Duarte Pereira*
Jorge Semprún, militante destacado do Partido Comunista Espanhol durante os anos difíceis do franquismo e escritor de grande talento, faleceu em Paris na última terça-feira, 7 de junho, aos 87 anos. Sofria, há alguns meses, de um tumor no cérebro.
De Semprún pode ser lida em português sua famosa Autobiografia de Federico Sánchez (tradução de Olga Savary, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1979). O livro ultrapassa as reminiscências de sua militância no Partido Comunista Espanhol e da resistência democrática e popular ao regime franquista.
Como destaca Semprún no primeiro capítulo do livro, “o tema das relações do intelectual com o partido, e mais amplamente com o movimento operário em geral, é um dos assuntos principais deste ensaio de reflexão autobiográfica” (p. 18).
E acrescenta com precisa ironia, verberando os preconceitos obreiristas difundidos nos partidos comunistas da época: “Isso de ‘intelectual’ na verdade é faca de dois gumes. Serve como um elogio ou como um anátema” (Ibidem). Mas não falta às memórias do militante e escritor espanhol a coragem também da autocrítica: “Eu tenho sido um intelectual stalinizado. É bom saber que eu o fui e explicar porque o fui” (p. 21).
Jorge Semprún nasceu em Madri, capital da Espanha, em 1923. Filho de um ministro do governo republicano, ele e sua família foram obrigados a exilar-se após a derrota da Frente Popular na guerra civil e a instalação do regime fascista?sob o comando do general Franco em 1939. Passaram pela Suíça e pela Holanda, fixando-se finalmente em Paris, na França, onde o jovem espanhol aderiu ao Partido Comunista em 1941 e, logo em seguida, à Resistência francesa. Preso pela Gestapo em 1943, foi deportado para o campo de concentração de Buchenwald num trem abarrotado de prisioneiros. Essas experiências, apesar de penosas, não o abateram e inspirariam mais tarde seu primeiro romance, A grande viagem.
Com a libertação da França e a derrota do nazismo, regressou a Paris, de onde viajava com freqüência e identidade falsa para a Espanha, a serviço do Partido Comunista Espanhol, vindo a integrar o Comitê Executivo do Comitê Central do partido de 1956 a 1964. Assumindo posições contrárias ao stalinismo cada vez mais incisivas, e divergindo da orientação seguida pelo partido sob a liderança de Santiago Carrillo, acabou sendo excluído da organização, passando a dedicar-se à literatura e ao cinema.
Escreveu romances em língua espanhola ou francesa, vários premiados, como o já referido A grande viagem, de 1963, ou A segunda morte de Ramón Mercader, de 1969. Foi autor também de roteiros cinematográficos muito elogiados, como o do belo filme A guerra acabou, de 1966, dirigido por Alain Resnais e interpretado por Yves Montand, ou os dos consagrados filmes de Costa-Gavras, Z, de 1968, e A confissão, de 1970.
Com a derrocada do regime franquista, retornou à Espanha, ocupando o cargo de ministro da Cultura de 1988 a 1991, no governo social-democrático de Felipe Gonzalez. Nos últimos anos, tornou-se um ardoroso partidário da unificação européia.
Não é preciso concordar inteiramente com um militante e intelectual para respeitar sua trajetória, admirar sua obra e aprender com suas experiências e reflexões. O século XX, com seus abalos, avanços e retrocessos, não foi fácil ou retilíneo, nem para as lutas sociais, nem para as biografias de seus protagonistas.
Jorge Semprún, um desses protagonistas como comunista ou como democrata, como ativista ou como escritor, merece, apesar das divergências que se possa ter com algumas de suas posições e escolhas, o reconhecimento de todos os militantes proletários e intelectuais críticos que não desistiram de lutar por sociedades autenticamente democráticas e socialistas.
*Duarte Pereira, 72 anos, é jornalista e escritor.
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