Realizei uma viagem à região do Alto Rio Negro – AM, entre os dias 23 de outubro e 16 de novembro de 2010, permanecendo no rio médio Tiquié nas comunidades Hupd’äh de Taracuá-Igarapé, Barreira Alta e Nova Fundação. Neste período o rio estava muito seco e levamos dois dias e meio, viajando de bote com um motor 40, para chegar em Barreira Alta, partindo de São Gabriel da Cachoeira (geralmente, com o rio cheio, leva-se 1 dia e meio). Chegando em Barreira Alta fiquei muito chocada com a situação de saúde das crianças Hupd’äh. Todas estavam com gripe, muitas também apresentavam infecções intestinais, que se complicava com desnutrição. Havia uma criança que estava em uma situação gravíssima, com pneumonia aguda e extremamente magra, só pele e osso, a qual não tive coragem de tirar foto. Solicitamos o resgate dessa criança, através da radiofonia, que faz comunicação com as comunidades e o DSEI – Distrito Sanitário Especial Indígena (baseada de São Gabriel da Cachoeira), mas o resgate não veio. Não tinha o que fazer na comunidade, o caso da criança era tão grave que somente a aplicação de soro oral não resolvia a situação. Enquanto isso, tivemos a notícia, através da radiofonia, que três crianças em Taracuá-Igarapé haviam falecido em decorrência da gripe. Neste caso, a equipe de resgate do DSEI conseguiu chegar à Taracuá-Igarapé, mas não a tempo de salvar essas vidas.
Uma outra situação delicada foi o falecimento de 1 jovem Hup, de 16 anos, que se engasgou com uma espinha de peixe. Segundo seu pai, o acidente ocorreu as 15h00 e quando chegou as 19h00 ela não resistiu e faleceu. Assim, fica uma pergunta, será que se houvesse uma equipe de saúde nesta calha de rio, essa jovem não teria sobrevivido? E ainda mais, será que se houvesse um trabalho contínuo de assistência a essas populações, por parte do governo, essas crianças que faleceram não teriam sobrevivido, também? Pois, falecer de gripe e diarréia em decorrência da desnutrição demonstra uma completa falta de organização do sistema de saúde para os povos indígenas.
Não acredito que seja por falta de profissionais, pois o DSEI de São Gabriel da Cachoeira possui enfermeiros e técnicos de enfermagem, embora não haja, até o presente momento nenhum médico contratado e poucos dentistas. Também não posso dizer que é por descaso desses profissionais, pois pelo que percebi, os enfermeiros demonstram interesse e até uma certa angustia por não conseguirem realizar o trabalho, por falta de combustível, alimentação para a equipe de saúde e medicamentos, que deveriam ser fornecidos pela FUNASA- FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE.
Quando residi em São Gabriel da Cachoeira-AM, 2004 a 2007, o DSEI era administrado pela FOIRN- Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. A FOIRN recebia verba da FUNASA para pagamento de profissionais, compra de combustível, alimentação, medicamentos, motores, barcos. Nesta época as equipes de saúde realizavam assistência em todas as calhas de rios da região. No caso do rio Tiquié há dois pólos bases do DSEI, um localizado na comunidade Tukano de São José II, no médio Tiquié e outro em Pari-Cachoeira, no Alto Tiquié. Os pólos bases sempre tinham equipe de saúde atuando, pois quando uma equipe cumpria um mês de trabalho a outra equipe subia o rio para dar continuidade ao trabalho, ou seja havia alternância das equipes e as comunidades tinham assistência durante todo o ano. A partir de 2007 essa realidade mudou e para pior. A FUNASA decidiu contratar uma organização apenas para realizar a parte de recursos humanos, enquanto a própria FUNASA ficaria responsável pela compra de combustível e medicamentos.
A organização, chamada ATESG – Associação dos Técnicos de Enfermagem de São Gabriel da Cachoeira, cumpre seu papel em relação aos recursos humanos, efetuando o pagamento dos profissionais de saúde. Mas a FUNASA, pelo que parece, não supre as necessidades do DSEI-Rio Negro, com a compra necessária de combustível, alimentação e medicamentos para que se torne possível o trabalho das equipes em área indígena. Por este motivo, as equipes estão atuando apenas em pólos estratégicos, mas sem combustível para realizar as visitas às comunidades e prestar assistência às populações. Só neste ano, no médio Tiquié, as comunidades receberam apenas três visitas. Na época de minha pesquisa de campo, entre janeiro e abril de 2010, receberam duas visitas. O certo é que a assistência nas comunidades deva ser durante todo o ano, mas isto não está acontecendo e o resultado de tal descaso, não dos profissionais de saúde, mas sim dos gestores do sistema de saúde indígena/governo, que não toma providências enquanto as crianças indígenas da região, sobretudo as Hupd‘ah, por falta de assistência básica de saúde, morrem de gripe e diarréia.
para Lirian Monteiro, favor entrar em contato comigo, pois morei por lá nove meses, estou no rio de janeiro-rj.