A corrida da ascensão social

Nos últimos 14 anos, 73% das famílias brasileiras mudaram de classe. Trata-se de uma mobilidade superior à vista nos EUA, na Suécia e no Canadá em período tão curto de tempo

Ana DAngelo, Victor Martins e Sandra Kiefer

Muito se tem falado da nova classe média brasileira, um contingente de mais de 30 milhões de pessoas que saiu das camadas mais baixas e se tornou a base de sustentação do consumo no país. Essa é a face mais badalada da mobilidade social vivida pelo Brasil, beneficiado por um período de estabilidade econômica sem precedentes em mais de três décadas. Mas um levantamento da Consultoria IPC Maps, que acaba de sair do forno, revela um movimento de transformação bem mais robusto: 73% das famílias melhoraram de vida e experimentaram algum tipo de ascensão social nos últimos 14 anos.

Trata-se de uma das maiores taxas de mobilidade vistas no mundo em um prazo tão curto de tempo, acima dos registrados em países como a Suécia (51,5%), Canadá (50,1%) e Estados Unidos (48%). São 143,8 milhões de brasileiros que passaram a viver melhor e a satisfazer demandas reprimidas ao longo de anos, como a casa própria, o primeiro veículo, a televisão LCD, a internet em casa, a TV a cabo, a viagem de férias com toda a família para a praia — e, acima de tudo, educação e saúde. “O controle da inflação, a formalização do mercado de trabalho e o acesso facilitado ao crédito empurraram os brasileiros para o consumo. Não à toa o país retomou o ciclo sustentado de crescimento, com excelentes perspectivas”, analisa Marco Pazzini, diretor da Consultoria IPC Maps.

O resultado é que a participação de famílias na base da pirâmide, a classe E, encolheu: pelo menos 20,5 milhões de pessoas deixaram a zona da pobreza, pois viviam com renda familiar de, no máximo, R$ 705, e passaram a ocupar os extratos de renda logo acima, da classe D e C, conforme reforça estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Seguindo o mesmo movimento, outras 2,5 milhões que já estavam na D galgaram os degraus até a C — que hoje totaliza 103 milhões de cidadãos, mais da metade da população do Brasil. Com isso, o orçamento engordou e ficou mais folgado. Mas o maior crescimento em termos percentuais ocorreu nas classes B e A, nas quais os rendimentos mensais estão acima de R$ 4.854 e de R$ 6.329, respectivamente. Cerca de 6,6 milhões de pessoas passaram a integrar o topo da pirâmide.

Muito esforço

As estatísticas já destacam um segundo movimento mais forte, desta vez da classe C em direção à B. De 2010 para cá, enquanto a primeira cresceu 7,3%, a turma do segundo grupo mais alto da pirâmide social engordou 10,2%. “Agora, a nova onda de migração é para a classe B”, garante Pazzini. “Isso vai ocorrer por ser o grupo melhor qualificado profissionalmente para defender renda maior em um ambiente de continuidade do crescimento econômico”, diz.

O mercado está de olho na classe C, pelo seu tamanho e potencial de consumo, com poder de compra estimado em R$ 700 bilhões, maior que os dos segmentos do topo, A e B. “É a maioria da população e já pode eleger sozinha um presidente da República”, lembra o economista Marcelo Neri, professor da FGV. Deve-se, principalmente, à nova classe C a mudança do formato da pirâmide social, que passou do histórico triângulo invertido para um losango.

Na classificação da FGV, já está no degrau mais alto da pirâmide, ocupando a classe A, quem tem rendimento acima de R$ 6.329. Neri diz que as faixas de renda adotadas pela FGV retratam a classe média mundial. “Não é de fato a norte-americana, que tem dois carros na garagem”, avisa. De qualquer forma, diz ele, ser classe média é mais um estilo de vida. “É esperar um futuro melhor, querer subir na vida”, afirma. Talvez isso explique por que o bilionário empresário Eike Batista, com fortuna avaliada em US$ 30 bilhões e sempre em busca de novas oportunidades, se diz classe média.

Estudo faz a diferença

Ana DAngelo, Victor Martins e Sandra Kiefer

Da favela para um bairro nobre de Belo Horizonte. De uma renda familiar menor que um salário mínimo para R$ 27 mil. Da base para o topo da pirâmide social. No caminho, muito estudo. “É diferente de ganhar na Mega-sena. A mudança não é do dia para a noite nem tampouco está vinculada ao que a gente é capaz de consumir, mas sim ao que é capaz de produzir que seja duradouro”, ensina o procurador-geral do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas, José dos Passos Teixeira de Andrade, usando terno Hugo Boss comprado em Nova York e dono de carro Honda Civic ano 2009.

O menino, que chegou há 34 anos à favela Beco do Cíntia, aos 8 anos de idade, com a mãe e quatro irmãos, fala isso porque coleciona méritos conquistados, um por um em seus 42 anos de vida – desde os bicos de office-boy e de ajudante de pedreiro à aprovação num dos cursos mais concorridos do país, na Universidade Federal de Minas Gerais, aos 24 anos. E isso foi alcançado depois de passar um ano e meio estudando sozinho em casa, porque não conseguia pagar faculdade particular. Ser aprovado no concurso de procurador do Estado em 1991, um dos melhores cargos da área jurídica, já era esperado depois de uma trajetória dessas. E pensar que Andrade só passou a frequentar a escola a partir dos 12 anos. É uma guinada e tanto na vida.

O procurador é casado com uma policial militar. A renda minguada do passado soma hoje R$ 27 mil. Deixou para trás a dura realidade do Beco do Cíntia, onde era obrigado a atravessar uma passagem de pouco mais de meio metro, com esgoto correndo a céu aberto, para chegar em casa. “Educação é fator de diferenciação social. Quanto maior a escolarização, maiores as chances de ascensão”, destaca a antropóloga Luciana Aguiar, sócia-diretora da consultoria Plano CDE.

Desafios

Apesar dos diversos casos de sucessos dos membros da classe média que miraram o estudo como meio de ascensão social, os especialistas estão céticos quanto à continuidade desse processo. “Interpreto esse momento mais como uma bolha, pois não está havendo planejamento de longo prazo que melhore a capacidade dessa população para ter acesso ao mercado de trabalho cada vez mais exigente. Temo que possamos estar queimando essa oportunidade”, alerta o sociólogo Marcel Bursztyn, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ele, a China tem combinado o robusto crescimento econômico com melhoria no sistema produtivo e na capacitação da mão de obra. O geógrafo Aldo Paviani, também professor da UnB, é da mesma opinião. “Existe uma lacuna, que é a qualidade do ensino, principalmente na parte intermediária”, afirma. “É fundamental para a economia um ensino médio robusto, com escolas que preparem os alunos para o trabalho”, diz.

ESTADO DE MINAS, 19-6-2011
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Enviada por José Carlos.

 

Comments (1)

  1. Ao ler a matéria acima, fiquei pasmo ao ver a falta de valor dada a educação.
    Somente ela controla a violência, a saúde e traz prosperidade ao país.
    Não posso deixar de falar que me sinto orgulhoso em saber da história de vida do Dr. José dos Passos Teixeira de Andrade, que com afinco e dedicação galgou com seus próprios méritos o seu sucesso e hoje é Assessor Jurídico Chefe da SEDS/MG além, claro de Procurador do Estado. Vale dizer aos jovens de hoje: “mirem-se no exemplo…”

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