‘Fazer floresta’ aprofundará conflitos no campo

A expansão do monocultivo do eucalipto numa microrregião de Mato Grosso do Sul, a partir de equivocada concepção de que para gerar lucros há que erguer florestas artificialmente, faz parte da”nova roupagem de uma velha garrafa”, que atenta contra os ritmos de crescimento ditados pela natureza, e só gerara mais conflitos no campo, assegura Mieceslau Kudlavicz, membro da Comissão Pastoral da Terra/MS.

Em 25 de março deste ano, Mieceslau Kudlavicz, agente da Comissão Pastoral da Terra de Três Lagoas/MS, apresentou sua dissertação de mestrado em geografia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) embasado na sua pesquisa: “Dinâmica Agrária e Territorialização do Complexo Celulose/Papel na Microrregião de Três Lagoas”. O estudo, conseqüentemente, atinge o impacto que causa o monocultivo do eucalipto na referida microrregião; que na atualidade é sede da maior fábrica de celulose do mundo, “fruto da parceria entreIP/VCP (International Paper e Votorantin Celulose e Papel) com um investimento de aproximadamente Três bilhões de reais”, segundo o autor da pesquisa.

Para entender a realidade atual desse fenômeno o trabalho buscou dar resposta a como ocorreu à reorganização da posse e do uso do espaço agrário nos últimos 10 anos naquela região. Ao mesmo tempo descobrir e definir a complexidade da aliança entre “o capital industrial nacional/internacional e o capital agrário local, bem como o papel do poder público por meio dos incentivos fiscais e facilidades creditícias”.

Em relação à escolha do tema de sua pesquisa de mestrado o militante social e defensor de direitos humanos da CPT disse que em primeiro lugar foi porque o tema em questão não tinha sido objeto de maior investigação nas universidades. Mieceslau foi motivado, ainda, ao testemunhar a acelerada transformação e configuração territorial da microrregião, da qual ele é um profundo conhecedor. Tais transformações têm relação, entre outros fatores, segundo ele, pelo acordo entre as indústrias de celulose e papel da International Paper |(IP) e da Votorantin Celulose e Papel (atual FIBRIA). “Como agente da Comissão Pastoral da Terra acompanhei durante vários anos a luta dos camponeses nessa região, já detendo algum conhecimento empírico dos processos que se davam nessa realidade. Entendi que se apresentava a oportunidade para me debruçar na investigação mais apurada das mudanças que ocorreram nas últimas décadas, tendo em perspectiva que atualmente se desenha um processo novo e mais acelerado de desenvolvimento do capital”, manifesta o autor do estudo ao se referir a suas motivações pessoais.

O desafio de estudar a transfiguração territorial causada pelo monocultivo do eucalipto levou ao agente da CPT a entrar em contato com diversos setores da sociedade envolvidos na questão. Assim falou como membros das comunidades que sofrem as conseqüências desse processo; com os que promovem as indústrias de celulose e com o Estado que apóia a dinamização desse setor da economia brasileira, entre outros.

“Fazer Floresta… esse é o modelo”

Mensagens e programas para tentar minimizar os impactos negativos que causam a expansão do plantio de eucalipto, no meio ambiente, na democratização da estrutura fundiária, no aumento da concentração de terra, no crescimento de marginalizados que os gigantes da celulose colocam na beira do sistema, e a ideologia da re-valorização de um modelo que vai de contra mão à necessária reforma agrária, inundam as cidades, ruas e estradas da microrregião de Três Lagoas. Os defensores do modelo, entre eles o governo do Estado e a administração municipal de Três Lagoas, apostam na mega-divulgação do êxito que a indústria da celulose gera no PIB. A pesquisa de Kudlavicz resgata a comemoração freqüente do aumento do PIB no Estado, que foi de 13% e no município de 300%, por conta do milagre do “vale da celulose”.

