Outra luta é possível

Movimento de protesto na Espanha estabelece novas identidades políticas, inaugura formas criativas de obilização popular e aponta para manifestações coletivas que se dão à margem das estruturas tradicionais

Benoît Cros

“Por que vocês estão protestando? Achei que vocês estavam bem na Europa.” Foi o que um jovem mexicano me perguntou quando viu o acampamento dos “indignados” na Praça Catalunha de Barcelona, instalado desde meados de maio.

A pergunta me surpreendeu. Para mim, o incrível não era esse protesto, mas o fato de que ele não tenha ocorrido antes. Desde 2008, a crise econômica bateu forte na Espanha: 5 milhões de desempregados – quase 21% da população ativa –, milhares de famílias expulsas de suas casas e uma política que prejudica os mais fracos e dá ainda mais aos que já têm muito. José Luis Rodríguez Zapatero, o presidente socialista do governo espanhol, considerou que a saída da crise passava pela flexibilização do mercado de trabalho, o aumento da idade de aposentadoria, a eliminação de ajuda pública para as famílias e o aumento de impostos indiretos, entre outras medidas antissociais.

Os numerosos casos de corrupção relacionados com a bolha imobiliária na qual a Espanha viveu durante 10 anos aumentaram a revolta dos cidadãos contra a classe política.

Mas, frente aos ataques contra os trabalhadores e a classe média, a resposta tinha sido muito fraca até este momento. Os sindicatos majoritários organizaram uma greve geral em setembro de 2010, que não teve nenhuma consequência.

Essa greve era inevitável pela credibilidade dos dirigentes sindicais frente às bases. Não obstante, passado esse dia inofensivo para os poderes econômico e político, eles pactuaram com o governo a reforma das aposentadorias, que aumentou de 65 para 67 anos a idade para se aposentar. Essas organizações, concebidas para defender os trabalhadores, demonstraram que já não têm o poder nem a vontade de lutar contra o governo.

Isso explica a essência libertária do chamado movimento de 15 de maio. As pessoas não acreditam mais nos partidos de esquerda nem nos sindicatos para dar uma resposta justa à crise econômica. “Não nos representam”, dizem os indignados em todas as praças da Espanha.

Sem futuro

Eram necessárias novas formas de luta. Foi a juventude que se organizou e criou vários coletivos. Juventude sem Futuro, constituída por estudantes universitários, foi um dos primeiros a se manifestar. Eles expressavam sua indignação de que, apesar de ser a geração mais bem formada da história, viveriam pior do que os pais. A taxa de desemprego dos jovens de menos de 25 anos supera 40%.

Durante vários meses, o coletivo Democracia Real Já! preparou uma grande mobilização graças a redes sociais, que se tornaram ferramentas centrais do movimento. “Não somos mercadorias nas mãos de banqueiros e políticos” foi o lema escolhido pela manifestação de 15 de maio, realizada em 50 cidades do país.

A chama foi acesa aquele dia quando a marcha pacífica foi vítima de repressão policial em Madri. Centenas de pessoas decidiram espontaneamente acampar na Puerta del Sol. As mensagens no Twitter e Facebook permitiram a rápida ampliação do movimento tanto na capital como no resto do país. Em poucos dias, já havia mais de 10 mil a cada noite nas assembleias da Praça Catalunha, de Barcelona.

Apareceram vários lemas. Ao lado do clássico “o povo unido jamais será vencido” ouvia-se “isto não é uma crise, é uma estafa”. Inspirados no povo islandês, que decidiu em referendo não pagar as dívidas de bancos privados, os espanhóis se deram conta de que o poder político não o está representando de fato. Responde unicamente à demanda dos interesses financeiros.

O desconcerto era total nos poderes políticos e midiáticos. O governo não soube reagir frente a um movimento sem líder. A Comissão Eleitoral proibiu as manifestações no fim de semana das eleições municipais de 22 de maio, porque considerava que o movimento influenciava indevidamente o cidadão. Foi um grande erro, já que a mobilização cresceu ainda mais. “A gente perdeu o medo”, diziam os indignados. A repressão da polícia em Barcelona, que bateu nos manifestantes pacificamente sentados para defender a praça, também fez crescer o apoio popular.

A força do movimento foi a participação nas praças de pessoas que nunca haviam se envolvido em atividades políticas. Isso se deve muito à proibição das bandeiras políticas e sindicais e ao funcionamento horizontal, sem hierarquia, que permitiu a todos encontrar o seu lugar. Alguns membros de partidos de esquerda participam das assembleias a título individual. Todas as formações políticas, assustadas com a amplitude que tomava o movimento, tentaram recuperá-lo. Em vão. Na praça, as decisões se tomam por consenso, em assembleia.

Surpresa da mídia

Muito foi falado sobre as semelhanças com maio de 1968. Na realidade são poucas. O movimento de 15 de maio se caracteriza por sua organização extrema: o trabalho é repartido entre as comissões, dá-se muita importância à imagem dos indignados, à limpeza do acampamento e à proibição do álcool.

A imprensa recebeu com surpresa a instalação dos acampamentos. Alguns meios de comunicação de direita acusaram o governo socialista de estimular o movimento para prejudicar o Partido Popular, então favorito nas pesquisas para as eleições municipais. Mas a maioria da imprensa não teve outra opção além de se entusiasmar pelo movimento. Pela primeira vez em muito tempo, um movimento social não era desqualificado com termos como radical. Os jornalistas decidiram chamá-los “indignados”, em referência ao livro best-seller de Stéphane Hessel, Indignem-se.

O apoio midiático durou pouco. O entusiasmo foi seguido da crítica paternalista. Para os meios de comunicação, os indignados eram simpáticos, mas já era hora de voltarem para casa. Pouco a pouco, a simpatia se transformou em crítica e veio a hostilidade. Uma vez mais, o poder político-midiático criminalizava os movimentos sociais.

Seria exagerado, porém, culpar a imprensa de todas as dificuldades do movimento de 15 de maio. Era evidente que a presença de milhares de pessoas nas praças de todo o país não era sustentável. A luta social exige compromisso. Embora o movimento tenha a simpatia da população, o número de pessoas que participam ativamente nas assembleias diminuiu bastante.

Para se renovar, o movimento decidiu se estender aos bairros e às cidades pequenas, onde se organizam assembleias populares. Claramente, o resultado é positivo. As assembleias são menores, fato que facilita os debates e a participação de idosos. O futuro das praças centrais, agora menos ocupadas, ainda é incerto, mas elas deveriam servir para aglutinar e coordenar as assembleias locais. No resto do mundo, o protesto se disseminou, principalmente na Grécia, mas também no restante da Europa e em algumas cidades da América Latina.

As assembleias ja estabeleceram propostas concretas, entre as quais o fim dos privilégios dos políticos (enquanto são reduzidos o salário e a aposentadoria do cidadão), a imprescritibilidade dos casos de corrupção, além de uma democracia mais direta e a economia a serviço das pessoas – não o contrário.

As bases do movimento estão consolidadas. Agora é preciso definir melhor as estratégias de ação. Os governos não deveriam se alegrar com a aparente perda de fôlego dos indignados, porque eles já demonstraram sua capacidade de mobilização. Nas praças da Espanha, ainda se pode ler esta advertência: “Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”.

Benoit Cros é jornalista e formado em história, é ativista do Movimento dos Indignados

http://impresso.em.com.br/

ESTADO DE MINAS, Caderno Pensar, 18-6-2011. Enviada por José Carlos.

 

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