Lúcia Pires – Resende
Quando se fala em quilombo, logo vem à mente a imagem de centros comunitários fundados por escravos em busca da liberdade. Em Resende, uma comunidade fundou no final do século passado o Quilombo da Paz, com o objetivo de abrigar projetos que possibilitassem novos horizontes para seus jovens e os tirasse do mundo das drogas e de uma vida marginal.
Para um dos fundadores do quilombo – o autônomo Francisco José, de 57 anos, mais conhecido por Cobra Azul -, o projeto conseguiu ajudar muitas crianças, adolescentes e jovens, e todo o esforço voluntário valeu e continua valendo a pena.
– O Quilombo da Paz foi criado como um projeto da Associação Cultural Boi Bumbá. Tudo começou há 22 anos, em 1989. Naquela época nosso bairro (Vila Vicentina) era considerado um dos locais mais violentos da cidade. Na festa de malhação de Judas tivemos o assassinato de dois rapazes, e a comunidade ficou muito preocupada porque estávamos perdendo nossos jovens para as drogas, o crime. Foi então que resolvemos unir as forças e fazer alguma coisa em conjunto. Passamos a reunir as crianças para brincar de boi-bumbá, mas a fama de bairro violento era tanta que as pessoas dos outros bairros não queriam vir aqui; nós é que tínhamos de ir aos outros bairros para mostrar o nosso trabalho. A situação melhorou quando um amigo nosso veio do Pará para trabalhar em Resende. Ele ensinou para nós como fazer o Boi de acordo com a festa de Paraitins – relembra Cobra Azul, ressaltando que muitos moradores se apresentaram como voluntários para trabalhar em conjunto na produção.
– No bairro já existia o grupo Viva Maria, outro da comunidade negra e a Pastoral da Criança; daí nós juntamos todo mundo e criamos o projeto Quilombo da Paz. Nós produzíamos artesanatos com material reciclado, aulas de teatro, escolinha de futebol e aula de reforço escolar. Começamos a produzir bonecos gigantes como os de Olinda e trabalhamos com papel marche. Nosso objetivo era manter as crianças longe do calçadão de Resende e das drogas. Conseguimos ajudar muitos deles, porém muitos se perderam depois dos 14 anos. Era difícil manter essa garotada depois de uma certa idade, porque aí já não tínhamos mais atividades. Nosso trabalho era todo na base do voluntariado. Nós tirávamos do nosso bolso para manter o projeto, era difícil. A sede foi construída com o esforço da comunidade. Fazíamos bingos, festas, arrecadávamos tudo que era possível para comprar o material de construção. O terreno foi doado pela prefeitura através da Câmara de Vereadores – contou.
A construção da sede do Quilombo contou também com ajuda dos funcionários da antiga Xerox. Cobra Azul conta que eles se reuniram e fizeram um leilão de sucatas. Na ocasião foram arrecadados cerca de oito mil reais, que logo foram convertidos em material de construção.
– Com o dinheiro do leilão e mais a sucata que sobrou começamos a construção. Compramos muito cimento, areia, ferro, e fizemos a base. O padre Jorge também ajudou muito. Não contamos com a ajuda de nenhum político, apenas com o trabalho da comunidade e a ajuda da Igreja. Antes atendíamos apenas a cem crianças; hoje, para nosso alívio, a prefeitura fez uma parceria com a gente. Nós não tínhamos mais como manter essas crianças só na base do trabalho voluntário. Agora, com a ajuda da prefeitura, as crianças continuam sendo atendidas e o projeto, que começou como uma brincadeira de boi, hoje representa muito na nossa comunidade. – conclui Cobra Azul.
Boi-Bumbá
A Associação Cultural Boi-Bumbá foi criada no bairro Vila Vicentina com o objetivo de zelar pelas crianças da comunidade. Por meio do projeto Quilombo da Paz, ela vem trabalhando com as questões sociais e culturais da comunidade. Presidida pelo carnavalesco Cobra Azul, personagem lendário do carnaval resendense, a associação participa da folia desde 2003. O trabalho do bloco foi destacado no filme “Rio de Janeiro Sagrado”, documentário que fala sobre a festa profana e suas raízes na cultura afro-brasileira.
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