De entre as mensagens lançadas pelos defensores do setor de celulose, a pesquisa resgata também uma inovação voltada a propagandas de ação positiva. Uma delas é que para garantir “negocio sustentável” e “lucro admirado” é preciso “fazer floresta”. O engenheiro florestal Joésio Deoclecio Perin Siqueira, sócio-diretor da STCP-Engenharia de Projeto Ltda., durante o II Congresso Estadual de Florestas, que aconteceu o ano passado em Campo Grande/MS, falou “várias vezes” durante sua palestra, segundo a pesquisa de Mieceslau, de “fazer floresta”. Este diz ao respeito que “inúmeras vezes durante a palestra, o sócio-diretor usou a expressão ‘fazer floresta’ para falar de plantio de eucalipto. Esta expressão nos conduz a uma reflexão de que realmente estão trabalhando com a idéia de que o plantio de eucalipto são produtos industriais e pouco tem a ver com os ritmos de crescimento ditados pela natureza. São totalmente modificados e obedecem a um crescimento conduzido/dirigido pela mão do homem. Ou seja, desde a produção da muda até o produto final, seja ele, carvão, madeira ou celulose/papel, tudo faz parte da cadeia de produção industrial”.

Porém o sócio-diretor da STCP, segundo a pesquisa, foi mais longe ao tentar criticar o “discurso ecológico”. Perin Siqueira afirmou que “a maioria das pessoas não sabe nem o que estão falando, mas dizem que querem sustentabilidade. Não sabem a diferença entre sustentável e sustentável. Estão ai falando e nós vamos ouvindo e nós somos capazes de proporcionar uma resposta mais adequada. Todo mundo fala em sustentabilidade, e a sustentabilidade relaciona-se não única e exclusivamente pelo econômico, social e ambiental, não. Sustentabilidade está intimamente ligada à grana, dindim. Não me venham com essa conversa de que eu quero ambientalmente satisfatório, ecologicamente correto. Nada disso; sem dinheiro não tem chance disso ocorrer […] Então sustentabilidade está relacionada à possibilidade de geração de recursos. E esses recursos têm de ser recursos financeiros, até mesmo para consertar as besteiras ambientais que você fez pra frente. Nós só vamos conseguir desenvolver se nós tivermos um modelo de empresas âncora. Essas empresas é que trazem o verdadeiro desenvolvimento. Agridem o ambiente? Agridem. Traz resposta econômica? Traz. É bom? Aí a decisão é de vocês. Vocês é que tem de pensar se isso é bom. Mas esse é o modelo.”

“Negócio sustentável e lucro admirado”

No mesmo II Congresso Estadual de Florestas, de acordo à referida pesquisa, Ernesto Takahashi, como representante de Votorantim Celulose e Papel (VCP), atual FIBRIA, durante sua palestra “educação ambiental-conservação do solo”, afirmou também que a conservação do solo “é um negocio sustentável”, e que ela é para “atender o interesse da empresa, porque ela possui maquinários que custam 500 mil dólares”. Para o pesquisador da CPT isto é porque para dito setor a conservação do solo “está diretamente relacionada com dinheiro. Quanto maior a quantidade de matéria orgânica no solo, maior é a produtividade e isso significa mais dinheiro”.

Outro palestrante, durante o referido Congresso, foi Marcelo Castelli, Diretor Florestal da FIBRIA, quem falou da “sustentabilidade do setor florestal”. Castelli assinala que a missão da empresa é “Desenvolver o negócio florestal renovável como fonte sustentável da vida. Isto é extraindo valor da floresta seja através da celulose ou de outros usos alternativo. Gerar lucro admirado, associado à conservação ambiental, inclusão social e melhoria da qualidade de vida”. Ainda, segundo o estudo em questão, Castelli, explicou o que é lucro admirado: “Você tem de ser lucrativo. Você tem contas a prestar para seus acionistas, para a sociedade. Nenhuma empresa fará nada de bem e de bom para a sociedade se não for lucrativa, se não tiver um resultado para que sustente as suas operações, as suas intenções. Então este lucro tem de ser admirado. É mais ou menos assim; puxa esses cara tiveram um bom lucro; mas sabe legal; eles merecem porque eles fazem uma coisa muito bacana. São balanceados!”.

