Representação ao MPF/PA em defesa dos indígenas em isolamento voluntário na região de Belo Monte

A Associação de Defesa Etnoambiental KANINDÉ e a Society for Threatened Peoples International (STPI) – Brasil/USA elaboraram uma Representação ao MPF do Pará para denunciar a ameaça à sobrevivência de grupos indígenas em isolamento voluntário na região escolhida para implantação do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte.  Também denunciamos os pedidos de autorização de pesquisa minerária em Terras Indígenas na região da Volta Grande do Xingu e que constam do EIA de Belo Monte. Anexamos vídeos com depoimentos que estão disponíveis nos links http://www.youtube.com/watch?v=DOGMpcUXSEI  e  http://www.youtube.com/watch?v=iEq70whdLPQ  no documento anexo. Aproveitamos para acrescentar o link geral http://www.youtube.com/view_play_list?p=169E4C6A62CF95F6  com outros depoimentos contra a construção de Belo Monte e que foram feitos por Rebecca Sommer durante sua visita ao Brasil e à região do Xingu. A Representação será protocolada no MPF, dia 25 de novembro de 2010, em Santarém. Solicitamos, mais uma vez, o apoio de todas as organizações e movimentos sociais brasileiros e internacionais, pelo email [email protected]

A Representação

EXMO. SR. PROCURADOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARÁ

ASSOCIAÇÃO DE DEFESA ETNOAMBIENTAL KANINDÉ, entidade inscrita no CNPJ sob o nº 63.762.884/001-31, com sede na Rua D. Pedro II, 1892, sala 7, bairro Nossa Senhora das Graças, Município de Porto Velho – RO e ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL PARA OS POVOS AMEAÇADOS (STPI)  Brasil/USA, com endereço para correspondência Caixa Postal 1906  – CEP 06890-000 – São Lourenço da Serra – SP, por seus representantes, vem à presença de V. Exa., com fundamento nos artigos 129, inciso III, e 225, § 1º, inciso IV, da Constituição Federal, bem como nas disposições da Resolução 009 do CONAMA, apresentar a presenteREPRESENTAÇÃOsobre irregularidades no processo de licenciamento no tocante à contrução do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, no rio Xingu, estado do Pará, que vem sendo conduzido pelo INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA) e FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) que, se consumada, poderá ameaçar a sobrevivência de povos indígenas em isolamento voluntário,  pelas razões de fato e de direito adiante expostas.

Não é de hoje que sérias ameaças pairam contra os indígenas em isolamento voluntário na Amazônia e nos chama a atenção o descaso com que esse tema tem sido tratado pelo governo brasileiro, pelas instituições e pelas empresas – estatais e privadas –  interessadas nos grandes projetos hidrelétricos. Inúmeros documentos em processos de licenciamento ambiental de hidrelétricas comprovaram que as instituições responsáveis  sempre tiveram  conhecimento da presença de indígenas em isolamento voluntário em áreas que seriam afetadas direta e indiretamente pelas  usinas.
Esse descaso está acontecendo em pelo menos três dos maiores projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), da área de energia do governo brasileiro: nas Usinas Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, que já estão em construção e, agora, no processo de licenciamento ambiental do projeto Complexo Hidrelétrico  Belo Monte, no rio Xingu, no estado do Pará.

A KANINDÉ e a STPI – Brasil/USA, vêm denunciar a ameaça à sobrevivência de grupos indígenas em isolamento voluntário na região escolhida para implantação do Complexo Hidrelétrico de  Belo Monte.
Como se não bastassem os impactos que podem ser criados pela construção de hidrelétricas nos rios da Amazônia e que afetarão diretamente populações tradicionais e Terras Indígenas, uma nova ameça começa a tormar forma: as centenas de pedidos de autorização de pesquisa minerária em Terras Indígenas na região do rio Xingu próxima à localização do projeto de Belo Monte.

