Índios pressionam governo a revogar decreto que reestrutura Funai

Governo é acusado de tentar se apropriar de riquezas indígenas. Deputados e índios dizem que vão levar denúncia a organismos internacionais.

Índios pedem revogação do decreto presidencial e a demissão do presidente da Funai.
Índios pedem revogação do decreto presidencial e a demissão do presidente da Funai./Brizza Cavalcante

Índios pedem revogação do decreto presidencial e a demissão do presidente da Funai.

Representantes de povos indígenas de todo o País acusaram o governo de tentar se apropriar de suas riquezas com a edição do Decreto 7.056/09, que reestrutura a Fundação Nacional do Índio (Funai). O assunto foi discutido nesta quarta-feira em audiência pública da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.

Os índios pediram a revogação do decreto e disseram que vão pressionar o governo levando o caso a organismos internacionais de direitos humanos. Para eles, o decreto fere a Constituição e a Convenção 169/89 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa convenção, da qual o Brasil é signatário, determina que qualquer decisão de interesse dos índios deve contar com sua participação.

O procurador-geral da Funai, Antônio Marcos Guerreiro Salmerão, argumentou que a nova estrutura do órgão consagra princípio da consulta. Segundo disse, “o decreto criou comitês regionais, um órgão paritário, com participação de indígenas da região, para eleger metas e prioridades”.

O deputado Roberto Santiago (PV-SP) disse que vai buscar o consenso entre nações indígenas e Funai, mas, se não for possível, a Câmara irá aprovar a revogação do decreto presidencial. Santiago é relator do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 2393/10, que revoga o decreto.

O advogado Arão da Providência Guajajara, representante dos índios da região Centro-Oeste, afirmou que a Funai sempre teve como objetivo “administrar, gerir e aumentar o patrimônio indígena e distribui-lo de forma impessoal”. Com o decreto atual, ele diz que a função do órgão passou a ser unicamente a de coordenar a formulação de políticas indigenistas, perdendo a atribuição de cuidar do patrimônio indígena. “A Funai passou a ser agência reguladora”, afirmou.

O representante dos povos indígenas da região Sul, Kretan Kaingang, disse lamentar apenas ter demorado muito “para enxergar as reais pretensões do atual governo”. E acrescentou: “Temos aí Belo Monte, a transposição do rio São Francisco, a construção de hidrelétricas e projetos de mineração em aldeias. Tudo vem acontecendo, e nossos olhos não viam o que esse governo fazia conosco. Fala muito em democracia, mas é uma ditadura com povos indígenas”, disse.

Para o deputado Mauro Nazif (PSB-RO), autor do pedido de realização da audiência, um dos grandes problemas causados pelo decreto presidencial foi a desativação de mais de 300 postos da Funai em aldeias, além de administrações regionais do órgão. Em sua opinião, isso “deixa muitas brechas para que fragilidades nas áreas indígenas possam acontecer, na exploração do minério, de todas as outras [riquezas] do subsolo desses povos”.

Nazif, que apresentou o PDC 2393/10, argumenta que não faz sentido reduzir o número de locais de atendimento a indígenas justamente quando essa população dobrou em relação a 1986, quando era da ordem 500 mil pessoas. Segundo ele, também houve redução significativa no número de servidores da Funai, que naquele ano contava com 5 mil servidores, contra os aproximadamente 2 mil de que dispõe atualmente.

Autor de outro Projeto de Decreto Legislativo para revogar o presidencial – o PDC 2393/10 -, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) também diz “pressentir algo muito ruim nesse processo todo”. Ele relatou que o Paraná, “estado com mais de 20 mil índios”, tinha três unidade da Funai, que foram fechadas e tiveram suas responsabilidades transferidas para Santa Catarina. “Aí, quando fomos verificar, eles têm vários contratos com ONGs que acabam levando milhões por ano para fazer atividades junto a comunidades indígenas”, disse.

Outra denúncia dos povos indígenas foi contra a Portaria 564/10, que permite a atuação da Força Nacional de Segurança Pública na Funai, inclusive com a utilização de arma de fogo contra terceiros. O próprio representante dos servidores da instituição, Wagner Tramm, sentenciou que “o governo está em guerra com os povos indígenas”.

Diante de tantas reclamações todos pediram não só a revogação do Decreto 7.056 e da Portaria 564, como a demissão o presidente da Funai. Hauly, inclusive, informou que já fez uma representação junto Ministério Público Federal, à Procuradoria Geral da República, à Controladoria Geral da União e ao Conselho de Ética do governo contra a portaria. Ele adiantou que também irá denunciar o texto nos órgãos de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Íntegra da proposta:

* PDC-2393/2010
* PDC-2395/2010

Reportagem – Maria Neves
Edição – Wilson Silveira

Agência Câmara

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.