Reescrevendo o artigo “Energia na Idade da Pedra”, de Delfim Netto, de 26 de junho de 2011, para a Carta Capital
Telma Monteiro
As campanhas para impedir a construção de Belo Monte, no rio Xingu, não têm a pretensão apenas de preservar a integridade da Amazônia, mas também a dos seus povos e culturas. Apesar de o projeto estar sob o foco do governo há quase 30 anos, não se levou em conta todas as implicações importantes para a sobrevivência dos ecossistemas da região. Combater a construção de Belo Monte não significa querer voltar para a Idade da Pedra em busca da escuridão e desdenhar a energia em nossas vidas. Temos apresentado fundamentos científicos de alternativas a Belo Monte que não estão sendo discutidas ou avaliadas pelo governo.
Sabemos como exatamente uma usina hidrelétrica – na Amazônia, no Vale do Tenesse, nos EUA, ou Três Gargantas, na China – modificam para pior o ambiente físico. Somos também conhecedores de como esses processos foram impostos à sociedade desses países. Nossa vivência de atuação no acompanhamento do desenvolvimento energético brasileiro mostra que as mudanças – não são teses defendidas por ecochatos ou radicais, mas por cientistas – são sempre negativas sob todos os aspectos desde a flora e fauna até os seres humanos, principalmente.
O aproveitamento do potencial hídrico envolve, concordamos, uma enorme gama de questões que deveriam ser tratadas sob prisma diferente: energia é essencial para a sobrevivência do homem e o funcionamento da economia. A questão é como essa energia é gerada, para quem ela está direcionada e até que ponto nos é imposta sem a necessária transparência quanto à demanda projetada. Lógico que as sociedades têm que capturar a energia que está dispersa em seu ambiente e depois dissipá-la na produção de bens e serviços. Mas as perguntas que fazemos são: quais os bens e serviços que seriam beneficiados efetivamente por essa energia gerada à custa da destruição do bioma amazônico e qual seria o modelo a ser seguido que nos obrigaria a isso? Alternativas ao modelo de desenvolvimento requerem diálogo com a sociedade, informações sobre o que o futuro lhes reserva em termos ambientais e sociais e consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas afetados. Quais os custos que uma única rota para um processo de desenvolvimento econômico pode ter? Sim, os homens escolheram a sua forma de vida, mas isso não significa que agora – depois de 150 mil anos – não possam repensá-la e ajustá-la diante de novos parâmetros ou de novos valores que a evolução e o conhecimento fizeram sugir.
As manifestações que têm pontuado as campanhas contra Belo Monte não demonstram, em hipótese alguma, que se pretende uma volta à vida na caverna, dispensando o conforto ou as coisas boas da vida. Manifestantes querem ter energia suficiente para iluminar seus lares, movimentar seus eletrodomésticos, seus aparelhos eletrônicos, promover a sua locomoção – de preferência com transporte público decente, o que lhes é negado em todas as cidades do Brasil. Mas para isso reivindicam que a forma de suprir a energia para essas necessidades seja rediscutida, que gerar energia não seja simplesmente construir barragens que beneficiam apenas umas poucas empresas poderosas e sabidamente depedentes de obras do governo. Não querem mais essa fórmula. Não se vê BMWs nas garagens de ambientalistas e sim nas dos políticos e empresários.
Apesar de os “bem-intencionados ambientalistas” empolgados e sérios admitirem sempre que se beneficiam dos recursos modernos e acesso às novas tecnologias, eles se sentem agredidos, inconformados com o fato de que tudo isso venha de fontes não renováveis. O custo é alto e apenas aqueles, os “bem-intencionados”, minoria da sociedade, sentem que é preciso forçar uma mudança de atitude e questionar esse consumo incentivado pelo governo que, na verdade, vai exigir cada dia mais energia para ser suprido. Os indígenas, nas terras no entorno das obras de Belo Monte, os habitantes de Altamira não reivindicam participar do empreendimento, eles na verdade reivindicam aquilo a que têm direito sem a hidrelétrica: a qualidade de suas vidas e a renda justa das famílias. Proporcionar isso seria o papel do Estado e das políticas públicas que inexistem e acabam abrindo a brecha para que a iniciativa privada chantegeie a população com ofertas mirabolantes de bem estar.
Os urbanóides são cidadãos também e como tal devem ser tratados, e as lideranças indígenas do Pará estão bastante bem informadas sobre o futuro que os espera no caso de Belo Monte e sabem a verdade sobre os resultados de empreendimentos como o Projeto Carajás, Tucuruí e Estreito, no rio Tocantins. Não dá mais para ocultar os cadáveres ambientais que estão conspurcando a história da região. Esses empreendimentos que tiveram contrapartidas de exigências de preservação ambiental, ditas severas, na verdade, não foram cumpridas e deram espaço à putrefação e ao ranço muito bem retratados no artigo do distinto ex-ministro Delfim Netto. Ele deve lembrar bem das negociações com o Banco Mundial numa época em que famosos 10% eram reservados para os “bons” negócios.
Como exige a lei, hoje, nenhum investimento em hidrelétricas ou outras obras do PAC de Lula e Dilma poderia ser aprovado sem levar em conta medidas de segurança máxima – que se revelam mínimas. Compensações e condicionantes estão sendo usadas como rótulos de sustentabilidade para projetos inviáveis econômica e socialmente. A questão ambiental – não problema ambiental – deveria ser parte explícita dos custos tanto do projeto como do produto a ser gerado: a energia. Os verdadeiros custos – ambientais e sociais presentes e futuros – deveriam ser mensurados e incorporados. Aí sim, saberiamos quanto realmente custa a energia que nós é ofertada.
Defender a consolidação de uma matriz energética limpa, confiável e ronovável, sem utilizar o potencial hídrico da Amazônia é uma questão de sobrevivência da espécie humana. Marcelo Corrêa, diretor – presidente da Neo Energia, empresa que começou a construir Belo Monte disse, citado por Delfim Netto, que as usinas do Madeira, Belo Monte e Teles Pires, representam um paradigma no modelo energético brasileiro. Esse paradigma, ao contrário do que eles querem fazer crer, está marcado pela não observância da legislação ambiental, pelo não cumprimento das medidas antecipatórias e das condicionantes. O projeto de Belo Monte, em especial, não tem critérios confiáveis e nem suficientes de mitigação para os efeitos socioambientais, não beneficiará as populações das respectivas regiões ou a população brasileira, pois esse potencial energético é um engodo e uma região já muito sacrificada pelo descaso de décadas de políticas públicas de “coronelismo explícito”, mais uma vez vai ficar sem o esperado desenvolvimento.
O futuro de Belo Monte está aí, agora, como mostra o exemplo maléfico das usinas do rio Madeira, em Rondônia.
http://telmadmonteiro.blogspot.com/2011/06/belo-monte-energia-da-idade-da-pedra.html