Carta aberta ao padre Felice Bontempi em defesa da Escola EFA Bontempo

Belo Horizonte, 08 de julho de 2010

Prezado padre Felice Bontempi, como seu colega no sacerdócio, eu, frei Gilvander Luís Moreira , decidi manifestar publicamente meu parecer sobre o conflito que ora o envolve, a FBD – Fundação Brasileira de Desenvolvimento – e a EFA Bontempo. Por isso lhe escrevo uma carta aberta.

Tive a alegria e a responsabilidade de conhecer a EFA Bontempo em 2003. Participei um dia inteiro de um Seminário na EFA Bontempo, em 26 de junho de 2006. Ainda retine nos meus ouvidos os depoimentos de ex-estudantes que, profundamente emocionados, relatavam o bem que a EFA Bontempo tinha feito na vida deles. Diziam que suas esperanças de um futuro melhor foram frustradas pelo senhor, padre Felice, que os apoiou inicialmente, mas que agora, de forma apressada, tinha resolvido retirar a EFA Bontempo do prédio que foi construído, após dois anos de trabalho de base, com muito debate em seminários e reuniões, onde se forjou o Projeto Político Pedagógico da referida EFA. A construção contou com o seu apoio, por meio de recursos intermediados na Itália, mas pelas notas fiscais da Associação, a responsabilidade da construção foi da EFA, por meio da sua mantenedora, a AEFAMBAJE. Por isso, naquele encontro em defesa da EFA afirmavam: “daqui não saio, daqui ninguém me tira”.

Na ocasião, junto com Marcelo Resende, então representante do ITER – Instituto de Terras do Governo de Minas – e da SEARA , e uma comissão conversamos com o bispo Dom Severino Clasen, da Diocese de Araçuaí, MG, que percebeu a justeza das reivindicações da Comunidade da EFA Bontempo. Intui que Dom Severino se preocupou/a com a possibilidade de acontecer um massacre dentro da Diocese dele em cumprimento de reintegração de posse pedida por um padre daquela Diocese mesma, no caso, por suas mãos, padre Felice. Conversamos também com a coordenadora da Delegacia de Ensino da região, que confirmou o reconhecimento da  Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais à  EFA Bontempo que há 4,5 anos  recebe  semestralmente dinheiro para a manutenção das atividades educacionais  por meio  de uma Lei conquistada pelo conjunto das EFAs filiadas à AMEFA.

Caro padre Felice, tenho acompanhado de perto a luta travada no campo jurídico, por iniciativa sua. A Dra. Delze dos Santos Laureano e o Dr. Élcio Pacheco – advogados da EFA Bontempo, ao lado do Dr. Laborão – têm me informado de todos os trâmites judiciais. Se tivéssemos no Brasil um poder judiciário que colocasse como primazia julgar segundo os princípios constitucionais da dignidade humana, do direito à educação e dos direitos sociais, certamente jamais poderia ter deferido um despejo de uma Escola que contribui muito para fortalecer os aspectos sociais relevantes para a região. Infelizmente, alguns setores do poder judiciário ainda têm uma visão pequena, e estão distanciados da justiça. Estão escravos e submissos a um direito que não mais existe: o da propriedade absoluta. Mas, padre Felice, o povo da EFA Bontempo não descansará. Vai lutar aguerridamente cada vez mais. E vai construir, de fato, um bom tempo com a EFA Bontempo com esperança de continuar no chão onde foi fincada.

Padre Felice, eu fiz mestrado em Exegese Bíblica em Roma, Itália, sua terra natal. Lá, ajudei a construir uma Rede de Comitês de apoio aos movimentos sociais, ao MST e à luta por Reforma Agrária no Brasil. Conheci centenas e centenas de pessoas italianas que “têm um coração brasileiro”. Estão sempre dispostas a ajudar na libertação dos pobres do Brasil, mas jamais concordarão que o dinheiro que veio, a fundo perdido, para ajudar na construção da EFA Bontempo, seja privatizado nas mãos da FBD e em suas mãos. Faremos chegar à Itália as recentes notícias sobre a questão da EFA e perguntaremos às pessoas que ajudaram nesse projeto, se elas querem que o dinheiro enviado continue sustentando a EFA Bontempo ou não. Certamente dirão que jamais contribuiriam, se fosse acontecer desvio do objetivo anunciado: construir a EFA Bontempo. Mais: Os recursos advindos dos irmãos da Itália foi pedido em nome de tantos STRs  e Associações de pequenos agricultores pobres do Médio e Baixo Jequitinhonha. Logo, padre Felice, te peço: pense bem,  em suas mais profundas reflexões e desista de expulsar a EFA Bontempo do prédio onde ela está cumprindo uma missão libertadora.

