Ivo, Stédile agradece o apoio da Fundação na campanha contra os agrotóxicos (Foto: Peter Ilicciev)
A mesa de abertura da conferência contou com a participação do diretor da Ensp, Antônio Ivo de Carvalho, do presidente da Associação dos Servidores da Fundação Oswaldo Cruz (Asfoc), Paulo César de Castro, e do coordenador do Movimento Sem Terra, João Pedro Stédile. Carvalho destacou a importância de receber o coordenador de um movimento social tão expressivo quanto o MST, com grande responsabilidade diante da sociedade civil e da classe política. O diretor falou sobre a história da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e de sua importância na formação do ideal de saúde e da construção do SUS e destacou o comprometimento para uma agenda de formação voltada para o desenvolvimento de um curso de mestrado sobre a temática. O presidente da Asfoc, Paulo César de Castro, ressaltou a importância do estreitamento das relações com as instituições públicas no sentido de fortalecer a campanha.

Dando início à palestra, coordenada pelo pesquisador do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp) Marcelo Firpo, o coordenador do MST falou sobre a vocação política da Fiocruz em participar de movimentos sociais e ressaltou que o SUS é uma revolução para a população pobre no Brasil. Em seguida, Stédile entrou na temática dos agrotóxicos e explicou a formação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que tem como objetivo ampliar o debate com a população sobre a falta de fiscalização do uso, do consumo e da venda de agrotóxicos, a contaminação dos solos e das águas, bem como denunciar os impactos dos venenos na saúde dos trabalhadores das comunidades rurais e dos consumidores das comunidades urbanas.

Segundo ele, era preciso criar uma campanha nacional contra o uso de agrotóxicos que representasse todas as forças progressistas do nosso país. “Conseguimos reunir um leque de forças que nenhuma outra campanha já conseguiu. A partir dos debates, nos demos conta de que a difusão do uso de agrotóxicos no Brasil não tem a ver com uma necessidade agronômica, ela está totalmente relacionada à etapa atual do capitalismo à qual a nossa sociedade está subordinada”. De acordo com o coordenador, esse capitalismo assumiu uma nova fase com aquilo que conhecemos por globalização e está preocupado apenas em produzir lucros a qualquer custo. “Gerou-se no Brasil uma aliança de classes composta por grandes empresas transnacionais, as mesmas que fornecem o veneno e a matriz tecnológica, e isso não é uma questão de coincidência. Esse modelo agrícola baseado no uso de agrotóxicos produz um PIB anual de R$ 140 bilhões”, explicou ele.

Stédile falou também sobre os grandes proprietários de terra – citados por ele como a burguesia agrária moderna – e sobre a influência dos meios de comunicação de massa, que também fazem parte dessa aliança. De acordo com ele, cabe aos meios de comunicação reproduzir a ideologia proposta por essa aliança de classes, que indica que o modelo baseado no uso de agrotóxicos é bom, único e legítimo. O coordenador explicou que tudo concorreu para a produção do modelo do agronegócio, e culminou num modelo de produção que tem como características a produção em grande escala, o monocultivo – agricultura baseada em um só produto – e a introdução de sementes transgênicas. Segundo o coordenador do MST, atualmente o Brasil está totalmente refém do monocultivo, 85% das terras do país são dedicadas à produção de soja, milho, cana de açúcar e gado.

No âmbito da introdução das sementes transgênicas, Stédile afirmou que o uso da técnica nas sementes objetiva apenas que a empresa tenha propriedade genética da semente. “Todas as experiências com sementes orgânicas não são para melhorar a produtividade ou a saúde da população, por exemplo, elas são combinadas com o uso de agrotóxicos que as empresas que investem na introdução de sementes transgênicas produzem. As sementes transgênicas foram um condicionante para o aumento do uso de herbicida. Isso ajuda a explicar o aumento do uso de agrotóxicos no Brasil, totalmente combinado com o modelo econômico do agronegócio”, denunciou. O coordenador lembrou, ainda, que qualquer ação do capital e toda ação humana gera contradições e que, nessa linha de raciocínio, o modelo do agronegócio também tem suas contradições.

Stédile citou como uma das contradições do modelo o largo uso de veneno, o que afeta em grande escala a saúde pública. “Temos hoje no país 1 milhão de casos de câncer por ano. Se continuarmos nesse caminho, a tendência é a de que cerca de 400 bilhões de pessoas por ano morram de câncer causado principalmente pelos agrotóxicos. Isso é uma contradição e a população precisa se dar conta para agir antes que seja tarde demais”, alertou. Apontado também como outra contradição do modelo do agronegócio está o desequilíbrio do planeta: o agrotóxico elimina a biodiversidade. De acordo com o coordenador, a região sudeste do país está condenada a sofrer cada vez mais enchentes, fruto do desequilíbrio causado pelo modelo, pois o modelo de agronegócio afeta também as condições climáticas.

“Esperamos que a população entenda que essas contradições podem gerar a construção de outro modelo de produção para a agricultura brasileira. É totalmente possível produzir alimentos saudáveis sem utilizar agrotóxicos, fazendo uso apenas da agroecologia. Ao contrário do que muitos dizem, produzir baseado em agroecologia não é mais caro e com certeza é muito mais saudável em todos os pontos”, afirmou. Por fim, Stédile explicou que, com o objetivo de entender o que há por trás dos agrotóxicos e suas consequências, foi construída a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

A campanha pretende criar um processo de conscientização da sociedade sobre a ameaça dos agrotóxicos; denunciar e responsabilizar as empresas que produzem e comercializam agrotóxicos; convencer a sociedade sobre a necessidade de mudança do atual modelo agrícola, que produz comida envenenada; criar um espaço de construção de unidades entre ambientalistas, camponeses, trabalhadores urbanos, estudantes, consumidores e todos aqueles que prezam pela produção de um alimento saudável que respeite o meio ambiente; além de explicitar a necessidade e o potencial que o Brasil tem de produzir alimentos diversificados e saudáveis para todos, em pleno convívio com o meio ambiente, com base em princípios agroecológicos. “O principal objetivo da campanha é proibir o uso de agrotóxicos em todo o território brasileiro”, concluiu Stédile.

Matéria de Tatiane Vargas (colaborou: Ricardo Valverde), da Agência Fiocruz de Notícias.

http://www.nossofuturoroubado.com.br/portal/noticias/conferencia-aborda-os-desafios-politicos-da-campanha-nacional-contra-os-agrotoxicos

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