O Brasil, em especial a Amazônia, é uma das regiões mais ricas do mundo em minério e o nosso objetivo é alertar e apresentar a essa procuradoria indícios contundentes sobre a corrida minerária que está ocorrendo na bacia hidrográfica do rio Xingu e que também ameaça a sobrevivência de indígenas em isolamento voluntário.  Anexamos a esta Representação   mapas que constam no  Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do processo de licenciamento da UHE Belo Monte  que tramita no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Território ocupado por Indígenas em isolamento voluntário próximo ao barramento principal da UHE Belo Monte

A presença de indígenas em isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá está descrita  desde a década de 1970 . Há estudos e testemunhos que comprovam sua presença nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou grupos isolados) na Terra Indígena (TI) Koatinemo.  A usina de Belo Monte, no rio Xingu, está planejada para ser construída próxima das áreas de perambulação desses grupos em isolamento voluntário.
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte foi apresentado ao IBAMA, em 2009, pelas empresas Eletronorte, Eletrobrás, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, a Odebrecht.  Em atendimento ao  IBAMA, as empresas elaboraram o estudo do “Componente Indígena”, em abril de 2009, que reconheceu a presença de indígenas em isolamento voluntário na cabeceira do córrego Igarapé Ipiaçava e na Terra Indígena Koatinemo dos Asurini .
O território de perambulação de indígenas em isolamento voluntário  está localizado  cerca de 70 km (em linha reta) do local onde está previsto o barramento principal da UHE Belo Monte, no sítio Pimental, na Volta Grande do Xingu.

O Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Belo Monte e suas complementações apresentaram superficialmente a questão dos indígenas em isolamento voluntário e listaram dois grupos que ainda não foram identificados.  O Parecer Técnico FUNAI que analisou o Componente Indígena do EIA de Belo Monte   fez referência aos impactos  que poderiam afetar os indígenas em isolamento voluntário; a ação de grileiros  e invasores iriam ameaçar sua integridade física e cultural.
O parecer da FUNAI reforçou o fato de que o desvio das águas e a consequente redução da vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande poderia gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; o movimento migratório criaria aumento populacional na região e provocaria a pressão sobre os recursos naturais; essa pressão levaria às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário .  No final do seu parecer, a FUNAI conclui, na Parte 5 – Considerações finais e recomendações:

“Apesar do EIA-RIMA apresentar uma extensa agenda de planos e programas, cujos objetivos  são os de mitigar os impactos negativos do empreendimento sobre os povos e Terras Indígenas, a complexidade da situação, como foi retratada nesse parecer, baseado em informações colhidas pela Funai e no próprio EIA-RIMA, exige muito mais do que a implementação de um bom Plano Básico Ambiental (PBA). A situação atual da região, fortemente impactada por desmatamentos, atividade madeireira e garimpos, entre outros, com a presença insuficiente do Estado brasileiro, já contribui para o contexto de vulnerabilidadedas Terras Indígenas.”“Nesse sentido, é imprescindível um conjunto de medidas (emergenciais e de longo prazo) de duas ordens: 1) aquelas ligadas ao poder Público; e 2) aquelas de responsabilidade do empreendedor”

A FUNAI estabeleceu em condicionante, no documento UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, que antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido em 20 de abril de 2010, o poder público deveria coordenar e articular ações para a proteção dos indígenas em isolamento voluntário.  É imprescindível a publicação de uma Portaria de Restrição  de Uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo.

O Governo Federal, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o IBAMA já estão cientes da presença desses grupos de indígenas em isolamento voluntário  na região da Volta Grande do Xingu. O Programa Territórios da Cidadania, do Ministério da Justiça já destinou, em 2010, R$ 2,78 milhões para ações de Localização e Proteção de Povos Indígenas Isolados ou de Recente Contato. A FUNAI é a responsável para executar essas ações através da Coordenação Geral dos Índios Isolados (CGII).
A região do rio Xingu onde se pretende construir a hidrelétrica Belo Monte está incluída entre as ações propostas. Está previsto o levantamento de informações e monitoramento das três referências de presença de indígenas em isolamento voluntário  em áreas das Terras Indígenas (Tis) Cachoeira Seca, Mengragnoti, Koatinemo, na região do Xingu.

