Obra de rodovia do PAC em SC usou operários aliciados no Nordeste, que pagaram R$ 500 pela vaga, tiveram carteiras de trabalho retidas e salários referentes atrasados e pagos com desfalque.
Por Bianca Pyl
O Ministério Público do Trabalho em Criciúma (SC) moveu uma ação civil pública contra o consórcio Construcap/Ferreira Guedes/MAC Engenharia, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit), Superintendência Regional no Estado de Santa Catarina e a intermediária MCE Empreendimentos Ltda por terem submetidos 31 pessoas a condições de trabalho análogas à de escravos.
Os empregados trabalhavam na duplicação da BR 101, no trecho de Araranguá (SC), lote 29. A obra recebeu verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e está orçada em R$ 264,5 milhões. A situação foi descoberta no final de março, após a denúncia de uma das vítimas, que procurou a Gerência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego de Criciúma (SC).
De acorco com Brunno Dallossi, auditor fiscal que atendeu a denúncia, dos cerca de 580 trabalhadores só 150 eram contratados diretos do consórcio onstrucap/Ferreira Guedes/MAC Engenharia. “Isso proporciona um custo reduzido para a empresa, mas quem paga é o trabalhador”, opina.
A ação pede o pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 5 milhões, a serem divididos pelos réus da ação, além de R$ 10 mil para cada trabalhador. Na avaliação de Luciano Leivas, procurador do Trabalho e autor da ação, o vínculo empregatício é do consórcio Construcap/Ferreira Guedes/Mac Engenharia, ganhador da licitação. “É a executante da licitação”, afirma. O consórcio também é responsável por outros trechos da rodovia.
Na opinião do procurador do Trabalho, a empresa MCE foi inserida ilicitamente na execução da obra pública. “O Dnit tem a obrigação de fiscalizar a regularidade trabalhista de toda a mão obra engajada na execução de obra pública”, aponta. “A interposição da empresa MCE visa a precarização dos direitos sociais dos trabalhadores e a consequente redução dos custos operacionais do consórcio”, acrescenta.
O edital de licitação (nº 225/2010-00) determina que o Dnit deve autorizar previamente a contratação de empresas terceirizadas, “sendo causa de rescisão contratual aquela não devidamente formalizada por aditamento”, diz um trecho do edital, que determina o limite de 30% para a terceirização do serviço.
A fiscalização do trabalho requisitou a apresentação do aditivo do contrato administrativo autorizando a contratação da empresa, contudo não obteve resposta. Por conta disso, lavrou o auto de infração (nº 020673329) contra o consórcio.
Aliciamento
Em depoimento os trabalhadores contaram que foram aliciados no Piauí, Maranhão e Sergipe e pagaram R$ 500 pela vaga de trabalho para um intermediário na contratação (“gato”). O aliciador anunciou o serviço em rádios da região de Canindé de São Francisco (SE). As vítimas também arcaram com as despesas de alimentação durante as viagens, que duraram em torno de 4 dias.
Os trabalhadores nem sabiam ao certo onde seria o trabalho. “Os obreiros relataram que achavam que iam trabalhar no Mato Grosso, não tinham informações completas sobre para onde iam de fato”, conta Luciano Leivas. Para convencer as vítimas, o “gato” prometeu salários de R$ 1 mil. As vítimas chegaram a Santa Catarina na primeira quinzena de janeiro.
No momento da fiscalização, oito empregados estavam com sua Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) retida pelo empregador. Para agravar a situação, eles tiveram o pagamento de salários referentes aos meses de janeiro e fevereiro de 2011 atrasados e pagos com desfalques. “Eles estavam com sua liberdade de locomoção restrita, pois além de não terem recebido os salários e rescisões devidas e terem sido lesados no transporte, alguns tinham suas CTPS retidas”, explica Luciano Leivas.
De acordo com informações dos trabalhadores, eles foram obrigados a assinar cartões de ponto em branco e o encarregado era quem determinava o horário de início e termino das jornadas de trabalho. Segundo o procurador do Trabalho em Criciúma (SC), a jornada semanal das vítimas chegava a 68 horas, extrapolando o limite constitucional das 44 horas semanais. As vítimas exerciam a função de armadores.
