A queda das “grandes narrações” (como Lyotard as define) – a dissolução da fé nos tribunais de apelação supraindustriais e supracomunitários – foi vista com temor por muitos observadores, como um convite a uma situação do tipo “tudo vai bem”, à permissividade universal e portanto, no fim, à renúncia a toda ordem moral e social.
Lembrando-nos da máxima de Dostoiévski, “Se Deus não existe, tudo é permitido”, e da identificação durkheimiana do comportamento associal com o enfraquecimento do consenso coletivo, chegamos a acreditar que, a menos que uma autoridade imponente e indiscutível – sagrada ou secular, política ou filosófica – esteja acima de todo indivíduo, o futuro nos reservará provavelmente anarquia e carnificina universal.
Essa crença sustentou eficazmente a moderna determinação de instaurar uma ordem artificial: um projeto que suspeitava de toda espontaneidade até que se provasse sua inocência; um projeto que colocava de lado tudo o que não estava explicitamente prescrito e identificava a ambivalência com o caos, com o “fim da civilização” assim como a conhecemos e podemos imaginá-la.
Talvez, o medo surja da consciência reprimida de que o projeto estava condenado desde o princípio. Talvez, havia sido cultivado deliberadamente desde o momento em que desenvolvia o útil papel de baluarte emotivo contra o dissenso. Talvez, era só um efeito colateral, um repensamento intelectual nascido da prática sócio-política da cruzada cultural e da assimilação forçada. (mais…)