Mesmo assim, a despeito das evidências da presença de grupos de indígenas em isolamento voluntário, o processo de licenciamento de Belo Monte continua célere e cercado de planos  com estratégias para apressar a concessão da licença ilegal da infra-estrutura de apoio  – canteiro de obras.
Para fundamentar esta representação, além dos fatos acima descritos, apresentamos um vídeo com depoimentos que corroboram nossa tese e que confirmam a  presença de indígenas em isolamento voluntário na região que poderão sofrer os impactos decorrentes da construção da UHE Belo Monte.
Considerando que:

1. Testemunhos recentes, de 2008, confirmam  a presença de indígenas em isolamento voluntário; os indígenas Asurini relataram seu encontro com isolados, depois de uma expedição de caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava;
2. Segundo os relatos de Fábio Ribeiro , da FUNAI de Altamira e do líder Apewu Asurini, da aldeia Koatinemo, no Xingu, gravados em vídeo (anexo 1), os Asurini avistaram indivíduos em perambulação e suas pegadas  na mata;
3. Uns meses depois desses eventos, Fábio Ribeiro retornou à aldeia Asurini e fez uma gravação de aproximadamente uma hora e meia dos depoimentos  que  relataram o episódio do encontro com os indígenas em isolamento voluntário;
4. Como em 2008 Fábio Ribeiro não era funcionário da FUNAI, ele foi ao escritório de Brasília e apresentou o material gravado com o testemunho do encontro dos Asurini com os indígenas em isolamento voluntário, durante a expedição de caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava;
5. Em 2009, quando Fábio Ribeiro já era funcionário da FUNAI e participava das análises dos impactos da UHE Belo Monte, sobre as Terras Indígenas, a  Coordenação de Índios Isolados decidiu fazer a expedição nessa mesma área objeto do relato dos Asurini e encontrou sinais claros de invasão de não-índios;
6. Fábio Ribeiro mostra no mapa (vídeo) a região onde se deu o encontro dos Asurini com os indígenas em isolamento voluntário, chamada inter-flúvio Xingu-rio Bacajá próximo à Terra Indígena Koatinemo;
7. O local apontado no mapa onde os indígenas em isolamento voluntário foram avistados pelos Asurini está a mais ou menos 70 quilômetros do barramento principal de Belo Monte, no sítio Pimental;
8. Ainda segundo Fábio Ribeiro, a FUNAI deu encaminhamento à referência de indígenas em isolamento voluntário para que fosse incluida no EIA da UHE Belo Monte, uma vez que seu território de perambulação está inserido na área de influência do aproveitamento hidrelétrico;
9. A necessidade de uma ação concreta do governo para oficializar a presença dos indígenas em isolamento voluntário na região próxima ao barramento principal de Belo Monte, foi incluida como uma das condicionantes no processo de licenciamento do projeto;
10. No município de Altamira, ainda segundo o relato de Fábio Ribeiro, a FUNAI estaria criando  uma frente para trabalhar “in loco”, nessa área de perambulação que inclui uma faixa de floresta que está fora das terras indígenas;
11. A FUNAI pretenderia isolar essa área fora da Terra Indígena demarcada, área essa que já sofre hoje muita pressão dos assentamentos nas proximidades de Altamira;
12. O plano da FUNAI é (i) traçar uma linha reta isolando a área de perambulação mencionada, que se tornaria também Terra Indígena para evitar o contato com os indígenas em isolamento voluntário, (ii) identificar e localizar a área de perambulação, e (iii) fazer um trabalho de proteção do entorno;
13. Em outubro de 2010 estaria prevista  uma terceira expedição de localização da área de perambulação desses indígenas em isolamento voluntário;
14. A minuta da Portaria de restrição dessa área já, conforme relato de Fábio Ribeiro, está preparada e  apenas aguardaria uma análise da Procuradoria Jurídica da FUNAI;
15. Essa área fora da Terra Indígena e que estaria sendo objeto da Portaria de Restrição é uma das últimas áreas intactas de floresta na proximidade de Altamira;
