Por Maristela Lopes
Falta de água potável, falta de titulação e demarcação das terras dos quilombolas e indígenas, falta de escolas, de posto médico.
Esses são alguns dos exemplos de violação dos direitos humanos que constam no Relatório da Missão à Petrolina e região do Rio São Francisco, apresentado pela Plataforma Dhesca Brasil – Rede Nacional de Direitos Humanos, que congrega entidades ligadas às redes de direitos humanos da sociedade civil.
O relatório foi apresentado oficialmente pelo sociólogo Sergio Sauer, no plenário da Assembléia Legislativa de Pernambuco, no dia 22 de fevereiro.
Sauer fez um breve relato das principais demandas e recomendações do relatório, frisando que todo o trabalho foi estruturado a partir da coleta de depoimentos e denúncias dos integrantes das comunidades de Pernambuco atingidas pelas obras de transposição do rio São Francisco e pela construção de barragens no semi-árido.
Ele lembrou que a missão de verificação in loco aconteceu em outubro de 2010, com visitas aos municípios de Petrolina, Santa Maria da Boa Vista e Cabrobó, região do sertão do São Francisco, onde está concentrado grande número de assentamentos da Reforma Agraria.
Para ele, essas obras “violam os direitos humanos dessas populações, principalmente o direito à terra e território. E nem as obras de compensação como habitação adequada e escolas até agora foram cumpridas”.
O documento assinado em 2008 entre o Ministério da Integração e o Incra nacional, que garantia compensação das perdas de lotes individuais e das áreas dos assentamentos da Reforma Agrária com a construção de dutos da transposição, não foi cumprido.
As comunidades tradicionais como os quilombolas e indígenas e moradores dos assentamentos da Reforma Agrária são os principais atingidos pela transposição do São Francisco e pela construção de barragens de Riacho Seco e Pedra Branca, ambas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
À margem da cidadania
A área da comunidade quilombola de Cupira formada por 200 famílias, e que fica localizada à margem do São Francisco, não possui água potável. O atendimento médico só é possível há 18 quilômetros, sendo que os casos mais graves são levados para Petrolina, distante há 100 quilômetros. E essa área será totalmente inundada com a obra da Barragem do Riacho Seco.
Fernanda Rodrigues, representante dessa comunidade e uma das coordenadoras do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), denunciou durante o lançamento do relatório “a falta de respeito com a história de mais de duzentos anos de meu povo. Para nós, a terra não é somente um espaço. É o nosso território, é onde vivemos com nossas tradições e manifestações culturais”.
Ela disse ainda que as empresas que chegam por lá querem interferir até mesmo “na nossa cor dizendo quem é ou não é quilombola”. Esse exemplo se expressa como uma negação ao que diz a Constituição brasileira, que garante o direito fundamental de ser quilombola. Das 18 comunidades reconhecidas daquela região, nenhuma até agora possui título territorial.
Na comunidade de Jatobá, no município de Cabobró, as 116 famílias mesmo vivendo às margens do São Francisco, não contam com água. O relatório registra que Codevasf instalou os canos, com a promessa de água potável, mas simplesmente não há fornecimento de água.
Escolas e postos de saúde, como obras de compensação também não foram realizadas. Com isso, crianças e adolescentes para frequentarem a escola precisam se deslocar a cidades em transporte escolar precário – quando ele existe, pois muitas vezes encontra-se quebrado.
Dentre a série de denúncias feitas pelos ribeirinhos, quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais assentados, uma diz respeito à falta de informações oficiais sobre quais são os planos governamentais para essa região.
No documento, consta também que os estudos antropológicos dos povos indígenas Truká e Tumbalalá não foram finalizados e já perduram por muito tempo, cujos territórios não são reconhecidos e nem demarcados, na sua integralidade. Essas áreas, ou serão inundadas ou impactadas por essas obras na região. E diante dessas incertezas têm ocorrido conflitos entre esses povos indígenas e os órgãos governamentais.
Reforma agrária
No acampamento Lagoa da Pedra, do MST, as 103 famílias, embora cadastradas no Incra, não recebem cestas básicas há cerca de quatro meses. A explicação é que não há transporte para a entrega por falta de licitação. E outro agravante é que não existe fornecimento de água para o acampamento. Essas famílias são obrigadas a comprarem a água dos carros pipas, em média por R$150,00 a 200 reais.
Para Edgar Mota, do Setor de Direitos Humanos do MST em Pernambuco, “isso demonstra que estado brasileiro tem sido um grande violador de direitos humanos. Por isso, temos que garantir nossos direitos”.
O Relatório da Missão à Petrolina e região do Rio São Francisco será encaminhado às autoridades federal e estadual. E mecanismos internacionais poderão ser utilizados para que os problemas diagnosticados, as recomendações e denúncias possam ser solucionadas e que a situação vivida na região seja reconhecida como violação dos direitos humanos.
O relatório também será utilizado como forma de dar visibilidade a toda articulação e às mobilizações das comunidades e entidades
envolvidas.
http://www.mst.org.br/Transposicao-do-Rio-Sao-Francisco-viola-direitos-humanos