Vagões ecológicos

Em quanto às mensagens, os “vagões verdes” da FIBRIA espalha pela região estes slogans: “Reciclar o presente é viver o futuro”; “Não maltrate os animais”; “Sustente o seu futuro, seja consciente no presente”; “Descarte pilhas usadas em lugar apropriado”; “Economize água”; “Aqui prosperidade e sustentabilidade viajam juntas”; “Invista no futuro, não gaste energia”; “Denuncie a exploração sexual infantil”; “Respeite as pessoas, você é uma delas”; “Denuncie o trabalho infantil”; “Faça revisões periódicas em seu veículo”; “Valorizar as pessoas é ser humano”; “Queimadas: vamos apagar do nosso consciente esse problema”; “Utilize lâmpadas que proporcionem economia”; “Denuncie o tráfico de animais silvestres”; “Respeito pela terra é compromisso com o futuro”; “Você escolhe o que planta, respeite a terra”; “Mantenha as torneiras bem fechadas”; “Aproveite a luz natural”; “Valorize o trabalho voluntário”; “Poluição do ar: essa atitude cheira mal”; “Preserve a terra você sabe onde pisa”; “Separe o lixo doméstico para a reciclagem”.

Em relação a essas frases visíveis escritas nos vagões da FIBRIA que transportam a pasta de celulose produzida em Três Lagoas para portos marítimos, Miecelsau Kudlavicz, reflete: “À primeira vista estas mensagens podem parecer conselhos dados por pais aos seus filhos no intuito de educá-los para cuidar da natureza, enfim do ambiente como patrimônio de todos no presente e daqueles que virão no futuro. Ou então de cidadãos preocupados com a natureza maltratada que geme e grita por socorro porque não agüenta mais a agressão praticada pela ganância sem limite do homem. Mas não são. Como também não são conselhos dados por quem está preocupado com a saúde do planeta. Os que elaboraram e veiculam essas frases não pertencem a nenhum grupo organizado em defesa da natureza, preocupados em por freio ao insaciável consumismo capitalista que a tudo transforma em mercadoria”.

Para ele a idéia e objetivo central dessas empresas gigantes, que impedem ter um ambiente que garanta qualidade de vida, é justamente transferir seus passivos ambientais para toda a sociedade. Seria como centralizar o lucro gerado pela exploração dos recursos naturais e socializar os prejuízos gerados ao meio ambiente para a sociedade toda. Os “convites” são explícitos.

Impactos: Nova roupagem para velha garrafa

Segundo o responsável da pesquisa, durante o citado II Congresso Estadual de Florestas não houve nenhum apontamento das conseqüências negativas da expansão destes plantios de uma só espécie. Ao contrario, só se escutou uma defesa unânime do monocultivo. “Dessa forma, indica o estudo, ficou explícito durante o evento que o interesse maior está na expansão do monocultivo do eucalipto, porque é de crescimento mais rápido e é a única espécie de árvore no Brasil da qual se extrai a celulose de fibra curta, onde a maior parte da produção é destinada para exportação. É esse tipo de celulose que está sendo produzida pela FIBRIA em Três Lagoas, sendo também o produto da recente empresa Eldorado, em processo de construção”.

Miescelau aponta que alem dos impactos negativos para a população em geral, já referida nesta matéria, a eliminação do emprego no campo e a degradação das comunidades rurais são inegáveis. Além disso, a expansão da cultura do eucalipto está acompanhada do aumento de conflitos decorrentes da disputa de terras ocupadas pelos camponeses, quilombolas e indígenas, da precarização das relações trabalhistas e da degradação ambiental. Enfatiza que tudo faz parte da “nova roupagem” de uma “velha garrafa”.

 

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=57411

 

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