Caro padre Felice, dia 08 de junho de 2010, mais de mil pessoas diretamente beneficiadas pela EFA Bontempo paralisaram a BR 116, em Itaobim, para protestar contra sua decisão de expulsar a EFA Bontempo lá do prédio onde já funciona há 09 anos.

Caro padre Felice, eu tive também a responsabilidade de participar de uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, dia 09 de junho de 2010, com o apoio da Comissão de Educação daquela casa. Para tanto, trouxeram para a capital mineira 06 ônibus lotados com jovens estudantes, jovens egressos, pais, mães, educadores e parceiros da EFA BONTEMPO. A audiência, com o tema: “Escola Família Agrícola Bontempo: Impactos e perspectivas de continuidade, como direito à educação apropriada à realidade da população do campo” teve por objetivos: Debater a importância do Projeto Escola Família Agrícola Bontempo, na perspectiva do direito dos jovens rurais do Vale do Jequitinhonha, ter acesso à educação de qualidade, apropriada às suas necessidades e discutir a situação atual da EFA Bontempo e propor ações que garantam a sua continuidade, tendo em vista o respeito ao Direito Constitucional e a sua importância social, mediante os impactos já comprovados na convivência sustentável nos Territórios Rurais do Baixo e Médio Jequitinhonha.

Mais uma vez os depoimentos de ex-estudantes, de atuais estudantes, de educadores e apoiadores emocionaram a todos. Todos perguntavam indignados: “Como pode um padre estar tirando o sono da grande Família que é a EFA Bontempo?” Muitos recordaram que na época de Jesus muitos sacerdotes também apoiaram a condenação do mestre Galileu à pena de morte.

Caro Padre Felice, eu não entendo, e ninguém em sã consciência e de boa vontade entende, o senhor e a FBD insistirem em despejar a EFA Bontempo, sendo que nela, no curso em Agropecuária de Nível Médio, já formou 212 jovens técnicos, reconhecidos pela Secretaria Estadual de Educação e 39% deles acessaram a universidade e continuam seus estudos, sendo que este número supera em 19 vezes o numero de jovens do campo e em 3 vezes o número de jovens urbanos, em igual idade, acessando a universidade. Setenta por cento dos jovens egressos estão no vale, na agricultura ou em atividades afins.

Caro padre Felice, o senhor sabe quantas pessoas e entidades estão envolvidas na EFA Bontempo, hoje? A EFA Bontempo, hoje, atende a 127 jovens, em regime de alternância, conforme o seu projeto político pedagógico específico. Abrange 150 Comunidades pertencentes a 23 municípios do Médio e Baixo Jequitinhonha. Participam diretamente do Projeto como associados: 200 famílias que possuem filhos ingressos e egressos, 23 Sindicatos de Trabalhadores Rurais, ligados à FETAEMG, 06 Associações de Assentamentos de Reforma Agrária, 23 Prefeituras, atingindo indiretamente 840 famílias e 4.200 agricultores familiares.

Caro padre Felice, a quem deve estar estupefato com minha carta aberta ao senhor informo que o processo judicial que a EFA Bontempo enfrenta foi impetrado pela FBD, presidida pelo senhor, padre Felice Bontempi. Esta entidade, inicialmente parceira do Projeto, rescindiu unilateralmente o Contrato de Comodato – celebrado com a EFA em 2000, o qual doava um terreno de 28 hectares para a implantação da escola – alegando o descumprimento do contrato por parte da EFA Bontempo. Na verdade, a EFA funciona desde o ano 2001 e é reconhecida pelos órgãos educacionais competentes. Pelo contrário, a EFA atende ao estabelecido no contrato de comodato.

Por isso, padre Felice, a luta da Família EFA Bontempo para continuar naquele local. “O ato de despejo será uma estupidez sem palavras que o descreva”, afirmam os responsáveis pela EFA Bontempo. Num país e numa região que falta escola média e profissional para a juventude rural, destruir a EFA Bontempo é inadmissível.

Caro padre Felice, a EFA Bontempo é um exemplo de luta pelo direito ao acesso a uma educação apropriada à realidade do campo. A EFA Bontempo precisa continuar e continuar no lugar onde foi construída, por causa do papel social que exerce na região.

