A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região deve retomar, dia 27 de fevereiro (segunda-feira), julgamento relacionado à ocupação dos indígenas da Comunidade Laranjeira Nhanderu, cujo tekoha tradicional localiza-se no município de Rio Brilhante, no Estado do Mato Grosso do Sul.
A seguir, mensagem do Conselho Aty Guassu aos Desembargadores da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região LUIZ STEFANINI e ANTONIO CEDINHO na qual solicitam “o apoio deste Tribunal para a manutenção dos indígenas Guarani Kaiowá em seu tekoha de Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, no Estado do Mato Grosso do Sul”.
Ref.: Agravo de Instrumento n. 0026974-69.2001.4.03.0000/MS – 2011.03.00026974-4/MS
Dourados, 11 de fevereiro de 2012.
Eminentes Julgadores,
Nós lideranças do Conselho da Assembleia Aty Guasu do povo Guarani-Kaiowá tivemos conhecimento que o julgamento do presente agravo relativo a continuidade da ocupação dos indígenas da Comunidade Laranjeira Nhanderu, cujo tekoha tradicional localiza-se no município de Rio Brilhante, no Estado do Mato Grosso do Sul, foi suspenso após o voto parcialmente favorável aos Guarani-Kaiowá da Juíza Federal Convocada Relatora dos autos, Dra. Louise Filgueiras.
O voto da Relatora suspende a ordem de reintegração até que a perícia antropológica possa comprovar a ocupação indígena nos termos do reconhecimento que foi dado pela Constituição Federal às terras ocupadas pelos indígenas, no seu artigo 231.
José Afonso da Silva, o grande constitucionalista e mestre, ao discorrer sobre o artigo 231 da Constituição Federal procurou demonstrar a fiel intenção do legislador que segundo ele visou:
“…assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, … consubstanciada no próprio preâmbulo da Constituição. Visou o legislador constituinte oferecer “uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat.”(Afonso da Silva, 1991:11)
O Brasil é signatário da Declaração sobre os Direitos dos Povos Autóctones, de 13 de setembro de 2007, tendo adotado a Declaração que reconheceu importantes direitos aos indígenas em Assembleia da ONU, perante todos, perante o mundo, demonstrando não querer deixar equivocos sobre o caminho que o Estado brasileiro pretende seguir na sua relação com seus povos e comunidades indigenas e esses direitos ali reconhecidos são os aqui tratados nestes autos, e assim nós esperamos, com a certeza que serão respeitados nas decisões dos autos:
Artigo 26
1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido.
2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido.
3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.
Mesmo já existindo nos autos a comprovação de que a área em questão é terra indígena, pois inúmeras pesquisas antropológicas, históricas, geográficas e outras, a partir de trabalhos científicos, unanimemente reconhecidos pelos pares de seus autores, foram juntados aos processos, o voto da Relatora foi no sentido de se aguardar a pericia antropológica a ser trazida aos autos, o que poderia unificar todos os empenhos que procuram comprovar ainda mais a ocupação indígena da área em questão.
É nesse sentido que nós Guarani-Kaiowá manifestamos-nos nesta petição: que Vossas Excelências, da mesma maneira, possam aguardar a manifestação do perito e de seus assistentes para daí apresentarem seus votos.
De fato, a saída dos nossos parentes da área de Laranjeira Nhanderu, do município de Rio Brilhante, só nos parece possível de ser efetuada a partir de um desgraçado empenho do poder Judiciário ou do Poder Público, utilizando-se de força policial e do aniquilamento da dignidade dos indígenas, visão que certamente surpreenderá o mundo, pois não se coaduna com a representação que todos, nacionais e estrangeiros, na atualidade fazem deste país.
Os membros da Comunidade de Laranjeira Nhanderu estão ocupando um lugar de mata e comprovadamente antigo. Neste lugar localizado na beira de um córrego existem muitas plantas medicinais e a ocupação se dá sem que ninguém seja incomodado. Nossos parentes dizem estar vivendo com muita felicidade, pois não há indígenas acampados na beira da rodovia, como já ocorreu anteriormente.
O fato da área ainda não ter sido demarcada pela Funai, ou ainda o fato da área não ter sido homologada pelo Presidente da Republica não pode vir a prejudicar o povo Guarani-Kaiowá que seriam os terceiros na relação entre os órgãos e os poderes públicos. Em nada participamos dos cronogramas da Funai ou de outros órgãos afetos a essas questões. Somos nesse caso mais uma vez vítimas, pois os atos de terceiros, como os da Funai ou mesmo da Presidência da Republica, não podem ser da responsabilidade dos povos indígenas, nem podem a eles vir a prejudicar, pela ausência, omissão ou simples dificuldade de execução.
O Estatuto do Índio, lei 6001/73, ainda em vigor, determina em seu artigo 25:
Art. 25. O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos.., da Constituição Federal, independerá de sua demarcação (g.n.), e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República.
Da mesma maneira assim vem sendo decidido após 1988 e em recentes decisões:
“Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente ‘reconhecidos’, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de ‘originários’, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como ‘nulos e extintos’ (§ 6º do art. 231 da CF).” (Pet 3.388, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 19-3-2009, Plenário, DJE de 1º-7-2010.)
“Terras indígenas não demarcadas pela União. Desnecessidade de prévia demarcação administrativa. Prosseguimento do julgamento pelo Tribunal para emissão de juízo conclusivo sobre a situação jurídico-constitucional das áreas abrangidas pelos títulos. Questão de Ordem que assim se resolve: (1) a demarcação prévia da área abrangida pelos títulos, não é, em si, indispensável ao ajuizamento da própria ação; (2) o Tribunal pode examinar se a área é indígena ou não para decidir pela procedência ou improcedência da ação.” (ACO 312-QO, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 27-2-2002, Plenário, DJ de 27-10-2008.)
Em vista do exposto e por tudo mais que dos autos consta, reitera-se com veemência o apoio deste Tribunal para a manutenção dos indígenas Guarani Kaiowá em seu tekoha de Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil.
Com toda nossa consideração e respeito pela importância de seu trabalho de levar não só o direito, mas a justiça a todos os brasileiros, que também somos.
Atenciosamente,
Os membros do Conselho da Assembleia Aty Guasu Guarani-Kaiowá-MS.
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