Superexploração dos trabalhadores nas plantações canavieiras é mascarada no estado de SP

Por Maria Teresa Manfredo, da ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico

Quando lemos nos livros de história que durante o século XVIII e XIX, na chamada Revolução Industrial, os trabalhadores das fábricas européias chegavam a jornadas diárias de 12 horas ou mais, tendemos a nos espantar com tal condição exploratória e desumana de trabalho. O que muitas vezes não se percebe é que condições de exploração no trabalho continuam a acontecer nos dias de hoje, muitas vezes em locais mais próximos do que se imagina. É o que afirma a socióloga e professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) Maria Aparecida Moraes Silva, que estuda o trabalho na agroindústria da cana-de-açúcar.

Segundo Silva, há uma ideologia no estado de São Paulo que tenta negar a existência do trabalho humano nas plantações canavieiras, tornando invisível a superexploração dos trabalhadores neste setor – marcado, inclusive, por mortes por excesso de esforço.

Segundo a pesquisadora da Ufscar a ideologia presente na agroindústria da cana-de-açúcar seria produzida por empresas, pelo Estado e meios de comunicação, difundindo que o cultivo da cana está sempre ligado à tecnologia, energia limpa, sustentabilidade e trabalho mecanizado. Silva lembra que “há um lado perverso do trabalho da pujança canavieira do estado de São Paulo; há contradições que permeiam esse mercado e perpassam a vida dos indivíduos que dela participam”.

Segundo dados que Silva expôs em Mesa Redonda realizada no XV Congresso Brasileiro de Sociologia, atualmente o estado de São Paulo possui dois terços de toda sua área agricultável ocupada por esse tipo de cultura. Do ano de 2005 a 2011 foram 23 mortes por excesso de esforço nas plantações canavieiras paulistas. Para Silva, trata-se da depredação do corpo, onde a própria dignidade do ser é atingida.

A visão sociológica entende por ideologia qualquer representação distorcida da realidade histórica e social, que cria um ofuscamento que impede que o indivíduo ou a grupo social perceba a diferença entre a aparência e a essência da sociedade. Uma ideologia é constituída por um conjunto de idéias e imagens que legitimam a organização social e estimulam os indivíduos a se adaptarem a esta. Entre os principais procedimentos ideológicos está a anulação da responsabilidade humana na construção de uma sociedade desigual e contraditória.

Silva explica que a mão-de-obra migrante do Nordeste é majoritária neste setor devido, entre outros fatores, a um processo específico de socialização para o trabalho. O corte da cana não exige grande capacitação técnica para o trabalho. Antes, para tal tarefa, é necessária uma socialização que, de acordo com a socióloga, em São Paulo não existe: “estes trabalhadores migrantes são acostumados à terra, ao sol, à chuva, ao barro e a se submeterem a uma série de intempéries e situações que não estão mais cogitadas no imaginário dos jovens de São Paulo”. Tais trabalhadores estão expostos, inclusive, ao que chama de apropriação do afeto, já que são afastados de suas famílias para conseguirem seu sustento.

Para Silva, o que acontece no “mar de cana paulista não é o fim do trabalho, mas sim novas formas de gestão deste trabalho e aumento do nível de exploração”.

Processos de trabalho, produtividade e superexploração

De acordo com o estudo do economista Francisco Alves, também da Ufscar, na década de 1950 a produtividade do trabalho no setor da cana, medida em toneladas cortadas por dia/homem ocupado na atividade, era de três toneladas; na década de 1980, a produtividade média passou para seis toneladas de cana por dia/homem ocupado e, no final da década de 1990 atingiu entre 12 toneladas de cana por dia.

Alves explica que este aumento da produtividade se dá, sobretudo, pela forma de pagamento utilizada atualmente – decorrente de sua produção: quanto mais quilos de cana cortada, mais eles recebem. Anteriormente, o trabalho dos cortadores era medido por metro cortado.

Segundo Alves, o cortador de cana pode ser comparado a um atleta corredor fundista, de longas distâncias, pois é necessário ter maior resistência física para a realização de uma atividade repetitiva e exaustiva, realizada a céu aberto, sob o sol, na presença de fuligem, poeira e fumaça, por um período que varia entre oito e 12 horas diárias.

Segundo a pesquisa de Alves, a combinação do processo produtivo, do procedimento de trabalho e da forma de pagamento utilizados no corte de cana explicam a ocorrência das mortes dos cortadores de cana por esforço excessivo.

Para saber mais:
ALVES, Francisco. Por que morrem os trabalhadores de cana?. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v15n3/08.pdf

SILVA, M. A. M.; MARTINS, R. C. A degradação social do trabalho e da natureza no contexto da monocultura canavieira paulista. Sociologias (UFRGS. Impresso), v. 24, p. 196-241, 2010.

http://www.ecodebate.com.br/2011/08/16/superexploracao-dos-trabalhadores-nas-plantacoes-canavieiras-e-mascarada-no-estado-de-sp/

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