A construção de mais um Centro de Tratamento de Resíduos – CTR – na Baixada Fluminense, desta vez no município de Seropédica, tem gerado debates e mobilização de instituições regionais, sobretudo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
A luta protagonizada pela Universidade Rural contra o CTR Santa Rosa – batizado de “Lixão de Seropédica”- parece ser cada vez mais uma luta “de Davi contra Golias”. O modelo “CTR” já é muito bem conhecido na região que possui em Adrianópolis, em Nova Iguaçu, uma referência dramática vivida por seus moradores durante anos. Tal situação é retratada neste documentário produzido pela ADUR – Associação de Docentes da Universidade Rural- e a Pró-reitoria de Extensão da UFRuralRJ: http://www.youtube.com/watch?v=2x6tfOY_hpA.
O fator agravante do CTR de Seropédica é que o mesmo está instalado sobre um dos mais importantes recursos hídricos da Baixada Fluminense: o Aquífero Piranema. A proteção deste recurso natural é estratégico tanto para a conservação ambiental como para o futuro abastecimento de água potável da população da região metropolitana do Rio de Janeiro .
A escolha do município de Seropédica articulada pela prefeitura do Rio de Janeiro – que desistiu do projeto do Lixão de Paciência para evitar desgastes com seus eleitores – chama a atenção pelo fato de representar uma intevenção direta do município do Rio sobre um território fora de sua jurisdição.
O que vemos em Seropédica é uma clara demonstração de racismo ambiental que historicamente vem sendo praticado contra a Baixada Fluminense. Na definição do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo Ambiental criado em 2005 através da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, trata-se de um conceito que abrange as “injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e outras comunidades, discriminadas por sua origem ou cor”.
No texto do Profº Henri Acselrad do IPPUR/UFRJ intitulado “Justiça Ambiental e Construção Social do Risco”, observa-se que ” a prática de se alocar instalações de esgoto e lixo em áreas habitadas por populações trabalhadoras pobres, despossuídas e pertencentes a minorias étnicas não é recente, tendo sido mesmo observada desde a remota Antiguidade” (ACSELRAD, 2002).
Neste mesmo trabalho, o professor Acselrad explica que a expressão “racismo ambiental” foi cunhada pelo reverendo Benjamim Chavis por ocasião de uma pesquisa realizada em 1987 comandada pela Comissão de Justiça Racial da United Church of Christ nos EUA. Este estudo correlacionou a escolha de locais para despejo de rejeitos com a questão da discriminação racial da população localizada nas áreas selecionadas.
Segundo Henri Acselrad, ficou evidente que “dentre os fatores explicativos de tal fato, foram alinhados a disponibilidade de terras baratas em comunidades de minorias e suas vizinhanças, a falta de oposição da população local por fraqueza organizativa e carência de recursos políticos típicas das comunidades de “minorias”, a falta de mobilidade espacial das “minorias” em razão de discriminação residencial e, por fim, a subrepresentação das “minorias” nas agências governamentais responsáveis por decisões de localização dos rejeitos. Ou seja, procurou-se tornar evidente que forças de mercado e práticas discriminatórias das agências governamentais concorriam de forma articulada para a produção das desigualdades ambientais. E que a viabilização da atribuição desigual dos riscos encontra-se na suposta fraqueza política dos grupos sociais residentes nas áreas de destino das instalações perigosas, comunidades ditas “carentes de conhecimento”, “sem preocupações ambientais” ou “fáceis de manejar”, na expressão dos consultores detentores da ciência da resistência das populações à implantação de fontes de risco” (ACSELRAD, 2002).
Ao analisarmos o contexto do racismo ambiental praticado nos Estados Unidos naquela época, percebemos sua clara reprodução na contemporaneidade nos municípios da Baixada Fluminense que se transformaram em depósitos do lixo do Rio de Janeiro : Seropédica, Duque de Caxias e Nova Iguaçu.
A escolha da Baixada Fluminense para acolher o lixo da cidade do Rio de Janeiro não é recente. O Aterro de Gramacho em Duque de Caxias que é cenário do documentário “Lixo Extraordinário”, indicado ao Oscar deste ano, é um exemplo deste pensamento racista de que o lixo deve ir para as áreas marginalizadas , longe dos bairros onde residem as classes que mais consomem e geram lixo.
A intervenção direta de Eduardo Paes na escolha do município de Seropédica para a instalação do CTR Santa Rosa com todo apoio do Governo Cabral, além de evidenciar esta ingerência político-administrativa, também dá ampla demonstração de que não há qualquer tipo de constrangimento por parte destas autoridades públicas em continuar praticando descaradamente políticas ambientalmente racistas contra a Baixada Fluminense.
A luta travada corajosamente pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro vem justamente no sentido de conscientizar e sensibilizar os moradores de Seropédica e de toda região da Baixada Fluminense sobre a importância da organização social contra o funcionamento deste aterro sanitário e da defesa do Aquífero Piranema .
A união dos setores populares, intelectuais, pesquisadores e parlamentares comprometidos com a causa socioambiental é essencial nesta luta desigual pela defesa do Aquífero Piranema. A sociedade fluminense não pode simplesmente cruzar os braços diante deste modelo racista e inconsequente que, além de não resolver o problema da destinação de resíduos no Rio de Janeiro, ainda troca água potável por lixo.
http://correiodobrasil.com.br/o-aquifero-piranema-e-o-racismo-ambiental-na-baixada-fluminense/253873/