Empresário cearense tenta promover a divisão dos moradores e reivindica na Justiça mais da metade de uma Reserva Extrativista criada por Lula em 2009, após mais de 30 anos de luta.
A história de resistência da Prainha teve início na década de 1970, quando o Sr. Antônio Sales Magalhães afirmou que 796 hectares das terras da comunidade eram suas. Em 1985, ele vendeu parte dessas terras para o Sr. Henrique Jorge, da imobiliária Henrique Jorge SA, que intencionava especular a região com vistas ao turismo de condomínios e resorts. Com o apoio do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CDPDH) da arquidiocese de Fortaleza, a comunidade iniciou uma disputa judicial que se arrastou por 21 anos. Após percorrer todas as instâncias jurídicas, em 2006 o processo chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que julgou a favor da comunidade ao decretar as terras da Prainha como pertencentes à União, desqualificando os documentos apresentados pelo Sr. Antonio Sales.
Antes mesmo da decisão do STJ, a comunidade sabia, que além do Sr. Antonio Sales, poderia ter suas terras cobiçadas por outros especuladores e necessitava de uma estratégia que garantisse o território para todas as gerações de suas famílias. Por isso, em 2001, com o apoio do Ibama, solicitou ao Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT) a abertura de um processo para criação de uma Reserva Extrativista Marinha. Como a questão da terra ainda tramitava na justiça, não foi possível incluir a parte terrestre na Resex naquele momento, o que ocorreu posteriormente.
O processo de criação da Reserva Extrativista (Resex) da Prainha do Canto Verde desenrolou-se a partir de debates públicos com as moradoras e moradores da comunidade e dos estudos ambientais realizados pelo Instituto Chico Mendes (criado em 2007, para gerir as Unidades de Conservação brasileiras). Como manda a legislação, todo o processo de consulta pública sobre a viabilidade da Resex foi amplamente divulgado, com publicação no Diário Oficial da União, nos principais jornais de circulação no Ceará e através de ofícios do ICMBIO/IBAMA às instituições Públicas – federal, estadual e municipal -, às entidades não governamentais e movimentos sociais. Ainda foram utilizados outros meios de comunicação, como rádios comunitárias do município de Beberibe e faixas expostas na própria estrada de acesso à Prainha do Canto Verde.
No ano de 2009, o governador do Ceará, Cid Gomes, deu parecer favorável para a implantação da Reserva Extrativista nos seus limites de terra e mar. Em 5 de junho do mesmo ano, dia mundial do meio ambiente, após reconhecer os processos democráticos vividos a partir da solicitação da reserva, Luis Inácio Lula da Silva, Presidente da República, decretou a criação da Resex da Prainha do Canto Verde.
Entretanto, a vitória da comunidade e seus mais de 30 anos de lutas estão sendo questionados novamente. O empresário cearense Tales de Sá Cavalcante, atualmente filiado ao partido dos Democratas (DEM), diz que se sente prejudicado com a criação da Reserva e alega ter ficado alheio a esse processo. Segundo ele, teria comprado terras na Prainha do Sr. Antonio Sales Magalhães, o mesmo que perdeu o processo no STJ.
Para os moradores da Prainha, as afirmações do Sr. Tales de Sá Cavalcante constituíram uma total surpresa. Eles o conheciam como dono de uma casa na região, mas nunca como dono de 315 hectares – mais da metade da Resex, como diz no texto do processo de usucapião que ele move na Justiça Federal, em Limoeiro do Norte, Ceará.
Com o objetivo de reclamar para si as terras da comunidade, o Sr. Tales vem se utilizando de uma velha estratégia dos especuladores, que é a promoção da “divisão” entre moradores da comunidade, através de atitudes assistencialistas e disseminação de propaganda negativa sobre a Resex e em favor de seus interesses. Além disso, incitou a criação da Associação Independente dos Moradores da Prainha do Canto Verde e Adjacências (AIMPCVA), que se propõe a fazer oposição à Resex e à Associação dos Moradores da Prainha do Canto Verde (AMPCV), que efetivamente representa a comunidade da Prainha desde 1989. Para os moradores, não haveria problema no surgimento de outras associações que objetivassem fortalecer a luta comunitária, mas esse não parece ser o caso da AIMPCVA, uma vez que ela é representada pelo advogado Paulo Lamarão, vinculado ao Sr. Tales.
O que está em cena mais uma vez, na disputa pelas terras da Zona Costeira Cearense, é a tentativa de apropriação individual dos bens coletivos e comunitários. Ao questionar a Resex da Prainha do Canto Verde, o empresário Tales de Sá Cavalcante, questiona toda uma legislação ambiental, ancorada no reconhecimento dos comunitários como sujeitos de direitos e na garantia da posse coletiva de seu território, para defender seu interesse individual e privatista. Qual dessas lógicas nos interessa defender?
Para entender melhor
Reservas extrativistas são áreas destinadas à exploração sustentável e conservação dos recursos naturais. Conforme o artigo 18 da Lei 9.985, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Maiores Informações:
Associação de Moradores da Prainha do Canto Verde.
Presidente: José Alberto de Lima
(85) 9622.1718
www.prainhadocantoverde.org.br
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Analista Ambiental: Alexandre Caminha Brito
(85) 3272.1600 Ramal:247
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