Cobras e lagartos virtuais

É cada vez maior o número de demonstrações de intolerância, preconceito e racismo nas redes sociais. O Twitter é o campeão das ofensas

Imagine o que têm em comum o músico Ed Motta e a estudante de direito Mayara Petruso? Aparentemente nada, mas ambos ganharam os holofotes nacionais por conta de seus destemperos em redes sociais – e as consequências que os impropérios virtuais impensados lhes renderam.

Mayara ficou conhecida em novembro do ano passado, quando, irritada com a vitória de Dilma Rousseff nas eleições para a Presidência da República, publicou mensagens de ódio contra nordestinos em seus perfis de Twitter e Facebook: “Nordestino não é gente. Faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado!”. Na última quinta-feira, 2, a Justiça Federal em São Paulo aceitou denúncia do Ministério Público Federal pedindo a abertura da ação contra a moça e ela tornou-se ré em um processo criminal por racismo.

Já o cantor e compositor voltou a ser notícia em meados de maio, quando valeu-se de sua página no Facebook para o que ele classificou, posteriormente, de fazer “comentários infelizes”. “ (Estou em) Curitiba, lugar civilizado, graças a Deus. O Sul do Brasil, como é bom, tem dignidade isso aqui. Frutas vermelhas, clima frio, gente bonita. Sim porque ooo povo feio o brasileiro, (risos). Em avião, dá vontade chorar (risos). Mas chega no Sul ou SP gente bonita compondo o ambiance (risos)”. E foi além, falando mal de vários músicos e tecendo críticas às mulheres. Quando o caso veio à tona, pediu desculpas publicamente e disse estar “com uma vergonha gigante”.

Infelizmente, casos como os de Ed Motta e Mayara Petruso não são isolados. As demonstrações de intolerância, preconceito e racismo nas redes sociais são cada vez mais frequentes no Brasil. É o que aponta a pesquisa Intolerância nas Redes, realizada pela MITI Inteligência e recém-divulgada. Segundo dados deste levantamento, a que O POVO teve acesso, os usuários de redes sociais do Brasil estão usando essas mídias para fazerem comentários cada vez mais ofensivos.

Em apenas cinco dias de análise, a pesquisa apurou que redes sociais foram veículo para 38.633 ataques digitais, com termos pejorativos, a empresas, personalidades ou pessoas comuns, atribuindo inclusive nomes e referências. O levantamento ocorreu entre os dias 2 e 6 de abril deste ano, e analisou redes sociais variadas (Twitter, Facebook, Youtube, Fóruns, Blogs e Sites de Reclamação).

A mídia social com o maior número de casos registrados é o Twitter. Nele aconteceram 20.846 ou 53,96% dos “palavrões” monitorados no período. O Facebook aparece em segundo lugar da lista, com 15.881 ou 41,11% do total de interações desse tipo.

“Pessoas comuns abrem seus perfis nos canais de relacionamento, criam identidades virtuais e expõem opiniões e experiências de forma aberta e muitas vezes intempestiva. Os comentários na rede estão cada vez mais inflamados e os usuários não se intimidam ao se referir a empresas, personalidades e até pessoas próximas utilizando os mais diversos termos pejorativos”, comenta Elizangela Grigoletti, gerente de inteligência e marketing da empresa que coordenou o estudo.

Intolerância

O estudo mostra que o Bullying é campeão em interações nas redes sociais. No período de análise, foram capturadas 7.062 mensagens sobre o tema. Bullying virtual e Ciberbullying, termos mais específicos para problemas dessa ordem no universo digital, possuem menos comentários, apenas 310 e 182, respectivamente.

A pesquisa ainda mostra que preconceito e outras formas de discriminação também viraram assuntos recorrentes nas redes sociais. Entre esses outros tipos de crimes, a palavra-chave Preconceito apresentou o maior volume de interações. No período analisado, foram divulgadas 6.456 mensagens sobre o tema, representando 51,95% das interações totais.

Racismo é a palavra com o segundo maior número de menções, com 4.504 citações ou 36,24% do total analisado. Intolerância foi a terceira palavra-chave, e representou os 11,81% restantes da pesquisa, com 1.467 interações monitoradas (veja quadro nesta página).

São justamente essas demonstrações de ciberbullying, com a ridicularização sistemática de alguns usuários por outros, que despertam a discussão sobre o ordenamento da liberdade de expressão na Internet, território aparentemente sem lei. Mas só aparentemente, pois engana-se quem pensa que pode cometer qualquer ofensa na web sem ser punido. Hoje, existem no Brasil, pelo menos 11 delegacias especializadas em crimes virtuais (o Ceará ainda não possui esse tipo de unidade). Apesar de serem poucas e funcionarem de forma independente, essas unidades registram dados crescentes de denúncias e reclamações.

Segundo a pesquisa, somente no Distrito Federal o número de crimes cibernéticos registrados em 2010 duplicou em relação a 2009. No ano passado, a Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia do Distrito Federal (Dicat) recebeu 1.650 denúncias, a maioria ligada a crimes contra a honra – como difamações e injúrias.

De acordo com Cristiano Therrien, coordenador de Tecnologia da Informação da Prefeitura de Fortaleza, ainda não existem projetos para a criação de delegacias especiais para crimes virtuais na capital. “O fortalezense que se sentir ferido em sua honra precisa recorrer a outros procedimentos na hora de denunciar esse tipo de delito, como o registro de ata notorial em cartório”, declara.

Nesse tipo de ação, o cidadão vítima de crimes contra a honra procura um cartório de títulos e documentos, para produzir prova do delito. Após o oficial de cartório verificar a evidência, ele poderá emitir uma ata notorial certificando o abuso. Com o documento em mãos, a vítima pode iniciar uma ação criminal contra o agressor, em qualquer juizado especial federal.

Carlos Mazza – ESPECIAL PARA O POVO

http://www.opovo.com.br/app/opovo/tendencias/2011/06/04/noticiatendenciajornal,2252946/cobras-e-lagartos-virtuais.shtml

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