Indígenas prometem reagir contra lei do zoneamento em MT

O povo indígena Manoki (também conhecido como Irantxe) teve finalmente a chance de se posicionar publicamente depois que descobriu que a Terra Indígena Irantxe foi sumariamente excluída do texto da lei do zoneamento socioeconômico e ecológico de Mato Grosso (ZSEE).  “Estamos tendo conhecimento agora sobre o que significa essa lei.  É a primeira vez que estamos participando de uma discussão.  O zoneamento veio para acabar com a gente”, afirmou Bernardino Tupixi, diante de cerca de 250 pessoas que compareceram ao seminário “Zoneamento de Mato Grosso: avaliação e perspectivas”, realizado no dia 27 de maio, em Cuiabá.  O governo estadual foi chamado para participar do evento, mas recusou o convite.  Por sua vez, representantes Suiá, Myky, Manoki, Enawene Nawe e Karajá compareceram em peso.

A terra indígena onde Bernardino vive com sua família e mais 400 indígenas localiza-se no município de Brasnorte e está totalmente regularizada junto à União desde 2008, mas desapareceu do texto da lei 9.523 de 20 de abril de 2011, sancionada pelo governador Silval Barbosa após sofrer drásticas alterações na Assembleia Legislativa de Mato Grosso.  Os parlamentares desvirtuaram 20 anos de discussões com a sociedade e a lei aprovada pelo governo contrariou sua própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) e sua Procuradoria Geral do Estado, que emitiram formalmente pareceres recomendando a rejeição da lei do zoneamento, em sua 3ª versão.

A Terra Indígena Manoki, do mesmo povo, está declarada, mas ainda não teve seu processo de regularização concluído.  Mesmo assim, de acordo com a Constituição Federal, os indígenas têm direito ao território tradicional, independentemente da etapa de regularização em curso.  Só que no mapa da lei do zoneamento, a TI Manoki foi incluída com uma configuração no mínimo estranha.  “Algumas terras indígenas aparecem hachuradas no mapa e a sua descrição se encontra no rol das convenções cartográficas, como as estradas, os rios, as cidades.  Sob a hachura, o que prevalece é a categoria de uso do solo determinada pelo zoneamento, muitas vezes indicando uso intensivo onde se trata de área protegida.  Isso confunde a sociedade e pode confundir o próprio estado ao licenciar empreendimentos e propriedades onde existe uma terra indígena”, explica Juliana Almeida, gestora do Programa Mato Grosso da OPAN.

O Ministério Público Federal, atento às inconsistências técnicas do zoneamento, prometeu agir.  “Isso é uma violação da legislação federal.  Eu vejo com perplexidade a quantidade de problemas técnicos.  Está patente a inconstitucionalidade desta lei”, afirmou a promotora do MPF em Mato Grosso, Marcia Zollinger.  Segundo ela, o MPF estuda entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o zoneamento de Mato Grosso.  O Ministério Público Estadual, representado pelo promotor Domingos Sávio, também avisou que questionará esta lei na Justiça.

De acordo com análises da OPAN, a lei do zoneamento de Mato Grosso excluiu do texto 13 das 68 terras indígenas previstas na primeira versão da lei, além de incluir a Terra Indígena Gleba Iriri nas diretrizes, mas não no mapa.  As terras indígenas eliminadas representam cerca de 2 milhões de hectares.

Sérias implicações ambientais Assim como na proposta do novo Código Florestal aprovado em maio na Câmara dos Deputados, vários dispositivos que constam na lei do zoneamento mato-grossense induzem a novos desmatamentos.  Um dos principais problemas se refere à proteção dos recursos hídricos, que sofreu uma redução em área de cerca de 80%.  De acordo com análises do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM), a lei representa mais 50 mil km2 de desmatamento, comparado aos índices atuais, além de uma redução no estoque de carbono na floresta da ordem de 3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, o que compromete em cheio os compromissos brasileiros assumidos na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, onde prometeu reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia até 2020.  “O desempenho de Mato Grosso corresponde a 60% da meta do Brasil de redução do desmatamento”, lembrou André Lima, do IPAM.

Análises do Ministério do Meio Ambiente (MMA) apresentadas no seminário mostraram que o zoneamento é permissivo em diversos pontos.  “Ele indica que as lavouras de cana podem se expandir pela Bacia do Alto Paraguai e Amazônia, além de impedir a criação de unidades de conservação em áreas com potencial para mineração ou hidrelétricas.  Não há embasamento técnico”, aponta Bruno Miguel, analista ambiental do MMA.  Outros indicativos claros de que o governo de Mato Grosso não está investindo em governança florestal foram revelados pelo Instituto Centro de Vida (ICV).  “O estado ainda não fez sua lista de áreas embargadas.  O corte ilegal responde por 94% de todo o desmatamento em Mato Grosso.  Isso mostra o despreparo do estado em lidar com isso”, explicou Laurent Micol, do ICV.

O vereador de Cáceres, Alonso Batista (PT), relatou que a participação social nas 15 audiências públicas promovidas pela Assembleia Legislativa foi camuflada com um ar de democracia, mas os pleitos sociais não foram contemplados na lei do zoneamento.  “Havia uma pressão nacionalista muito forte.  Os deputados chegaram a revelar que não podiam acatar a opinião dos movimentos sociais.  Ninguém sabia o que estava sendo votado.  Isso é democrático?”, questionou Batista.

“Por que o governo estadual não nos chamou para conversar?  Não vamos baixar a cabeça para algo que vai ferir o nosso futuro”, avisou Makupá Kaiabi.  “Ninguém vai mexer no nosso patrimônio.  Esse zoneamento vai gerar mais clima de tensão.  Por que não reagiram até agora?  Será preciso que alguém morra?”, indagou Daniel Koxini, da etnia Karajá, que também viu a sua Terra Indígena Cacique Fontoura desaparecer subitamente do zoneamento de Mato Grosso.

 

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