16. O leilão da hidrelétrica Belo Monte já ocorreu em 20 de abril de 2010 e não se tem notícia do cumprimento da condicionante sobre a Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de indígenas em isolamento voluntário, constante do documento UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI;
17. No Ofício n° 557/2010/DPDS-FUNAI-MJ, encaminhado ao Ibama em 17/08/2010, pela FUNAI que considera que “as condicionantes não têm sido cumpridas de maneira satisfatória até o presente momento, compromentendo sua total execução quando da solicitação da próxima licença prevista no processo de Licenciamento Ambiental, impedindo assim qualquer manifestação favorável da Funai em relação à continuidade do empreendimento”
18. O Governo do Estado do Pará já tem um projeto de concessão florestal nessa área e abriu licitação para sua exploração por empresas madeireiras;
19. É preciso impedir  a concessão florestal nesse território, para proteção  dos indígenas em isolamento voluntário;
20. Há 18 empresas, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com requerimento para pesquisa, 7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa com concessão de lavra (CVRD, concessão para extração de estanho);
21. Há 70 processos incidentes sobre a Terra Indígena, sendo que dos 773.000 hectares delimitados, 496.373 hectares são alvo de interesses para extração de minério, o que representa 63% do território indígena;
22. As empresas mineradoras com títulos incidentes na TI Apyterewa são: Companhia Vale do Rio Doce, Samaúma Exportação e Importação ltda., Joel de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara;
23. Se depender de setores do governo, a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — será uma realidade em terras indígenas ;
24. Tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei 1610/96 que regulamenta a exploração de recursos minerais em Terras Indígenas e que há uma pressão para que ele seja aprovado neste momento de alta das commodities;
25. Nos últimos anos houve uma seqüência de descobertas de jazidas de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio, urânio, entre outros minerais mais nobres;
26. Estrategistas militares defendem há décadas o domínio do Brasil sobre as jazidas e sua exploração para evitar que Terras Indígenas se tornem territórios fechados e inacessíveis, o que impediria  a exploração, a exemplo do que acontece hoje com a Reserva Ianomami ;
27. Nas Terras Indígenas da região do Xingu prevista para implantar a UHE Belo Monte estão concentrados pedidos de autorizações de pesquisa e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante, nióbio – utilizado em usinas nucleares -, cobre, fósforo, fosfato;
28. Implantar o projeto de Belo Monte poderia ser uma forma de viabilizar definitivamente a mineração em Terras Indígenas ;
29. Em consultas informais feitas pela organização signatária desta representação às lideranças indígenas na Bacia Hidrográfica do rio Xingu, principalmente no sítio onde está prevista construção do projeto da UHE de Belo Monte, estas afirmaram desconhecer completamente os pedidos de autorização de pesquisa minerária em Terras Indígenas;
Diante disso, requer-se a instauração de inquérito civil público para certificar a ocorrência de irregularidades por parte do IBAMA, FUNAI e, caso se confirme, requerem ao Ministério Público Federal que proponha ação civil pública para anular a Licença Prévia da UHE Belo Monte.  Requer-se, por fim, sejam as decisões proferidas no presente pedido informadas aos representantes no endereço constante na qualificação, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, e na Lei nº 9.051/95.Nestes termos,
pede deferimento.

São Paulo, 10 de novembro de 2010
Telma MonteiroCoordenadora de Energia e Infra-estrutura para a AmazôniaAssociação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Rebecca SommerAssociação Internacional para os Povos Ameaçados (STPI) Brasil/USA STPI Representante diante da ONU
ANEXOS 1. Mapa 5 – Direitos Minerários incidentes na área de estudo2. Mapa de Mineração3. Mapa 6 – Vulnerabilidade das Terras Indígenas

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