Empresa alemã, que vende no Brasil soja e milho geneticamente modificados, desiste temporariamente de obter licença para arroz transgênico. Brasileiros não querem ser os primeiros do mundo a oferecer esse tipo de grão.
A reportagem é de Nádia Pontes e publicada pela Agência Deutsche Welle, 30-06-2010.
A reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que debateu aprovações comerciais de novos produtos geneticamente modificados no mercado brasileiro em 23 de junho último, era para ter sido sem surpresas.
Mas não foi: a aprovação dada como “certa” do arroz LibertyLink (semente tolerante ao herbicida glufosinato de amônio), da Bayer, não chegou sequer a ser discutida pelos membros da comissão. Por iniciativa da própria empresa alemã, o processo foi retirado temporariamente da pauta de decisões técnicas.
A Bayer, que já comercializa no Brasil sementes transgênicas de algodão, milho e soja, divulgou uma nota no mesmo dia, justificando que é preciso ampliar o diálogo com os principais integrantes da cadeia de produção de arroz no Brasil.
“O objetivo do diálogo será tratar das medidas necessárias para trazer ao mercado a tecnologia LibertyLink para a cultura do arroz. Esta decisão está em linha com nossa abordagem responsável no lançamento de produtos e representa nosso compromisso com as necessidades dos nossos clientes”, diz a nota.
Mas Marijane Lisboa, pesquisadora brasileira e participante de uma rede de cientistas que acompanha o debate de transgênicos na CTNBio, conhece os bastidores da discussão: “Os produtores de arroz do Rio Grande do Sul temem que o Brasil, sendo o primeiro país a plantar arroz transgênico em escala comercial, possa sofrer uma rejeição por parte de países que são, atualmente, importadores do arroz brasileiro, particularmente a União Europeia.”
Diálogo com o mercado
Questionada pela Deutsche Welle se a essa decisão estaria ligada a possíveis prejuízos comerciais que os produtores sofreriam em exportar o arroz transgênico, a Bayer respondeu que “ficou claro que é preciso mais tempo para que todas as partes da cadeia produtiva do arroz possam compreender os passos necessários para o potencial uso de biotecnologia também na produção de arroz”.
O estado do Rio Grande do Sul é o maior produtor brasileiro do grão. Pouco antes da reunião da CNTBio de 23 de junho, o setor reafirmou por escrito sua posição, que já havia sido tomada numa audiência pública da CTNBio em Brasília no ano passado. Neste documento, disponível no site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, fica clara a preocupação dos produtores de colocar em risco os mercados interno e externo e comprometer a rentabilidade.
O setor produtivo gaúcho se diz favorável ao uso de tecnologias no campo, mas ressalta que foram levados em consideração dois fatos principais para a oposição ao LibertyLink: ainda não existe consumo corrente para o arroz transgênico no mercado global e as exportações são vitais para a sustentabilidade econômica do setor produtivo nacional.
O documento diz ainda que os produtores nortearam a decisão após seguidas consultas a agentes de mercado que atuam nas exportações e importações, além do diálogo mantido com pesquisadores, estudiosos e técnicos. Ficou comprovado que a maioria dos importadores exige o certificado de arroz não transgênico.
Marijane Lisboa ressalta o ineditismo da situação: “Pela primeira vez, nós temos no Brasil setores comerciais importantes se manifestando contra. O que não aconteceu nem no caso da soja nem do caso do milho”.
A pesquisadora diz ainda que a decisão contrária, no entanto, é ligada exclusivamente a fatores comerciais. “Nunca tivemos restrições de ordem ambiental, as preocupações não se dirigem a esse aspecto. Quem levanta as preocupações de ordem ambiental, de saúde etc. são os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, também o de Desenvolvimento Agrário. Já as decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança se restringem apenas a questões genéticas.”
Caso à parte
A Bayer informou que a semente LibertyLink já está aprovada na Austrália, nos Estados Unidos, na Rússia, no México, no Canadá e na Colômbia. “Mas, por sua própria decisão, a empresa não disponibilizou a tecnologia para o uso comercial em nenhum país porque busca a homologação do produto no maior número possível de países envolvidos com o comércio internacional do arroz.”
Em abril último, a Justiça norte-americana decidiu que a Bayer terá que pagar 1,5 milhão de dólares a produtores do estado do Mississipi que tiveram as lavouras de arroz contaminadas pelas sementes geneticamente modificadas LibertyLink.
O arroz transgênico estava em teste nos Estados Unidos e os primeiros vestígios de que o grão teria infiltrado lavouras convencionais foram detectados em 2006. Os produtores alegaram perdas econômicas e processaram a Bayer, que em dezembro do ano passado já havia sido condenada a pagamento de multa numa primeira sentença. Há ainda outros três casos para serem julgados.
A direção alemã da empresa informou à Deutsche Welle que esse incidente não influenciou a retirada do processo junto à comissão brasileira que autoriza a comercialização, e que a Bayer sempre agiu com responsabilidade e de forma apropriada. Mas o incidente norte-americano também ajudou os produtores do Brasil a tomar a decisão contrária à LiberyLink. Eles citam a retaliação da União Europeia e das Filipinas ao arroz dos EUA após a contaminação da produção com arroz transgênico.
“Mesmo assim, o produto foi exportado para um país da Europa, e por causa deste negócio os EUA perderam todo seu mercado, fato que provocou milhões de dólares de prejuízos nos mercados interno e externo. Prejuízo que os americanos tentam recuperar até os dias de hoje, gastando fortunas para controlar e garantir a produção livre de transgênico em todas as etapas do processo produtivo e industrial”, diz o documento elaborado pelo presidente da Câmara Nacional do Arroz, Francisco Schardong.
Os brasileiros citam o alinhamento dos países do Mercosul, que também são exportadores e protegem a produção para que esta permaneça livre de transgênicos.
O mercado de arroz
A previsão para a safra brasileira de 2009/2010 é de 11,3 milhões de toneladas. O país deve ainda importar 950 mil toneladas e vender para o mercado externo 300 mil toneladas. Desde a criação do Mercosul, em 1991, os produtores brasileiros passaram a sofrer o impacto provocado pela importação de arroz dos países do bloco, que produzem menos, mas cujo produto chega mais barato ao mercado brasileiro.
Atualmente, a produção brasileira corresponde a apenas 1,8% da produção mundial – a China é a maior produtora do mundo, com a fatia de 29% do total, seguida pela Índia, com 21,5%. Dois terços do arroz consumido na União Europeia são produzidos na própria região: Itália e Espanha são as maiores produtoras, seguidas por Bulgária, França, Grécia, Hungria e Portugal que, juntos, somam 2,5 milhões de toneladas anuais. O bloco importa principalmente da Tailândia, Índia e Paquistão.
Fonte: IHU