Pelo exposto, acima, e, em nome de Deus, eu lhe peço padre Felice: desista do processo judicial que ora o senhor e a FBD movem contra a EFA Bontempo. Deixe a EFA Bontempo continuar em paz seu primoroso trabalho lá onde está e o senhor, de fato, será melhor padre, mais Felice (= feliz, em italiano) e trará Bontempo para os pobres do Médio e Baixo Jequitinhonha.

Para maiores informações, consulte http://www.efabontempo.org.br

Veja, inclusive, o vídeo da EFA BONTEMPO que está disponibilizado no www.youtube.com em: http://www.youtube.com/watch?v=ZoFH55W7KP8&feature=player_embedded# (1ª parte)

http://www.youtube.com/watch?v=8xw0BVSITNY&feature=player_embedded (2ª parte) com link em www.efabontempo.org.br

Enfim, caro padre Felice, não caia na tentação de ver a tropa de choque expulsando o povo da EFA Bontempo. Será mais um banho de sangue que enxovalhará seu nome e seu futuro. O MST está dentro da EFA Bontempo e, como em Felisburgo, não arredará o pé diante de ameaças. Não é nenhuma obra de incitação, mas de indignação e, não somente do MST, mas de todos: AMEFA, UNEFAB, em Brasília, a AIMFR em Paris, as EFAs de todo o Brasil, hoje em 145 unidades, a FETAEMG, a CPT – Comissão Pastoral da Terra – etc.

Um abraço terno, na esperança de que o senhor volte atrás para que a EFA Bontempo possa seguir adiante em paz.

Frei Gilvander Luís Moreira, O.Carm.
Comunidade Carmelitana Edith Stein
Rua Iracema Souza Pinto, 695
Cep. 31720-510
Planalto – Belo Horizonte – MG
Fone: (31) 3494-1623
E-mail: [email protected]
www.gilvander.org.br

Comments (3)

  1. Venho estando a par das discussões em torno dessa polêmica de “reintegração de posse”, inclusive para meu estudos de doutorado em ciências jurídicas aqui em Coimbra. Observa-se, tanto no discurso do referido frei, quanto das entidades envolvidas, a ausência de iniciativas de diálogo de ambas partes. No discurso acima reportado pelo frade, não se apresentou qualquer contrargumento da parte reintegrante para justificar o interesse da retomada da posse. Para um gênero “carta aberta”, é falho, visto que, qualquer ponto de vista expurio, publicamente, deve, ainda que em proporções até menores (ou insignificantes!) deve aparecer o contra-argumento da parte em conflito. Sugestão para as próximas cartas!

  2. O Sr não conhece o Padre Felice de quem ousa falar tão mal! Foi meu orientador espiritual na juventude e de mais algumas dezenas de jovens, hoje adultos brilhantes. Devo a ele minha capacidade de pensar criticamente, aumentou e aumenta diuturnamente minha misericordia pelo meu povo, minha força para prosseguir honesta e corajosa, justa o mais que posso. Padre Felice Bomtempi morou em Padre paraiso, minha cidade natal, e onde o conheci na flor dos meus 16 anos. O quanto estivemos juntos no grupo de jovens da época, foram os meus melhores anos. É um homem justo, bom, inteligente, forte, amante do meu povo, incentivador da justiça e da esperança e muito mais do que 8.000 pessoas mal intencionadoas podem lhe provar o que estou dizendo. È como um pai para mim e para muitos outros que tiveram a glória, a bem-aventurança de conviver com ele. Enquanto professora que fui por 23 anos, ensinou-me a justeza e a força do meu trabalho para mudar o meu pais, mais do que poderia ter aprendido nos meus cursos de formação. Tem nas suas ações e pregações, excencialmente a educação como instrumento de mudança, de consciencia de justiça. Deveria estudar melhor a causa, ouvir os dois lados de fato, antes de ser tão injusto. Agradeço ao Criador todos os dias a oportunidade de ter convivido com Padre Felice Bomtempi. Tanta é a minha certeza do valor da sua influência que, quando ele se mudou para Catuji, cidadezinha distante 70 km de Teófilo Otoni onde morava com minha família, fiz questão que minha filha caçula, Ana Luisa, de 12 anos, fizesse a primeira comunhão com ele, em Catuji. Bem aventurado o jovem que pode conviver com ele, aprender com ele.
    Quanto ao Senhor, que Deus o perdoe por isso…

    Maria Imaculada Gonçalves Santos
    Policial Rodoviário Federal atualmente, e professora por 23 anos.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.