“Há uma renovação das forças de esquerda sobre o registro étnico e não de classe”

Uma observação: na entrevista abaixo, publicada por “Desinformemonos”, o sociólogo Chico de Oliveira afirma que a “renovação das forças de esquerda sob o conteúdo étnico” não acontece entre nós porque não temos como “apelar para clave étnica no Brasil porque todo mundo é negro. Então o registro brasileiro é o da classe mesmo”. Embora discorde dessa afirmativa, opto por publicar a entrevista por considerá-la um elemento a mais nas discussões sobre o cenário atual da América Latina e pela própria polêmica contida nessa declaração específica. T.P.

São Paulo, Brasil. Um dos principais intelectuais de tradição marxista do Brasil, hoje, o sociólogo Francisco de Oliveira, mais conhecido como Chico de Oliveira, é um analista político aguçado, que não poupa nenhum setor de seu crivo crítico, nem a esquerda. Afinal, segundo ele, “a tarefa do intelectual é pôr o dedo na ferida”, e foi assim que ele justificou as duras críticas que lançou ao atual governo, ao romper com o Partido dos Trabalhadores (PT), ainda no início do primeiro mandato de Lula, em 2003.

Quais as características que marcam a América Latina neste momento e como diferem da crise do século XX?

Se formos analisar a crise de 30, por exemplo, ela abriu muitas frentes na América Latina. Os países entraram naquele processo de industrialização, que é sempre o caminho no capitalismo. É todo um período em que forças nacionais aproveitam a crise para defender seus interesses e empurrá-los na direção da dominação econômica e política. A América Latina atual passa por um processo que é muito interessante porque houve uma renovação das forças da esquerda, não sobre o registro da classe, mas sobre o registro étnico. Então você tem esse processo da Venezuela, do ponto de vista das classificações mais convencionais Chávez é tipicamente um indígena. A mesma coisa do Evo Morales na Bolívia, que é mais flagrante ainda. Mudou o registro do conflito e aí essas forças sociais, que eram controladas desde cima, elas estão levando a novos processos nesses países.

Não é o caso do Brasil…

Não é o caso do Brasil, nem o da Argentina. O caso da Argentina é um renascimento, depois de uma crise muito profunda, em que os movimentos sociais de rua – os famosos Piqueteros – foram muito importantes. Não são movimentos sociais de natureza étnica, embora a Argentina seja também uma sociedade profundamente indígena. E fica o caso do Brasil, que é singular na América Latina. Não é uma revolução conduzida pela clave étnica. A dificuldade brasileira é exatamente essa, não tem como a gente apelar para clave étnica no Brasil porque todo mundo é negro. Então o registro brasileiro é o da classe mesmo.

Esse processo pelo qual passa a América Latina pode romper com uma tradição política de submissão e atrelamento aos EUA?

O Paradoxo da América Latina tal como é, é o seguinte: a garantia de que os outros países possam prosseguir nesses processos e peitar os EUA, é o crescimento do Brasil. A economia brasileira continuando a crescer pode servir de suporte e ajudar as outras economias da América Latina. Ao mesmo tempo há um risco de que o Brasil vire imperialista. Não está muito longe disso. Aí, só o que pode barrar é uma ação política muito decisiva.

Justamente os movimentos de caráter étnico são quem reivindicam território e recursos naturais – caso do gás, da água, na Bolívia e do petróleo no Equador, por exemplo. Isso seria uma combinação explosiva, já que o Brasil está justamente avançando em cima desses recursos naturais?

O risco é enorme. O risco é esse, exatamente, o Imperialismo, sobretudo em relação aos países mais fracos. O lugar do Imperialismo é no lugar das reservas, da matéria-prima, do petróleo.

Para finalizar, qual a relevância que um projeto como Desinformémonos pode desempenhar na América Latina?

A gente se desconhece completamente. O Brasil vive virado de costas para América Latina. Nós falamos português, eles todos falam espanhol e, algumas ilhas no Caribe, falam inglês. Quer dizer, não é nada, porque o português e o espanhol são primas carnais, mas é uma enorme barreira. Então é preciso criar a comunicação de novo.

Edição da entrevista realizada por Spensy Pimentel, Joana Moncau e Gabriela Moncau.
http://desinformemonos.org/wp-content/uploads/2009/08/desinformemonos6portuges.pdf

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