Após a fiscalização, a MCE simulou “contratos de experiência” e efetuou descontos nos valores da rescisão, alegando que os empregados estavam quebrando o contrato, explicou o procurador do Trabalho. “O contrato não existia até a fiscalização chegar ao local”. Sete trabalhadores foram embora com pouco mais de R$ 100. Outros 14 foram contratados diretamente pelo consórcio. Nove pessoas não quiseram continuar trabalhando e receberam as verbas rescisórias e retornaram para os municípios de origem, com as passagens pagas pelo consórcio.
O Ministério do Trabalho e Emprego lavrou 26 autos de infração contra a Construcap/ Ferreira Guedes/ MAC pelas irregularidades, inclusive a falta de registro e terceirização ilícita.
Condições
Um dos alojamentos era uma casa com dois quartos, uma sala e uma cozinha. No espaço ficavam alojados 16 trabalhadores. Na sala e em um dos quartos dormiam seis trabalhadores em cada um, no último quarto dormiam quatro pessoas. Todos utilizavam beliches.
O local era muito sujo e o único banheiro não tinha água quente. Os empregados pagavam pelos itens de higiene pessoal, como sabonetes e papel higiênico, e também pelos produtos de limpeza para limpar o local. Mesmo submetidos a uma jornada exaustiva, os empregados eram responsáveis pela limpeza dos alojamentos e por lavarem os uniformes.
Também não havia local adequado para a realização das refeições. A alimentação era fornecida por uma empresa terceirizada, três vezes ao dia. Contudo, os empregados relataram que nos últimos dez dias de trabalho não estavam recebendo café da manhã.
A água era retirada da torneira, no tanque onde as roupas eram lavadas. Os empregados tinham Equipamentos de Proteção Individual (EPI) fornecidos pela Construcap/ Ferreira Guedes/ MAC, que inclusive realizou treinamento de segurança com os funcionários.
Resgate
Não houve formalização dos resgates dos trabalhadores por falta de estrutura. O auditor fiscal Brunno Dallossi nem tinha Guias de Seguro Desemprego para Trabalhador Resgatado. “Eu me vi em uma situação que o ideal era ter três ou quatro auditores, mas eu estava sozinho, coloquei os trabalhadores no meu carro pessoal para levar até a Gerência”, conta.
Segundo ele, faltam auditores fiscais para dar conta da demanda. “A situação em Criciúma está ruim, falta auditor, diversos setores da economia estão apresentando problemas – Aqui temos dois auditores fiscais pata atender uma área semelhante à Florianópolis”.
Outro lado
O Dnit disse, via email, que “as ocorrências relatadas na ação constituíram-se em fato isolado”. O órgão alega que “os fatos apontados pela fiscalização do Ministério do Trabalho referem-se à responsabilidade exclusiva da empresa MCE, sem qualquer vinculação legal ou contratual com o Dnit. A empresa MCE foi temporariamente contratada por fornecedora de serviços do Consórcio construtor, em regime de excepcional demanda de serviços para produção de armaduras metálicas. Sua participação nos serviços da obra, faz-se sem qualquer vinculação contratual direta ou indireta com o Dnit”
O Dnit disse ainda que o consórcio vencedor da licitação vem cumprindo com regularidade todas as suas obrigações legais de natureza trabalhista. “Tais obrigações são sistematicamente acompanhadas pelo Dnit, seja através do desenvolvimento do Programa Ambiental da Saúde do Trabalho e da Mão de Obra, seja através da exigência de comprovação de regularidade fiscal com o INSS e FGTS no pagamento de cada fatura de serviço”.
Segundo o Dnit, o consórcio está recorrendo de todas as notificações expedidas pelo Ministério do Trabalho, “bem como que todas as irregularidades apontadas foram verificadas e sanadas”.
A Construcap enviou nota à reportagem dizendo que “desde que tomou conhecimento dos questionamentos apresentados pelo Ministério Público do Trabalho com relação às atividades de uma de suas terceirizadas no canteiro de obras citado, a empresa atuou no sentido de averiguar e corrigir, quando necessário, possíveis inconformidades trabalhistas. A empresa esclarece que exige de suas contratadas em regime de terceirização o cumprimento da legislação trabalhista. “O não cumprimento das regras por qualquer uma delas é passível de ação judicial pela contratante”.
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